segunda-feira, 31 de julho de 2023

Segunda Guerra Mundial - 1939 Setembro a Dezembro de 1939

 

Setembro  a  Dezembro  de  1939

Os  beligerantes:

A  invasão  alemã  da  Polônia  a    de  setembro  e  a  entrada  da  França  e  da  Grã-Bretanha  no  conflito  a  3  de setembro  marcaram,  não  tanto  o  começo  de  uma  nova  guerra,  como  a  abertura  da  fase  mais  intensa  de  uma guerra  que    estava  em  desenvolvimento.  Até  onde    então  tinha  ido  era  uma  questão  de  interpretação.  Uma possível  opinião  era  a  de  que  ela,  de  qualquer  modo,  jamais  tinha  cessado,  durante  os  anos  que  decorreram desde  1914.  Um  ponto  de  vista  mais  moderado,  como  o  emitido  pelo  capitão  Liddell  Hart,  poderia  ser  o  de que  o  rebentar  da  rebelião  espanhola,  em  julho  de  1936,  fôra  o  seu  ponto  de  partida.  Mas,  para  qualquer observador  informado  estava  pelo  menos  claro  que  a  luta,  armadas  por  um  período  considerável  antes  de  se recorrer  às  hostilidades,  fôra  conduzida  de  modo  incruento,  mas  com  crescente  intensidade.

É  que  agora  estava  mundialmente  reconhecido  que  a  guerra  moderna  consistia  em  algo  mais  do  que  no choque  de  homens  armados.  Era  uma  luta  de  nações  a  utilizar  todos  os  recursos  à  sua  disposição  para  a derrota  dos  adversários  e  para  proteger-se  a  si  mesmas  contra  a  destruição.  Como  Hobbes    escreveu,  "a natureza  da  guerra  consiste  não  na  luta  propriamente  dita,  mas  na  conhecida  aptidão  para  isto".  Exércitos, marinhas  e  forças  aéreas  eram  as  últimas  reservas  a  serem  colocadas  na  balança.  Mas,  embora  estas pudessem  garantir  a  decisão  final,  não  a  poderiam  fazer  quando  não  apoiadas.  Elas  não  passam  da  ponta  de lança  que  deve  apoiar-se  na  haste  representada  pelo  total  esforço  nacional.  Da  extensão  dos  recursos nacionais  em  capacidade  industrial  e  permanente  poder  econômico,  mesmo  mais  que  o  efetivo  das  forças armadas,  depende  a  resistência  daquela  haste  e  o  grau  do  poder  ofensivo  que  a  impulsiona.  Um  sumário  do potencial  de  guerra  dos  beligerantes  ao  começar  o  conflito  representa  uma  estimativa  de  seus  recursos econômicos  e  a  sua  posição  estratégica,  não  menos  que  a  sua  força  em  campo.

Para  começar,  os  três  beligerantes  mais  importantes  eram,  em  grau  variado,  nações  industriais.  Numa  guerra em  que  as  forças  em  luta  dependiam  de  armamento  mecânico  e  da  vasta  quantidade  de  munições  e suprimentos  que  essas  armas  exigiam,  este  era  o  requisito  essencial.  Entre  esses  beligerantes,  a  Alemanha indubitavelmente  levava  vantagem.  Sua  capacidade  industrial,  a  segunda  depois  da  dos  Estados  Unidos,  era em  bruto  igual  às  da  Grã-Bretanha  e  França  combinadas.  Além  disto,  enquanto  os  esforços  das  indústrias britânica  e  francesa  eram  dirigidos  principalmente  para  a  satisfação  das  necessidades  comuns  da  coletividade em  tempo  de  paz,  a  indústria  alemã    estava  organizada  para  finalidades  de  guerra.  O  Plano  de  Quatro  Anos de  1936,  que  colocou  o  total  da  economia  germânica  sob  a  direção  do  general  Goering,  visava  tornar  a Alemanha  imune  da  derrota  fosse  pelas  armas  ou  pelo  bloqueio.  Canhões  ao  invés  de  manteiga,  era  o  seu lema.  "Vivemos  numa  fortaleza",  disse  Goering;  e  nessa  fortaleza  as  energias  dos  oitenta  milhões  de habitantes  eram  concentradas  antes  de  mais  nada  nos  propósitos  da  defesa.

Os  aliados  ao  contrário,  tinham  dado  poucos  passos  a  fim  de  controlar  sua  economia  para  finalidades  de guerra.  Os  governos  da  França  e  Grã-Bretanha,  é  verdade,  se  tinham  outorgado  altos  poderes  de regulamentação  da  indústria,  importação  e  câmbio  estrangeiro.  Mas,  afora  os  passos  em  favor  da nacionalização  da  indústria  de  armas  que  tinham  sido  dados  pelo  governo  Blum,  a  França  pouco  fez  para aplicar  esses  controles.  Mesmo  os  planos  das  indústrias  bélicas  específicas  que  a  Inglaterra  tinha  projetado em  conexão  com  o  rearmamento  foram  aplicados  apenas  moderadamente,  e  não  foi  senão  em  junho  de  1939 que  receberam  coordenação  central  através  do  estabelecimento  de  um  Ministério  de  Suprimentos.  A economia  desses  dois  países  funcionava  numa  base  essencialmente  civil,  quando  a  guerra  rebentou.

Porém,  apesar  da  Alemanha  parecer  possuir  sob  este  aspecto  uma  vantagem  inicial,  esta  devia  ser considerada  de  várias  maneiras.  Em  primeiro  lugar,  o  próprio  fato  dos  gêneros  de  consumo  terem  sido reduzidos  de  maneira  tão  drástica  em  benefício  do  rearmamento  deixava  pequena  margem  para  maior intensificação  dos  esforços  produtivos  em  favor  das  finalidades  bélicas.  Algo  poderia  ter  sido  feito, naturalmente,  pelo  racionamento,  que  reduziria  ainda  mais  o  consumo  ordinário  e  deixaria  disponíveis  para as  indústrias  de  guerra,  tanto  os  trabalhadores  como  os  materiais.  O  general  von  Fritsch  tinha  uma  vez observado:  "Embora  se  possa  terminar  uma  guerra  com  cartões  de  racionamento,  jamais  se  deve  começá-la assim."  Mas,  o  general  von  Fritsch  tinha  perdido  o  prestígio  desde  a  sua  demissão  do  posto  de  comandante- em-chefe  em  fevereiro  de  1938,  como  resultado  de  sua  oposição  à  invasão  da  Áustria.  E  não  muito  depois que  a  guerra  começou  foi  revelado  que  ele  encontrara  a  morte  na  Polônia  durante  a  realização  de  uma perigosa  operação  de  reconhecimento.  Qual  a  natureza  dessa  operação,  ou  por  que  um  general  de  tão  alta projeção  tinha  sido  encarregado  de  efetuá-la,  eram  perguntas  em  torno  das  quais  o  mundo  especulava  à vontade.

Assim,  a  guerra,  no  tocante  à  Alemanha,  iniciou-se  com  cartões  de  racionamento.  Uma  série  de  decretos estabeleceu  ferozes  restrições  em  artigos  como  gêneros  alimentícios,  vestuário,  sabão  e  automóveis.  "Quanto à  carne"  -  declara  o  rotundo  Goering  a  uma  assistência  alemã  no  dia  9  de  setembro  -  "pode-se  dizer  que  nós  a consumimos  demais  de  qualquer  maneira.  Com  menos  carne  ficaremos  mais  magros  e  necessitaremos  de menos  fazenda  para  o  nosso  vestuário."  Mas  com  um  standard  de  vida    próximo  ao  mínimo,  e  falta  de trabalho  mesmo  antes  da  irrupção  da  guerra  a  Alemanha    parecia  estar  no  cume  dos  seus  esforços econômicos.

A  França  e  a  Grã-Bretanha,  por  outro  lado,  tinham  ainda  uma  margem  muito  considerável  e  a  qual  ainda poderia  ser  incrementada  por  meio  de  cooperação  eficiente.    então  elas  tinham  assentado  coordenar  seus esforços  militares  em  caso  de  guerra.  Quando  esta  rebentou,  elas  trataram  de  estender  essa  coordenação  à esfera  econômica.  Um  acordo  comercial  a  17  de  novembro  foi  seguido  de  um  tratado  financeiro  a  12  de dezembro.  Juntos,  constituíam  eles  um  arranjo  de  um  alcance  sem  precedentes.  Significaram  praticamente uma  fusão  de  seus  recursos  em  materiais  bélicos,  alimentos  e  tonelagem  de  navegação,  bem  como  créditos no  exterior.  Uma  política  comum  de  compras  no  estrangeiro  foi  estabelecida  não  apenas  para  evitar competições  na  aquisição,  mas  também  para  regulamentar  a  importação  de  acordo  com  a  produção  e  para elaborar  um  plano  simples  de  distribuição,  entre  os  dois  países,  das  mercadorias  necessárias  a  ambos.  Os ativos  no  câmbio  estrangeiro  seriam  utilizados  em  comum;  o  câmbio  foi  fixado  em  176,5  francos  para  a libra;  foram  estabelecidas  consultas  e  ações  comuns  sobre  preços  e  créditos;  a  assistência  financeira  a  outros países  seria  dividida  numa  base  de  40  /o  da  parte  da  França  e  60  da  parte  da  Grã-Bretanha.  "Por  estes  meios" -  disse  o  comunicado  aliado  sobre  o  acordo  de  novembro  -  "arranjos  foram  feitos  para  a  entrada  em  ação, dois  meses  depois  do  começo  das  hostilidades,  da  organização  da  comum  atividade  de  ambos  os  países,  a qual,  no  último  conflito,    foi  obtida  no  fim  do  terceiro  ano."  O  acordo  de  dezembro  realizou  essa  finalidade com  muito  maior  perfeição  que  a  existente  durante  a  Grande  Guerra.

Em  segundo  lugar,  a  indústria,  seja  na  paz  ou  na  guerra,  depende  das  matérias-primas;  e  neste  ponto  a Alemanha  estava  em  franca  desvantagem.  O  seu  próprio  suprimento  de  gêneros  alimentícios  foi  estimado como  sendo  apenas  83%  adequado,  com  deficiências  em  frutas,  legumes  e  especialmente  em  gordura.  Em matérias-primas  industriais,  a  Alemanha  normalmente  importava  um  terço  de  suas  necessidades,  a  despeito de  seus  esforços  para  fomentar  a  produção  interna  e  para  obter  sucedâneos.  Em  suprimentos  especiais,  ela tinha  um  superavit  apenas  em  carvão,  potássio  e  magnésio.  Sofria  de  deficiências  particularmente  em matérias  vitais  como  algodão,  borracha,  petróleo  e  ferro  em  bruto.  Era  verdade  que  os  territórios propriamente  ditos  da  Grã-Bretanha  e  França  também  careciam  de  muitos  desses  suprimentos.  Mas,  alguns podiam  ser  obtidos  nos  seus  impérios,  e  os  dois  países  tinham  ainda  acesso  a  outras  fontes  estrangeiras.  Para a  Alemanha  tal  acesso  constituía  um  problema  de  solução  muito  mais  difícil,    que  seus  inimigos  retinham  o domínio  do  mar.

Pelo  lado  militar,  a  Alemanha  teve  outra  vantagem  inicial  que  parecia,  entretanto,  de  difícil  extensão  no futuro.  Em  relação  ao  exército,  de  fato,  qualquer  disparidade  existente  se  mostrava  favorável  aos  aliados.  O exército  efetivo  de  850.000  homens  da  Alemanha  via-se  diante  de  uma  força  francesa  de  708.000  e  britânica de  250.000.  Cada  lado  poderia  colocar  entre  dois  e  três  milhões  de  homens  sob  mobilização  total.  Em  teoria, a  Alemanha,  com  uma  população  acima  de  80  milhões,  deveria  ser  capaz  de  manter  um  equilíbrio  numérico. Mas,  na  realidade,  as  exigências  da  produção  interna  esperava-se  fossem  mais  sérias  na  Alemanha  que  na França  ou  Grã-Bretanha.  Uma  tentativa  de  cálculo  pôs  o  total  do  potencial  humano  alemão  em  três  e  meio milhões  contra  cinco  milhões  da  Grã-Bretanha  e  França.  E  no  caso  dessas  reservas,  a  ausência  de  um treinamento  militar  geral  na  Alemanha  depois  de  1919,  conquanto  modificada  pela  existência  de organizações  semimilitares,  parecia  afetar  a  qualidade  dos  seus  recrutas,  comparadas  com  os  da  França. Outro  defeito  atribuído  à  Alemanha  era  o  pequeno  número  de  oficiais  competentes  nos  postos  de responsabilidade,  de  capitão  a  coronel.  O  Estado-Maior  alemão  pode  ter  retido  todo  o  seu  antigo  brilho,  mas os  oficiais  superiores  pareciam  constituir  um  ponto  decididamente  fraco  na  sua  máquina  militar.

Onde  a  Alemanha  tinha  a  maior  preponderância  era  no  ar.  Embora,  faltassem  estatísticas  precisas,  tinha  ela provavelmente  10.000  a  12.000  aviões,  dos  quais  talvez  6.000  eram  de  primeira  linha.  A  força  combinada anglo-francesa  era  certamente  menor  que  esta,  talvez  de  uns  20%.  Essa  inferioridade  quantitativa,  entretanto, pode,  em  certos  pontos,  ter  sido  modificada  pela  superioridade  qualitativa.  Havia  motivos  para  crer-se  que  os aviões  britânicos  eram  mais  bem  construídos  e  que  os  velozes  caças  alemães  careciam  de  flexibilidade  de manobras  alcançada  por  seus  rivais  britânicos.  E  aqui  novamente  a  rápida  expansão  da  Alemanha  envolveu um  problema  de  pilotos  treinados  e,  particularmente,  de  comandantes  de  esquadrilha.  Sob  esse  aspecto,  e  no tocante  ao  seu  pessoal,  a  força  aérea  britânica  era  provavelmente,  para  o  seu  tamanho,  a  mais  poderosa  da Europa.

No  ar,  as  perdas  e  deterioração  combinadas,  calculava-se,  deveriam  atingir  em  tempo  de  guerra  90% mensais.  Em  capacidade  de  substituição,  como  efetivo  inicial,  a  Alemanha  partiu  com  vantagem,  vantagem que  se  esperava  fosse  temporária,  apenas.  Contra  a  sua  produção  de  1.000  a  1.200  por  mês  havia  a  produção britânica  de  700  a  800  e  francesa  de  possivelmente  200  aparelhos.  Em  perto  de  um  ano,  cálculos  aceitáveis punham  a  produção  aliada  apenas  ligeiramente  atrás  da  alemã,  estimada  em  1.500  aparelhos  por  mês,  e creditou-lhes  cerca  de  8.400  aparelhos  contra  possíveis  9.300  da  Alemanha.  Além  disso,  a  Grã-Bretanha estava  desenvolvendo  no  Canadá  uma  indústria  aeronáutica  e  campos  de  treino  para  pilotos  cuja  contribuição seria  certamente  de  primeira  importância.  Mesmo  os  cálculos  mais  moderados  acreditavam  que  qualquer resto  de  superioridade  alemã  dificilmente  perduraria  até  depois  da  primavera.

A  situação  estratégica:

Quando  se  consideraram  as  exigências  que  a  guerra  haveria  de  impor  a  esses  diferentes  recursos,  tomou-se logo  evidente  uma  diferença  entre  os  dois  adversários.  Se  bem  que  a  Alemanha  não  tivesse  possessões imperiais,  ela  também  estava  livre  de  obrigações  imperiais.  Não  tinha  necessidade  de  dispersar  forças  para proteção  de  colônias  ou  para  defesa  de  rotas  comerciais.  Como  em  1914,  podia  concentrar  seus  esforços;  e uma  vez  mais,  sua  posição  geográfica  lhe  permitia  operar  em  linhas  interiores.  Um  estudo  da  situação estratégica,  na  verdade,  dificilmente  era  possível  sem  compará-la  com  a  de  1914.

O  primeiro  e  mais  evidente  dos  fatos  era  o  de  que  em  1939,  em  contraste  com  a  situação  de  1914,  a Alemanha  estava  sozinha.  A  aliança  com  a  Itália,  entusiasticamente  exaltada  pelos  dois  sócios  como  um "pacto  de  aço",  tinha  menos  de  quatro  meses  de  idade  quando  a  guerra  estourou.  Imediatamente,  a  despeito dos  protestos  de  sua  continuada  lealdade  à  aliança,  a  Itália  assumiu  uma  atitude  de  determinada  neutralidade -  atitude  simbolizada  pela  reforma  ministerial  de  31  de  outubro  que  eliminou  do  governo  os  principais partidários  da  Alemanha.  O  discurso  do  conde  Ciano  na  Câmara  das  Corporações,  a  16  de  dezembro,  revelou que  a  Itália  tinha  estipulado  uma  paz  de  três  anos  a  fim  de  poder  completar  seus  preparativos  militares,  que  a Alemanha  entrou  em  guerra  com  a  Polônia  a  despeito  dos  esforços  italianos  para  evitar  as  hostilidades  e  que o  acordo  germano-soviético  era  tudo  menos  bem-vindo.  O  tom  oficial  dos  pronunciamentos  italianos  era ainda  favorável  à  Alemanha,  mas  isto  parecia  motivado  menos  pela  afeição  ao  Reich  do  que  por  uma insistente  irritação  em  relação  à  Grã-Bretanha  e  França.  Parecia  cada  vez  mais  provável  que  a  Itália  ainda uma  vez  aceitaria  as  condições  mais  atraentes  que  qualquer  dos  lados  lhe  oferecesse.

Esta  atitude  de  parte  da  Itália,  e  ainda  mais  o  pacto  germano-soviético,  tiveram  importante  influência  sobre  o outro  membro  do  grupo  anti-comintern.  A  vitória  do  general  Franco  na  Espanha  tinha  sido  proclamada  por ele  mesmo  e  pelos  que  o  apoiavam  como  um  triunfo  sobre  o  Bolchevismo.  Qualquer  projeto  que  a  Alemanha alimentasse  em  relação  ao  auxílio  espanhol  como  sinal  de  gratidão  pela  sua  assistência  a  Franco  viu-se gravemente  diminuído  em  conseqüência  do  tratado  com  a  Rússia.  Em  qualquer  caso  seria  discutível  que  a Espanha  se  movimentasse  sem  que  primeiro  a  Itália  assim  procedesse.  Assim,  a  neutralidade  espanhola estava  assegurada  para  o  momento.  Essa  situação  momentânea  livrou  os  aliados  da  ameaça  vital  que  de  outra forma  teria  recaído  sobre  a  sua  posição  no  Mediterrâneo  -  resultado  atribuível  pelo  menos  tanto  à  boa  sorte como  à  boa  política.

Na  outra  ponta  do  Mediterrâneo,  a  situação  era  definitivamente  mais  favorável  aos  aliados  do  que  tinha  sido em  1914.  A  Turquia  então  se  colocara  ao  lado  da  Alemanha.  Agora  ela  não  somente  se  mantinha  neutra,  mas também  decidida  a  resistir  a  qualquer  agressão  alemã  na  região  balcânica.  Um  tratado  definitivo  de assistência  mútua  no  Mediterrâneo  oriental,  incluindo  garantias  específicas  à  Grécia  e  à  Romênia,  foi firmado  entre  a  Turquia  e  os  Aliados,  em  19  de  outubro.  Seguiu-se-lhe  um  acordo  comercial  entre  a  Turquia e  a  Grã-Bretanha  completado  por  conversações  militares  entre  os  três  Estados.  Foi  assim  assegurada  aos Aliados  uma  coordenação  dos  esforços  defensivos  nos  Bálcãs  e  no  Oriente  Próximo.

O  outro  aliado  da  Alemanha  em  1914  foi  a  Áustria-Hungria.  O  império  dos  Habsburgos  tinha  sido  liquidado em  Versalhes;  mas  o  seu  resultado  final  fôra  a  absorção  pela  Alemanha  nazista  desses  antigos  territórios habsburguenses,  a  Áustria  e  a  Tchecoslováquia.  Podia  considerar-se  que  esta  absorção  compensava  em  parte o  desaparecimento  do  antigo  aliado  alemão,  especialmente  do  ponto  de  vista  estratégico.  A  dominação  da Boêmia,  aquela  "fortaleza  construída  por  Deus  no  coração  da  Europa",  ficou  assim  uma  vez  mais  assegurada. Havia  vantagens  econômicas  também  na  aquisição  tanto  do  parque  industrial  como  das  recursos  naturais,  se bem  que  essas  vantagens  não  estivessem  de  maneira  alguma  isoladas  uma  da  outra.  Do  ponto  de  vista puramente  militar,  por  outro  lado,  o  aumento  do  potencial  humano  estava  longe  do  equivalente  do  antigo exército  austríaco.  Pelo  contrário,  a  presença  de  uma  população  hostil  e  cheia  de  ressentimentos  na  Áustria  e na  Tchecoslováquia  poderia  tornar-se  um  problema  sério  que  dificultaria  os  esforços  de  guerra  do  Reich.

Mas,  se  era  verdade  que  a  Alemanha  se  encontrava  sozinha,  não  era  menos  verdadeiro  que  enfrentava  um número  menor  de  inimigos.  No  oeste,  naturalmente,  o  efetivo  comparado  desses  inimigos  tinha  toda  a aparência  de  ser  maior  que  em  1914.  A  preponderância  naval  britânica  era  ainda  mais  esmagadora.  O exército  francês  era  considerado  quase  unanimemente  -  e    os  alemães  discordavam  disso  -  como  o  melhor do  mundo.  As  defesas  terrestres  da  França,  um  monumento  das  convicções  e  da  resolução  de  André  Maginot, eram  consideradas  fortes  a  ponto  de  tornar  um  suicídio  qualquer  assalto  direto;  e  embora  isto  tornasse  mais tentador  um  ataque  de  flanco  através  da  Bélgica  ou  da  Suíça,  considerava-se  que  o  alto  comando  francês estaria  preparado  para  fazer  frente  a  tal  manobra.  A  contrabalançar  tudo  isto,  entretanto,  havia  o  fato  de  que se  a  Alemanha  não  podia  invadir  a  França,  esta  enfrentava  igual  dificuldade  para  invadir  a  Alemanha.  E  no leste,  onde  a  Rússia  czarista  tinha  se  lançado  à  invasão  em  1914,  havia  agora  a  União  Soviética  no  pleno vigor  de  recente  amizade  para  com  o  Terceiro  Reich.

Isto  eliminou  o  perigo,  considerado  pelo  Estado-Maior,  de  uma  guerra  em  duas  frentes.  Não  eliminara  de todo  a  segunda  frente.  Mas  pelo  menos  a  Polônia  parecia  oferecer  um  problema  menos  formidável;  e  a Alemanha,  com  o  lançar  de  todo  o  seu  peso  contra  o  inimigo  mais  fraco,  poderia  esperar  eliminá-la  do quadro  antes  que  os  antagonistas  mais  fortes  pudessem  trazer  todo  o  seu  poderio  para  o  oeste.

A  campanha  da  Polônia:

A  Polônia,  como  nação,  havia  muito  se  acostumara  a  viver  perigosamente.  Sua  situação  no  Báltico  tornou- lhe  o  território  uma  estrada  natural  de  exércitos  em  marcha  para  leste  ou  oeste;  sua  carência  em  defesas naturais  fê-la  presa  de  vizinhos  poderosos  e  vorazes.  Entre  1772  e  1796,  a  Áustria,  a  Rússia  e  a  Prússia tinham  decidido  extinguir  o  Estado  polonês.  Sua  opressão  continuou  no  decorrer  de  todo  o  século  dezenove. Mas,  embora  os  poloneses  tenham  sido  vencidos  e  divididos,  jamais  foram  subjugados.  O  espírito  do nacionalismo  polonês  sobreviveu  a  todos  os  esforços  de  dominação,  e  o  sonho  do  Estado  polonês  revivido permaneceu  sendo  a  finalidade  de  todos  os  patriotas  poloneses.  Com  o  irromper  da  guerra  de  1914,  sua oportunidade  chegou.  Um  chefe  militar  emergiu  na  pessoa  de  Pilsudski;  um  Comitê  Nacional  Polonês  foi formado  na  França  e  obteve  o  apoio  dos  aliados  para  a  independência  polonesa;  e  em  1919  um  Estado  livre polonês  mais  uma  vez  foi  tornado  existente.

Desde  então,  até  a  sua  morte,  em  1935,  Pilsudski  foi  a  figura  dominante  na  Polônia.  Depois  que  morreu,  az tarefa  da  chefia  ficou  a  cargo  de  dois  homens  -  o  coronel  Beck,  ministro  dos  negócios  exteriores,  e  o marechal  Smigly-Rydz,  comandante-chefe  do  exército.  Sua  tarefa  era  manter  a  independência  da  nação  num momento  em  que  ela  se  tornava  gradualmente  mais  ameaçada.  Um  ataque  pela  Alemanha  ou  pela  Rússia; uma  guerra  entre  a  Alemanha  e  a  Rússia;  um  acordo  entre  a  Alemanha  e  a  Rússia,  a  expensas  da  Polônia  - tudo  isto  era  possível,  e  tudo  isto  ameaçava  a  existência  da  Polônia.  Os  líderes  poloneses  procuraram preparar-se  para  tais  eventualidades  com  a  organização  de  um  exército  eficiente,  a  manutenção  de  uma atitude  correta,  e  onde  possível  amigável,  em  relação  tanto  à  Rússia  como  à  Alemanha  e  a  procura  de  apoio alemão  e  francês.  Embora  desejassem  a  paz,  não  pretendiam  comprá-la  à  custa  de  sacrifícios  que  pudessem ameaçar  a  independência  polonesa.  Quando  Hitler  apresentou  exigências  que  envolviam  tal  ameaça,  os poloneses  estavam  plenamente  resolvidos  a  lutar  antes  que  render-se.

A  Polônia  sobre  a  qual  se  despencou  a  avalancha  alemã  era  um  país  de  trinta  e  cinco  milhões  de  habitantes, dois  terços  dos  quais  viviam  da  agricultura.  Era  tudo,  menos  um  país  opulento.  O  padrão  de  vida  do campônio  polonês  era  bem  mais  baixo  que  o  do  alemão.  Era  um  país  de  poucos  recursos  industriais,  e  com pouco  capital  disponível  para  financiar  o  desenvolvimento  da  indústria.  A  aquisição  da  Alta  Silésia significou-lhe  a  posse  de  uma  área  industrial  com  importantes  depósitos  carboníferos.  Havia  alguns depósitos  de  óleo  ao  sul,  nas  proximidades  dos  Cárpatos.  Todos  os  esforços  foram  feitos  pelo  governo  para  a organização  de  uma  indústria  pesada  na  região  sul-central,  uma  indústria  cuja  natureza  e  localização  eram influenciadas  por  considerações  de  ordem  militar.  Mas,  embora  esses  esforços  tivessem  determinado  certos progressos,  a  organização  econômica  da  Polônia  era  ainda  tudo  menos  adequada  a  propósitos  bélicos.

Sob  o  ponto  de  vista  da  defesa,  a  geografia  era  de  pouca  vantagem  para  os  poloneses.  Os  Cárpatos formavam-lhe  uma  fronteira  natural  ao  sul;  mas  a  absorção  pela  Alemanha  da  Boêmia  e  Morávia  e  a ocupação  da  Eslováquia,  que  ocorreu  a  18  de  agosto,  fez  desses  limites  naturais  um  prolongamento  de  flanco de  uma  fronteira    por  si  muito  longa  para  ser  eficientemente  defendida.  No  oeste,  havia  algumas fortificações  a  cobrir  a  Silésia,  e  certo  número  de  importantes  cidades  tinham  sido  também  fortificadas.  Mas nada  havia  que  lembrasse  a  linha  Maginot  para  deter  o  invasor.  O  choque  principal  tinha  de  ser  aparado diretamente  pelo  exército  polonês.

O  exército  polonês  era  bem  treinado  e  bom  em  qualidade.  Com  trinta  e  duas  divisões  de  primeira  linha  e trinta  divisões  de  reserva,  ele  somava  perto  de  um  milhão  de  homens;  e  mobilizações  subseqüentes aumentaram  esse  total  para  milhão  e  meio.  Mas  ele  era  ainda  inferior  às  forças  alemães,  não  somente  em número,  como  em  equipamento.  Havia  deficiência  de  artilharia  pesada,  canhões  anti-tanques  e  canhões  anti- aéreos.  Embora  teoricamente  possuísse  uma  divisão  blindada,  esta  tinha  sido  relegada,  ou  obrigada  a  ser relegada,  em  favor  de  uma  força  móvel  de  cavalaria.  E,  sobretudo,  a  sua  força  aérea,  embora  composta  de 1.200  aviões,  iria  mostrar-se  de  uma  fatal  fraqueza  no  conjunto  da  organização  defensiva  da  Polônia.

De  acordo  com  a  estratégia  alemã,  deveria  ser  desfechado  um  golpe  esmagador  que  obtivesse  a  rápida  e completa  eliminação  da  Polônia  como  beligerante.  Contava  ela  obter  isto  durante  o  período  que  a  França  e  a Inglaterra  necessitariam  fazer  com  que  suas  forças  tomassem  posição,  e  antes  que  uma  ofensiva  maior pudesse  ser  desfechada  por  essas  potências  no  ocidente.  Para  tal  propósito,  das  90  divisões  de  infantaria  mais 8  divisões  blindadas,  três  quartas  partes,  isto  é,  mais  de  um  milhão  de  homens,  eram  concentradas  contra  a Polônia,  ficando  a  cargo  da  defesa  no  ocidente  20  divisões  de  reserva  de  tropas  veteranas.

Os  planos  alemães  foram  baseados  num  ataque  envolvente  por  dois  exércitos  principais  em  direção  a Varsóvia.  Cada  uma  dessas  forças  principais  ia,  por  sua  vez,  realizar  uma  série  de  ataques  que  resultariam  no amplo  movimento  final.  Ao  norte,  o  Corredor  deveria  ser  cortado  por  ataques  procedentes  da  Pomerânia  e  da Prússia  Oriental,  enquanto  uma  segunda  força  na  Prússia  Oriental  devia  provocar  uma  diversão  avançando diretamente  rumo  a  Varsóvia.  Ao  sul,  duas  forças  deviam  envolver  a  Silésia  e  depois  dirigir-se  para  nordeste a  fim  de  fazer  junção  com  uma  terceira  força  atacando  na  direção  de  Lodz.  Exércitos  do  norte  e  sul  iriam então  convergir  num  movimento  final  para  esfacelar  o  que  restasse  da  defesa  polonesa.

Para  fazer  frente  a  esse  ataque,  os  poloneses  planejaram  uma  resistência  retardadora  em  certo  número  de pontos  próximos  à  fronteira.  Atrás  dessas  forças  avançadas,  três  grupamentos  principais  tomariam  posição para  proteger  Varsóvia  e  o  triângulo  industrial  mais  ao  sul.  Numa  série  de  ações  retardadoras,  essas  forças recuariam  afinal  até  a  linha  fluvial  interior  do  Narew-Bug-Vístula-San,  onde  seria  travada  a  batalha  decisiva.

Três  fatores  foram  primariamente  responsáveis  pela  desorganização  desse  plano  defensivo.  Primeiro,  a mobilização  polonesa  ainda  estava  incompleta  quando  o  golpe  foi  desfechado.  A  mobilização  alemã  já começara  a  9  de  agosto,  e  estava  bem  encaminhada  pelo  dia  20  do  mesmo  mês.  Mas,  desejosos  de  evitar provocação  -  desejo  encorajado  pela  Grã-Bretanha  e  França  -  os  poloneses  retardaram  a  mobilização  geral até  31  de  agosto,  o  dia  em  que  precedeu  o  ataque  germânico.  Embora  a  semana  precedente  tivessem  tomado as  medidas  preliminares,  isto  significava  que  os  poloneses  careciam  de  tempo  para  desenvolver  por  completo os  seus  planos.  Segundo,  a  eficácia  do  ataque  aéreo  alemão  foi  devastadora  e  total.  O  bombardeio  das estradas  de  ferro  da  Polônia  desorganizou  completamente  os  transportes  e  comunicações  e  tornou  difícil  a coordenação.  Os  ataques  às  bases  aéreas  polonesas,  auxiliados  por  um  serviço  de  espionagem  de  grande eficiência,  destruíram  a  quase  totalidade  da  força  aérea  polonesa  mesmo  antes  dela  deixar  o  solo.  Dentro  de dois  dias,  os  alemães  tinham  o  domínio  completo  do  ar,  e  o  exército  polonês  foi  deixado  às  cegas.  Terceiro,  a velocidade  e  a  audácia  do  avanço  mecanizado  alemão  ultrapassaram  todas  as  previsões.  Os  poloneses contavam  com  más  estradas  e  com  a  lama  polonesa  para  neutralizarem  os  tanques  e  transportes.  Mas,  os  rios estavam  pouco  profundos  e  as  chuvas  tinham  cessado,  e  assim  esses  obstáculos  naturais  deixaram  de desempenhar  todo  o  papel  que  lhes  fôra  atribuído.  O  avanço  arrojado  das  colunas  mecanizadas  alemães levava-as,  de  quando  em  quando,  a  perder  por  completo  o  contacto  com  o  grosso  da  tropa,  e  em  muitos lugares  mostrou-se  extremamente  dispendioso,  mas  a  sua  contribuição  para  a  desorganização  das  forças polonesas  valeu  plenamente  esse  preço.

Os  dois  primeiros  dias  da  campanha  demonstraram  a  natureza  arrasadora  do  ataque  alemão.  Lançando-se sobre  as  forças  polonesas  ainda  não  preparadas  e  antes  que  elas  se  pudessem  estabelecer  em  posições defensivas  adequadas,  os  alemães  levaram  por  diante  a  primeira  linha  dos  defensores  em  direção  à  Varsóvia e  à  linha  do  Vístula.  Ao  norte,  os  movimentos  combinados  partidos  de  Posen  e  da  Prússia  Oriental ameaçavam  flanquear  as  forças  polonesas  e  obrigaram-nas  a  retirar  para  o  sul.  Isto  permitiu  que  as  forças alemães  fizessem  junção  a  5  de  setembro  e  cortassem  o  Corredor,  embora  a  resistência  ainda  continuasse  em torno  de  Gdynia  e  da  península  de  Hela.  Ao  sul,  os  alemães  avançaram  rapidamente  sobre  o  distrito industrial  da  Silésia,  e  com  a  captura  de  Cracóvia  a  6  de  setembro  a  região  inteira  estava  em  suas  mãos.  Em ambas  as  frentes,  forças  alemães  mecanizadas  progrediram  com  o  fim  de  romper  as  comunicações  e  cortar  a retirada  polonesa.  Esses  dois  movimentos  de  pinça,  ao  norte  e  ao  sul,  abriram  o  caminho  ao  avanço  principal pelo  centro,  o  qual  a  7  de  setembro  chegou  até  a  importante  cidade  de  Lodz.

A  primeira  fase  da  campanha  foi  assim  completada  em  uma  semana.  A  resistência  inicial  dos  poloneses  tinha sido  esmagada  e  áreas  contendo  recursos  importantes  transpostas  pelos  invasores.  Os  alemães  não  tinham sido  bem  sucedidos  entretanto  no  plano  de  destruir  ou  mesmo  separar  os  principais  exércitos  poloneses.  A sua  resistência  estava  mostrando  sinais  de  revigoramento,  e  os  poloneses  recuaram  para  linhas  defensivas mais  curtas  a  fim  de  fazer  frente  ao  ataque  alemão  concentrado,  que  agora  convergia  sobre  eles.  A  segunda fase  mostrou  o  aumento  dos  ataques  de  flanco,  os  quais  fizeram  com  que  os  poloneses  recuassem incessantemente,  precipitando  a  convergência  das  unidades  alemães  sobre  a  região  de  Varsóvia.  Uma penetração  de  elementos  mecanizados  alcançou  os  subúrbios  da  capital  a  8  de  setembro,  embora  não  tenha sido  senão  no  dia  15  que  o  exército  alemão  chegou  diante  da  cidade.  Entrementes,  incursões  partidas  do norte  desenvolveram-se  para  leste  até  Brest  Litovsk,  e,  ao  sul  um  forte  destacamento  mecanizado  foi  lançado em  direção  a  Lemberg  com  o  objetivo  de  cortar  a  linha  de  comunicação  com  a  Romênia.  No  dia  16,  a  região de  Varsóvia  fôra  praticamente  cercada  e  o  avanço  meridional  chegara  bastante  além  do  Vístula.  Mas, conquanto  as  comunicações  polonesas  tenham  sido  rompidas  e  o  comando  militar  estivesse  mostrando  sinais de  desorganização,  a  crescente  severidade  da  resistência  deu  esperança  de  que  uma  defesa  eficaz  ainda pudesse  ser  organizada  na  Polônia  oriental.

Esta  era  a  situação  quando,  a  17  de  setembro,  a  União  Soviética  efetuou  uma  invasão  do  leste.  O  governo russo  anunciou  que,  segundo  o  seu  ponto  de  vista,  o  Estado  Polonês  tinha  cessado  de  existir,  e  que  os tratados  com  ele  concluídos,  tais  como  o  pacto  de  não-agressão  de  1932,  tinham  perdido  o  valor.  Em conseqüência,  a  União  Soviética  achou  necessário,  intervir  para  proteger  seus  irmãos  de  sangue  na  Polônia. Ao  mesmo  tempo,  Berlim  declarou  que  a  intervenção  havia  tido  lugar  com  o  pleno  conhecimento  e aprovação  do  governo  alemão.

Para  o  destino  da  Polônia,  este  foi  o  golpe  decisivo.  Embora  os  russos  tenham  encontrado  pequena resistência,  essa  nova  invasão  completou  a  desorganização  das  defesas  polonesas  e  impediu  a  possibilidade de  criar  uma  verdadeira  frente  a  leste.  É  verdade  que  na  área  de  Varsóvia  continuaram  a  ser  travados  duros combates  por  cerca  de  três  semanas.  Conquanto  os  alemães  tenham  exigido  a  sua  rendição  no  dia  17,  a própria  Varsóvia  manteve  heróica  resistência  sob  constante  bombardeio  e  privações  crescentes  até  o  dia  27. A  fortaleza  de  Modlin  resistiu  até  o  dia  29;  na  península  de  Hela  a  resistência  continuou  até  o  dia  2  de outubro;  e  uma  força  de  16.000  poloneses  ao  norte  de  Lublin  manteve  a  luta  até  o  dia  5  de  outubro.  Estas porém  não  passaram  de  lutas  isoladas,  e  os  esforços  da  Polônia  como  Estado  ruíram  com  a  invasão  russa.

Mesmo  antes  de  terminada  a  luta,  os  despojos  tinham  sido  repartidos  pelos  conquistadores.  Após  uma temporária  "divisão  militar"  que  trouxe  a  Rússia  até  o  Vístula,  o  acordo  de  29  de  setembro  fixou  uma fronteira  mais  para  o  leste  e  seguindo  linhas  gerais  etnográficas.  Assim,  a  Rússia  se  contentou  com  menos  de metade  da  Polônia,  deixando  para  a  Alemanha  a  porção  mais  rica,  mas  adquirindo  uma  população  de  cerca de  12  milhões,  racial  e  economicamente  aparentados  aos  camponeses  russos.  Da  parte  restante  a  Alemanha anexou  as  seções  ocidentais  ao  Reich  e  criou  ao  centro  uma  província  teoricamente  autônoma  de  112.000 km²  e  de  uma  população  acima  de  13.000.000,  como  uma  espécie  de  território  em  que  poloneses  e  judeus ficassem  segregados  dos  outros  habitantes  do  Reich.

Esperava-se  que  quando  Hitler  acabasse  com  a  Polônia  faria  um  apelo  de  paz  aos  aliados,  sob  o  fundamento de  que  o  objetivo  original  da  guerra  estaria  desaparecido.  Tal  apelo  foi  sugerido  no  discurso  de  Hitler  em Dantzig:  a  19  de  setembro;  e  a  6  de  outubro,  dirigindo-se  ao  Reichstag,  ele  sugeriu  um  ajuste  fundado  nas conquistas  alemães    existentes  e  das  necessidades  ainda  insatisfeitas.  Tão  pouco  contribuiu  esta  iniciativa para  uma  base  aceitável  que  a  Itália,  dois  dias  antes,  virtualmente  refutou  qualquer  intenção  de  se  associar  a um  esforço  alemão  de  paz.  "As  propostas  contidas  no  discurso  do  chanceler  alemão"  -  disse  Mr.  Chamberlain

a  12  de  outubro  -  "são  vagas  e  incertas  e  não  contêm  sugestão  alguma  para  reparar  os  erros  cometidos  em relação  à  Tchecoslováquia  e  à  Polônia...  Seria  ainda  necessário  perguntar-se  por  que  meios  práticos  o governo  alemão  pretende  convencer  o  mundo  de  que  a  agressão  cessará  e  os  tratados  serão  cumpridos."  Sob tais  condições,  a  paz  estava  ainda  longe  de  ser  alcançada;  e  com  o  fim  da  campanha  polonesa,  os  esforços militares  seriam  concentrados  na  frente  ocidental.

A  frente  ocidental:

Ao  começar  a  guerra  o  problema  imediato  dos  aliados  no  ocidente  foi  dar  auxílio  eficaz  à  Polônia.  Uma assistência  direta  era  visivelmente  impossível,  a  menos  que  eles  estivessem  preparados  para  arriscar  a perigosa  empresa  de  forçar  o  Báltico.  Uma  assistência  indireta  somente  se  poderia  tornar  efetiva  com  o  levar uma  pressão  ao  ocidente  capaz  de  forçar  os  alemães  a  afrouxar  a  tenaz  na  Polônia  e  consagrar  suas  principais energias  à  defesa  da  Renânia.  Mas  esta  também  era  uma  empresa  cujo  preço  poderia  ser  nada  menos  que ruinoso  se  desenvolvesse  um  ataque  frontal  às  defesas  permanentes  da  muralha  ocidental  ou  da  Linha Siegfried.

Estas  defesas  eram  a  resposta  alemã  à  Linha  Maginot  francesa.  Esta  última  tinha  sido  construída  no  decorrer de  um  período  de  anos  e  a  um  custo  de  cerca  de  500.000.000  de  dólares.  Consistia  numa  série  de fortificações  subterrâneas,  intercaladas  de  casamatas  e  fortins  de  defesa  circular,  cobrindo  a  fronteira  desde Luxemburgo  até  a  Suíça,  e  estendendo-se  em  certos  pontos  numa  profundidade  de  40  km.  Nessas fortificações  interligadas,  uma  guarnição  poderia  manter-se  durante  um  período  prolongado  sem  auxílio  de fora;  e  sob  sua  cobertura  os  exércitos  franceses  poderiam  concentrar-se  e  manobrar  sem  recear  um  ataque  de surpresa.  As  linhas  alemães  eram  uma  série  de  posições  independentes,  construídas  sob  o  princípio  de  defesa em  profundidade  e  dispostas  de  maneira  a  submeter  a  um  mortal  fogo  cruzado  quaisquer  forças  que penetrassem  naquela  zona.  Seu  término  foi  apressado  desde  1937  com  nada  menos  de  meio  milhão  de homens,  que  nela  trabalharam  durante  a  crise  de  1938.  Embora  diferentes  na  construção,  ambas  tinham  isto em  comum:  uma  progressiva  resistência  de  defesa  contra  forças  atacantes  com  a  finalidade  de  desgastá-las  a um  ponto  tal  que  pudessem  ser  destruídas  por  contra-ataques  antes  de  terem  transposto  a  última  das fortificações.

Foi  contra  esta  posição  que  os  exércitos  franceses  começaram  a  movimentar-se  ao  rebentar  a  guerra.  A  5  de setembro,  um  comunicado  francês  anunciou:  "Nossas  tropas  tomaram  contacto  com  o  inimigo  em  todos  os pontos  de  nossa  fronteira  entre  o  Rheno  e  o  Mosela."  Durante  os  dez  dias  seguintes,  eles  ocuparam  uma  área de  cerca  de  100  milhas  quadradas  dentro  da  fronteira  alemã.  O  avanço  caracterizou-se  por  uma  deliberação cautelosa  que  mostrou  a  intenção  de  evitar  qualquer  inútil  perda  de  vidas  e  de  completar  cada  estágio  da operação  antes  de  proceder-se  ao  seguinte.  No  dia  12,  foi  anunciada  forte  resistência  alemã,  e  contra-ataques alemães  tiveram  início  no  dia  15.  E  quando  a  resistência  polonesa  ruiu,  apenas  os  postos  avançados  tinham sido  tomados  e  as  fortificações  principais  ainda  estavam  adiante.  Mas  com  a  queda  da  Polônia  desapareceu  a urgência  imediata,  e  a  Alemanha  estava  livre  para  mandar  o  grosso  de  seus  exércitos  para  a  frente  ocidental.

Pelos  meados  de  outubro,  uma  série  de  ofensivas  locais  foi  lançada  contra  os  franceses.  Nesse  meio  termo, contudo,  o  comando  francês  decidira  "retrair  para  outras  posições  as  divisões  francesas  que  entraram  em ofensiva  em  território  alemão  com  a  finalidade  de  indiretamente  levar  assistência  aos  exércitos  poloneses". No  fim  do  mês  elas  se  tinham  retirado  até  às  suas  próprias  fronteiras  e  as  operações  ficaram  reduzidas  a incursões  ocasionais  e  choques  de  patrulhas  intercaladas  de  duelos  de  artilharia.

Enquanto  os  franceses  efetuavam  tais  operações,  as  tropas  britânicas  avançavam  em  maciças  correntes através  do  Canal.  A  11  de  outubro,  Mr.  Hore-Belisha  anunciou  que  durante  as  primeiras  cinco  semanas  de guerra  158.000  homens  tinham  sido  transportados  à  França  e  deu  a  entender  que  outros  movimentos  estavam em  progresso.  A  10  de  dezembro  foi  anunciado  que  tropas  britânicas  estavam  ocupando  uma  seção  da  Linha Maginot,  entrando  em  contacto  com  o  inimigo.

O  inimigo  nesse  meio  tempo  não  mostrou  intenção  alguma  de  efetuar  um  ataque  direto  contra  a  Linha Maginot.  Ao  invés,  havia  sinais  de  que  a  idéia  de  um  ataque  de  flanco  através  dos  Países  Baixos  estava  uma vez  mais  exercendo  uma  atração  sobre  os  líderes  alemães.  À  medida  que  tropas  transferidas  da  Polônia começaram  a  concentrar-se  nas  fronteiras  belga  e  holandesa  e  a  imprensa  alemã  verberava  com  intensidade crescente  a  Holanda  pela  sua  fraqueza  em  aceitar  a  violação  de  seus  direitos  pelos  britânicos,  o  alarme  nesses países  aumentava.  A  1 o  de  novembro  o  governo  holandês,  que  realizara  inundações  preliminares,  proclamou o  estado  de  sítio  em  certos  distritos  fronteiriços.  A  6  de  novembro  o  rei  dos  belgas  fez  uma  repentina  e secreta  visita  à  rainha  Guilhermina  em  Haia,  e  no  dia  seguinte  os  dois  soberanos  enviaram  às  potências beligerantes  um  apelo  de  paz  e  uma  oferta  de  seus  bons  ofícios.  No  dia  9,  a  Bélgica  aumentou  suas  forças para  600.000  homens  e  a  Holanda  inundou  outras  áreas.

Havia  argumentos  persistentes  de  que  a  Alemanha  se  tinha  decidido  a  atacar  a  12  de  novembro;  mas  se  isto era  verdade,  sobreveio  uma  mudança  de  intenção.  Possivelmente  a  solidariedade  dos  dois  governos  neutros teve  seus  efeitos,  mesmo  que  seu  apelo  de  paz  não  tenha  dado  resultado.  Respostas  cautelosas  da  Grã- Bretanha  e  França  no  dia  12  eram  seguidas,  a  14,  pela  rejeição  alemã,  sob  o  fundamento  de  que  as  respostas britânica  e  francesa  constituíam  uma  recusa.  Mas  embora  a  tensão  se  atenuasse,  as  tropas  alemães permaneceram  na  fronteira.  Foi  talvez  a  título  de  advertência,  à  vista  do  prosseguimento  do  perigo,  que  a França  anunciou  no  começo  de  dezembro  o  reforçamento  e  a  extensão  da  Linha  Maginot,  que  cobriria  as fronteiras  suíça  e  belga  com  uma  linha  defensiva  que,  disse  o  porta-voz  francês,  com  otimismo  cauteloso; "pode  muito  bem  ser  descrita  como  formidável."  Em  conexão  com  essas  operações  terrestres,  houve  uma circunstância  notável  a  ausência  de  qualquer  atividade  aérea  intensa.  Os  reides  mortíferos  esperados  contra centros  civis  não  se  concretizaram.  As  próprias  comunicações  atrás  das  linhas  foram  poupadas  ao bombardeio.  Os  franceses  foram  capazes  de  fazer  avançar  suas  tropas;  aos  alemães  foi  permitido  trazer  suas forças  da  Polônia  ao  ocidente  sem  interferência  do  ar.  Os  dois  lados  pareciam  pouco  desejosos  de  começar, ou  devido  ao  receio  às  represálias  ou  por  medo  da  opinião  neutra.  Houve  ativos  vôos  de  reconhecimento,  e  a Royal  Air  Force  efetuou  extensos  vôos  para  distribuição  de  propaganda  em  território  alemão.  Mas  a  não  ser choques  ocasionais  entre  patrulhas,  as  operações  militares  foram  pouco  apoiadas  pelo  ar.  Foi  mais  em relação  à  guerra  marítima  que  a  aviação  mostrou  a  maior  atividade.

A  guerra  no  mar:

A  preponderância  naval  da  força  aliada  no  mar  era  muito  maior  em  1939  do  que  fôra  em  1914.  As  frotas britânica  e  francesa  juntas  somavam  perto  de  dois  milhões  de  toneladas;  a  frota  alemã  alcançava  apenas 235.000.  Contra  os  quinze  navios  ingleses  e  sete  franceses  de  grande  tonelagem  (não  se  incluindo  oito  porta- aviões),  a  Alemanha  tinha  sete  navios  de  grande  tonelagem,  e,  destes  sete,  dois  datavam  da  última  guerra  e três  eram  couraçados  de  bolso.  A  disparidade  não  era  tão  grande  como  estes  números  possam  indicar,  pois que  os  aliados  tinham  de  guardar  as  principais  rotas  marítimas,  inclusive  o  Mediterrâneo,  e  não  havia  meio de  forçar  a  inferior  armada  alemã  a  uma  batalha  decisiva.  Mas,  embora  pudesse  estar  na  posição  de  realizar sérios  danos,  a  Alemanha  dificilmente  ameaçaria  o  domínio  aliado  nos  mares.

Trazer  essa  ameaça  ao  máximo  de  sua  eficácia  era  a  tarefa  de  Erich  Raeder,  o  chefe  do  almirantado  alemão. Havia  muitas  indicações  de  que  ele  estava  disposto  a  pôr  em  prática  e  desenvolver  a  tradição  de  Tirpitz.  Era um  marinheiro  experimentado  que  tinha  lutado  nos  bancos  de  Dogger  e  na  Jutlândia  durante  a  última  guerra, e  que  alimentava  as  recordações  da  batalha  em  que  seu  navio  tinha  sido  afundado  e  as  da  derrota  final  que fez  com  que  a  frota  da  Alemanha  Imperial  fosse  posta  a  pique  pela  própria  tripulação  em  Scapa  Flow. Segundo  parecia  estava  preparado  para  conduzir  a  guerra  marítima  com  desenfreada  crueldade,  utilizando-se de  toda  a  arma  que  parecesse  capaz  de  quebrar  o  poderio  naval  britânico  ou  de  derrotar  o  bloqueio  instalado pelo  inimigo.  Em  particular,  fizera  um  estudo  meticuloso  da  guerra  submarina,  que  acreditava  ser  o  meio mais  provável  para  a  consecução  desses  fins.

Contra  ele,  do  lado  britânico,  erguia-se  Winston  Churchill.  Ao  romper  da  guerra,  o  homem  que  tinha  sido  o Primeiro  Lord  do  Almirantado  em  1914  fôra  novamente  chamado  ao  Gabinete  para  ocupar  esse  posto  e trazer  o  peso  de  sua  experiência  uma  vez  mais  à  tarefa  de  manter  livres  os  caminhos  marítimos  da  Grã- Bretanha  e  varrer  dos  oceanos  os  navios  alemães.  Era  uma  tarefa  que    ele  executara  com  vigor  e imaginação  sob  circunstâncias  muito  mais  difíceis.  Se  tais  qualidades  pudessem  novamente  obter  sucesso, Mr.  Churchill  as  tinha  em  abundância.

A  principal  arma  de  ataque  da  Alemanha  contra  a  frota  britânica  era  o  submarino,  de  que  o  Reich  possuía, segundo  cálculos,  65  quando  a  guerra  rebentou.  Embora  a  sua  eficácia  contra  navios  de  grande  tonelagem devidamente  cercados  de  destróieres  fosse  julgada  limitada,  não  era  de  modo  algum  desprezível.  Isto  foi demonstrado  a  18  de  setembro,  quando  uma  combinação  de  circunstâncias  permitiu  a  um  submarino  alemão afundar  o  Courageous,  antigo  couraçado  transformado  em  porta-aviões.  Mais  extraordinário  ainda  foi  o  feito do  submarino  que  a  14  de  outubro  penetrou  em  Scapa  Flow  e  pôs  a  pique  o  navio  de  batalha  Royal  Oak, causando  uma  perda  de  812  vidas.  O  pleno  significado  desse  feito  apenas  se  patenteou  mais  tarde,  quando  foi revelado  que  o  mesmo  resultou  no  abandono  de  Scapa  Flow  como  a  base  principal,  em  favor  de  um ancoradouro  menos  acessível.  Outra  perda  temporária  foi  sofrida  nos  princípios  de  dezembro,  quando  um couraçado  da  classe  de  Queen  Elizabeth,  mais  tarde  identificado  como  sendo  o  Barham,  foi  atingido  por  um torpedo,  mas  conseguiu  chegar  a  um  porto.

Mas  também  a  Grã-Bretanha  tinha  submarinos,  os  quais,  de  modo  algum,  se  encontravam  inativos.  Em dezembro,  dois  feitos  marcantes  foram  noticiados.  O  submarino  Salmon,  realizando  um  cruzeiro  no  mar  do Norte,  registrou  uma  combinação  única  de  desapontamento  e  triunfo.  Em  certa  altura,  o  transatlântico Bremen  pareceu  não  lhe  escapar,  quando  regressava  cautelosamente  de  Murmansk  a  um  porto  pátrio.  Mas quando  o  Salmon  se  preparam  para  lhe  mandar  um  tiro  à  proa,  aviões  alemães  surgiram  e  forçaram  o submarino  a  emergir.  Ter-lhe-ia  sido  assim  mesmo  possível  torpedear  o  Bremen,  mas  em  obediência  às  leis de  guerra  o  Salmon  susteve  o  fogo  e  deixou  o  transatlântico  escapar.  Em  compensação,  pouco  depois  o submarino  realizou  o  notável  feito  de  afundar  um  submarino  alemão;  e,  no  dia  seguinte,  achou-se  diante  de uma  presa  ainda  mais  importante,  quando  avistou  a  frota  alemã  numa  de  suas  raras  excursões  pelo  mar  do Norte.  A  divisão  consistia  em  um  couraçado  de  bolso,  dois  cruzadores  de  batalha,  dois  cruzadores  pesados  e do  cruzador  leve  Leipzig.  Tomando  posição  com  cautela,  o  Salmon  mandou  seis  torpedos  e  em  seguida mergulhou,  procurando  refúgio.  O  seu  comandante,  contudo,  teve  tempo  ainda  para  ver  que  um  dos  projéteis atingiu  o  Leipzig;  e  um  instante  depois  duas  explosões  indicaram  que  um  dos  cruzadores  pesados, possivelmente  o  Blucher,  também  tinha  sido  atingido.  E  poucos  dias  depois  um  pequeno  submarino  inglês,  o Úrsula,  realizou  ousada  operação  na  embocadura  do  Elba,  mergulhando  sob  uma  rede  de  proteção  de  seis destróieres  para  torpedear  um  cruzador  de  6.000  toneladas  da  classe  do  Köln  e  escapando  incólume.

Foi,  contudo,  e  uso  de  aviões  contra  vasos  de  guerra  que  representou  um  novo  aspecto  da  guerra  naval, aspecto  em  torno  de  cuja  eficiência  houve  muita  discussão  entre  os  técnicos.  Os  resultados,  depois  de  três meses  de  guerra,  eram  ainda  inconcludentes.  No  primeiro  reide  da  guerra,  efetuado  pela  Royal  Air  Force contra  o  canal  de  Kiel,  acreditou-se  haverem  sido  causados  sérios  danos  a  um  couraçado  de  bolso  e  que projéteis  atingiram  outro  navio  de  guerra.  Em  dezembro;  quando  foram  intensificados  os  reides  britânicos contra  as  bases  da  costa  nazistas,  em  parte  para  contrabalançar  a  atuação  das  esquadrilhas  alemães  de incursão  e  de  lançamento  de  minas,  a  caça  aérea  à  frota  germânica  foi  levada  a  efeito  vigorosamente.  A  3  de dezembro  foi  anunciado  que  uma  forte  formação  de  bombardeiros  britânicos  tinham  atacado  uma  divisão naval  alemã  nas  vizinhanças  de  Heligoland,  fazendo  sobre  o  navio  impactos  diretos  com  bombas  pesadas. Mas  as  defesas  alemães  foram  enrijecidas,  e  o  reide  seguinte,  a  18  de  dezembro,  resultou  no  mais  vigoroso encontro  aéreo  até  então  travado.  Os  alemães,  de  fato,  clamaram  que  52  aviões  britânicos  tinham  tomado parte  no  reide  e  que,  destes,  36  foram  abatidos  -  um  número  de  baixa  maior  que  o  verdadeiro  efetivo  da esquadrilha  britânica.  A  Grã-Bretanha  reconheceu  a  perda  de  7  aparelhos  ingleses  contra  12  alemães,  e apresentou  isto  como  um  resultado  satisfatório  da  atuação  de  aviões  de  bombardeio  diante  dos  novos  caças Messerschmitt,  que  em  número  considerável,  haviam  tomado  parte  na  ação.

Os  alemães,  por  sua  vez,  tentaram  vários  reides  que,  apesar  de  suas  afirmações,  não  foram  coroados  de  êxito. A  27  de  setembro  e  9  de  outubro  a  frota  repeliu  ataques  sem  sofrer  perdas,  e  a  persistente  afirmativa  alemã sobre  o  afundamento  de  Ark  Royal  desfez-se  gradualmente  em  face  da  evidência  cada  vez  mais  nítida  de  que o  porta-aviões  continuava  intacto.  Um  ataque  a  16  de  outubro  contra  navios  ancorados  no  Firth  of  Forth  teve resultados  algo  melhores.  Nenhuma  avaria  foi  causada  nos  navios  propriamente  ditos,  conquanto  o  cruzador Southampton  tenha  recebido  um  impacto  de  refilão;  e  as  baixas,  como  as  ocorridas  no  cruzador  Edinburgh  e no  destróier  Mohawk,  foram  resultantes  de  estilhaços  de  bombas.  No  dia  seguinte,  num  ataque  a  Scapa  Flow, foi  atingido  por  impactos  o  velho  Iron  Duke,  que  estava  em  uso  como  navio-base,  mas  deles  não  resultaram baixa.  Tendo  todos  esses  reides  resultado  em  baixas  para  os  atacantes,  suas  pequenas  vantagens  devem  ter parecido  desencorajadoras.  Pelo  mês  de  dezembro,  os  aviadores  alemães,  depois  de  darem  buscas  pela principal  frota  britânica  nas  Shetlands,  voltaram  a  sua  atenção  para  navios  de  pesca  e  embarcações  leves  de preferência  às  presas  menos  vulneráveis  e  mais  perigosas.

Mas  o  aspecto  mais  ativo  da  guerra  no  mar  foi  a  campanha  submarina  contra  a  navegação  mercante.  O afundamento  do  navio  de  passageiros  Athenia  no  primeiro  dia  da  guerra,  foi  uma  clara  indicação  de  que  uma guerra  submarina  irrestrita  seria  recomeçada  no  ponto  em  que  tinha  terminado  em  1918.  Com  centenas  de navios  britânicos  a  seguir  sua  tarefa  individual  ao  rebentar  a  guerra,  a  proteção  tornou-se  difícil  a  princípio  e as  perdas  eram  naturalmente  sérias.  Mas  os  ingleses  haveriam  de  aplicar  rapidamente  as  lições  aprendidas  na guerra  anterior.  A  organização  de  um  sistema  de  comboios,  a  resposta  mais  eficaz  aos  submarinos,  foi rapidamente  posta  em  prática  e  mostrou  resultados  imediatos.  De  conformidade  com  as  declarações  de  Mr. Churchill  a  6  de  dezembro,  as  perdas  em  navios  mercantes  britânicos  no  mês  de  outubro  eram  a  metade  do que  foram  em  setembro,  e  em  novembro  se  limitaram  a  dois  terços  do  que  tinham  sido  em  outubro.  Embora  a Grã-Bretanha  tivesse  dois  mil  navios  sempre  no  mar,  e  entre  cem  e  cento  cinqüenta  a  entrar  e  sair diariamente  dos  portos  britânicos,  110.000  toneladas  para  cada  mil  toneladas  afundadas,  as  perdas  totais eram  de  340.000  toneladas.  (Ao  fim  desse  ano,  as  perdas  tinham  atingido  a  460.000  toneladas).  Mas  a  Grã- Bretanha  começara  a  guerra  com  21.000.000  de  toneladas,  e  entre  capturas  de  navios  inimigos,  transferências de  pavilhões  neutros  e  novas  construções,  ela  recuperou  cinco  sextos  de  suas  perdas.

Em  face  dessas  defesas,  a  Alemanha  recorreu  a  dois  expedientes:  -  ataques  dos  submarinos  contra  navios neutros  e  lançamento  indiscriminado  de  minas.  As  perdas  neutras  causadas  pelos  submarinos  aumentavam gradualmente  à  medida  que  a  guerra  progredia;  e  as  perdas  neutras  causadas  pelas  minas  eram  o  dobro  das  da Grã-Bretanha.  Essas  minas  espalhadas  ao  longo  da  costa  britânica  estavam  em  muitos  casos  equipadas  com dispositivos  magnéticos  capazes  de  fazê-las  explodir  sem  contacto  direto.  Parece  que  algumas  dessas  minas foram  lançadas  por  aviões.  Para  combater  tais  ataques  a  Grã-Bretanha  acrescentou  uma  extensa  varre-minas à  caça  ininterrupta  e  implacável  aos  submarinos.  Mr.  Churchill  calculou  que  de  dois  a  quatro  submarinos tinham  sido  destruídos  cada  semana.  Isto,  disse  ele,  "era  uma  soma  superior  à  que  esperávamos  da  potência alemã  em  substituir  os  seus  submarinos  e  respectivos  capitães  e  tripulações  treinadas...  Ao  receber informações  de  que  a  Alemanha,  durante  o  ano  de  1940,  terá  um  total  de  400  submarinos  em  serviço  e  de que  eles  estão  fabricando  esses  barcos  pelo  sistema  de  produção  em  série,  fico  a  pensar  se  eles  estão preparando  capitães  e  tripulações  para  os  submarinos  com  um  método  similar."  Sua  declaração  de  que  144 prisioneiros  arrebanhados  em  submarinos  estavam  na  Inglaterra,  pode  ser  comparada  com  a  situação  do  fim de  1916,  quando  180  prisioneiros  representaram  uma  perda  de  46  submarinos  alemães.  Nessa  base,  a Alemanha,  ao  fim  da  primeira  semana  de  dezembro  de  1939,  deve  ter  perdido  36  submarinos  ou  mais  da metade  de  sua  frota  de  pré-guerra.  Além  disso,  a  Grã~  Bretanha,  pelos  fins  de  dezembro,  anunciou  a  intenção de  colocar  uma  barragem  de  minas  protetoras  de  800  km.  de  comprimento  e  50  a  70  km.  de  largura  ao  longo de  sua  costa  oriental.

Mas  além  dos  submarinos,  das  minas  e  dos  bombardeiros,  havia  uma  ameaça  cuja  eliminação  era  tarefa  da marinha.  Esta  consistia  nos  navios  mercantes  armados  em  guerra.  Lembranças  dos  estragos  causados  pelo Emden  durante  a  última  guerra  tornaram  a  Grã-Bretanha  particularmente  vigilante  em  relação  a  esse  perigo. Ele  poderia  provir  de  navios  mercantes  alemães  armados,  tais  como  o  Windhuk,  que  escapuliu  do  porto  de Lobite  na  África  Ocidental  Portuguesa  a  17  de  novembro.  Ou  poderia  vir  de  navios  de  guerra  alemães capazes  de  livrar-se  das  patrulhas  britânicas,  e  particularmente  dos  três  couraçados  de  bolso  cuja  combinação de  velocidade  e  capacidade  ofensiva  tornavam-nos  particularmente  adequados  a  reides  contra  a  navegação comercial.

Tornou-se  cedo  evidente  que  pelo  menos  dois  navios  estavam  ao  largo  empenhados  exatamente  nessa atividade.  A  2  de  outubro  um  cargueiro  britânico,  o  Clement,  foi  afundado  por  um  corsário  ao  largo  da  costa brasileira.  A  9  de  outubro,  o  Deutschland,  que    tinha  afundado  o  cargueiro  britânico  Stonegate,  revelou  sua presença  no  Atlântico  norte  pela  captura  do  cargueiro  americano  City  of  Flint  -  começando  assim  um episódio  misto  de  drama  e  comédia  que  findou  quando  o  navio,  tentando  alcançar  a  Alemanha,  procedente  de Murmansk  via  costa  norueguesa,  foi  levado  ilegalmente  ao  porto  de  Haugesund  pela  tripulação  alemã  de presa,  e  conseqüentemente  apreendido  pelas  autoridades  norueguesas  e  entregue  aos  seus  proprietários americanos.  Seis  semanas  depois,  ao  largo  da  costa  meridional  da  Islândia,  o  Deutschland,  em  companhia  de um  vaso  de  guerra  alemão  de  tipo  mais  leve,  topou  com  o  navio  mercante  armado  Rawalpindi,  que  foi  posto a  pique  depois  de  uma  luta  heróica,  mas  sem  esperança  contra  forças  superiores.  Com  a  aproximação  de  um cruzador  britânico,  o  Deutschtand  desapareceu  nos  nevoeiros  setentrionais;  e  se  ele  efetuou  outras depredações  quaisquer,  estas  não  foram  reveladas  ao  mundo.

Estava  claro  então  que  também  um  segundo  corsário  estava  em  atividade.  O  afundamento  do  Clement  a  2  de outubro  abriu  um  caminho  que  conduziu  através  do  Atlântico  sul  até  Moçambique,  onde  o  African  Shell  foi capturado  a  15  de  novembro  por  um  navio  mais  ou  menos  identificado  como  sendo  o  Admiral  Scheer.  Então o  caminho  voltou-se  para  a  América  do  Sul,  onde  teve  um  fim  a  13  de  dezembro.

Nessa  data  o  corsário,  então  pela  primeira  vez  identificado  como  sendo  o  Admiral  Graf  Spee,  estava navegando  rumo  sul  ao  longo  da  costa  uruguaia  quando  avistou  o  vapor  francês  Formose  escoltado  pelo cruzador  britânico  Exeter,  de  10.000  toneladas.  O  comandante  alemão,  capitão  Langsdorff,  imediatamente ofereceu  batalha.  Mas  as  probabilidades  a  seu  favor  ficaram  reduzidas  quando  os  dois  cruzadores  leves,  Ajax e  Achilles,  acorreram  rapidamente  ao  chamado  do  Exeter  para  tomar  parte  no  combate.

Mesmo  assim,  o  capitão  alemão  deve  ter  tido  razões  para  achar  que  o  seu  navio  era  superior  à  força combinada  dos  seus  adversários.  Seus  armamentos  mais  pesados  eram  os  seis  canhões  de  205  mm  do  Exeter.

Os  dois  cruzadores  leves  dispunham  apenas  de  canhões  de  150  mm.  O  Graf  Spee  tinha  duas  torres  cada  uma das  quais  com  três  canhões  de  279  mm,  cujo  alcance  era  três  mil  metros  maior  que  o  de  qualquer  canhão  do Exeter  e  cinco  mil  metros  maior  que  o  dos  canhões  do  Ajax  e  do  Achilles.  Seus  projéteis  eram  de  300  kg., comparados  com  as  de  124  kg.  que  eram  os  projéteis  mais  pesados  do  Exeter.  Tanto  em  alcance  como  em capacidade  de  ofensiva,  o  navio  alemão  era  definitivamente  superior.

Do  que  ele  carecia  era  velocidade.  Seus  25  nós  eram  suficientes  para  um  navio  tão  pesadamente  armado;  mas os  cruzadores  britânicos  tinham  uma  velocidade  de  32  nós,  que  usaram  com  brilhante  vantagem.  A  batalha iniciou-se  às  seis  horas  "numa  bela  manhã  com  mar  amplo"  (como  a  descreveu  mais  tarde  o  comandante  do Ajax);  e  quando  os  navios  britânicos  com  a  sua  velocidade  superior  colocaram-se  entre  o  Graf  Spee  e  o  Alto mar,  o  comandante  alemão  não  teve  oportunidade  de  evitar  a  batalha  mesmo  que  assim  o  quisesse.

Nas  primeiras  fases  do  encontro  foi  o  Exeter  que  levou  a  pior.  Os  cruzadores  mais  leves  levaram  algum tempo  para  chegar  ao  alcance  de  tiro,  e  isto  permitiu  ao  Graf  Spee  concentrar-se  contra  o  seu  adversário  mais formidável.  Nas  quatro  horas  seguintes,  suas  granadas  pesadas  fizeram  entre  40  e  50  impactos  no  Exeter, danificando  sua  roda  de  leme  e  pondo  fora  de  ação  seus  canhões  mais  pesados.  Pelas  10  horas  da  manhã, com  apenas  um  de  seus  canhões  de  203  mm.  disparando,  e  este  mesmo  manejado  à  mão,  o  Exeter  estava praticamente  forçado  a  ficar  fora  de  qualquer  intervenção  efetiva  na  batalha.

A  esse  tempo,  entretanto,  tanto  o  Ajax  como  o  Achilles  estavam  em  luta  e  se  aproximando  rapidamente  do Graf  Spee...  O  Ajax  movia-se  entre  o  navio  alemão  e  a  costa,  ficando  o  Achilles  ao  outro  lado,  e  os  canhões de  150  mm.  dos  dois  cruzadores  martelavam  com  ferocidade  no  decorrer  de  uma  batalha  móvel  rumo  ao  sul. Os  cruzadores  britânicos  fizeram  uso  eficaz  de  cortinas  de  fumaça  para  cobrir  seus  movimentos  e  de  sua velocidade  para  manobrar  sobre  o  Graf  Spee  e  forçá-lo  a  dividir  seu  fogo.  Pelo  meio  da  tarde  o  Graf  Spee encontrava-se  numa  situação  séria,  com  a  popa  danificada  e  a  torre  de  controle  destruída,  e  com  tantos feridos  entre  a  sua  tripulação  que  sua  capacidade  de  luta  estava  seriamente  diminuída.  Mas,  embora  tentasse escapar,  o  Exeter  avariado  ainda  o  perseguia,  cortando-lhe  a  retirada  rumo  norte,  e  os  dois  cruzadores  leves utilizavam-se  agora  das  cortinas  de  fumaça  para  mais  se  aproximar  do  Graf  Spee  e  martelar-lhe  os  costados de  uma  distância  de  fogo  incrivelmente  pequena.  Os  impactos  que  eles  colocaram  na  proa  justamente  acima da  linha  d'água  fizeram  enormes  estragos  e  asseguraram  a  vitória  britânica.  Um  impacto  no  Ajax,  que  lhe deixou  em  ação  apenas  duas  de  suas  quatro  torres,  deu  ao  Graf  Spee  uma  trégua  muito  necessária  e  a chegada  da  escuridão  permitiu-lhe  escapar  para  procurar,  a  toda  velocidade,  segurança  neutra  em Montevidéu.  Quando  à  meia-noite  ele  avistou  pela  primeira  vez  os  contornos  do  porto,  estava  reduzido  a  um navio  completamente  derrotado.

A  fase  seguinte  foi  uma  batalha  diplomática  em  torno  do  tempo  que  ele  tinha  o  direito  de  permanecer naquele  porto.  A  Alemanha  clamou  para  que  lhe  fosse  dado  tempo  de  refazer-se.  A  Grã-Bretanha  insistiu  em que  não  lhe  fosse  permitido  fazer  reparos.  Depois  de  proceder  a  uma  investigação,  as  autoridades  uruguaias ordenaram  ao  capitão  Langsdorff,  apesar  dos  seus  protestos,  partisse  às  8  horas  da  noite  de  domingo  de  17  de dezembro.  É  claro  que  isto  não  permitiria  ao  Graf  Spee  recobrar  sua  capacidade  combativa;  e  havia  informes de  que  seus  recentes  adversários,  que  o  aguardavam  vigilantes  na  embocadura  do  Rio  da  Prata,  tinham  sido grandemente  reforçados  por  unidades  ainda  mais  poderosas.  Parecia  uma  alternativa  entre  enfrentar  a  derrota em  face  de  forças  superiores  ou  submeter-se  ao  internamento  pelo  resto  da  guerra.  Cumprindo  ordens  diretas do  governo  alemão,  o  capitão  Langsdorff  optou  por  uma  terceira  solução.  As  6,30  da  noite  do  dia  17  levou seu  navio  para  fora  do  porto,  desembarcou  a  tripulação,  e  meteu-o  a  pique  nos  baixios  distantes  três  milhas da  costa.  Três  dias  depois,  o  capitão  Langsdorff  suicidou-se  em  Buenos  Aires,  onde  ele  e  a  maioria  de  sua tripulação  tinham  encontrado  refúgio.

Este  fim  ignominioso  de  uma  belonave  antes  tão  altiva  acentuou  ainda  mais  a  importância  vital  de  todo  o episódio.  Foi  mais  tarde  sublinhado  pela  revelação  de  que  o  único  reforço  à  esquadra  britânica  tinha  sido  o cruzador  pesado  Cumberland,  que  substituiu  o  Exeter  avariado.  O  Graf  Spee  não  teria  a  enfrentar  força alguma  superior  que  a  que  antes  se  encontrara.  O  fato  era,  contudo,  que  essa  mesma  força  lhe  tinha  sido demasiada.  Antes  da  batalha  do  Rio  da  Prata  era  crença  geral  que  apenas  os  mais  novos  cruzadores  de batalha  poderiam  enfrentar  os  couraçados  de  bolso.  Agora  ficou  demonstrado  que  navios  bem  menores,  mas de  maior  velocidade,  lidando  com  perícia  e  ousadia  acima  de  todos  os  louvores,  tinham  podido  enfrentar decididamente  o  orgulho  da  frota  alemã.  O  mito  do  couraçado  tinha  sido  destruído  logo  na  primeira  prova.

A  guerra  econômica  e  os  neutros:

Nenhum  desses  esforços  navais,  naturalmente,  representou  um  fim  em  si  próprio.  Atrás  da  luta  nos  mares ocultava-se  a  firme  vontade  de  cada  lado  de  preservar  sua  própria  vida  econômica  e  de  arruinar  a  do antagonista.  Nessa  frente  econômica  realizava-se  uma  luta  vital  e  possivelmente  decisiva  em  que  todo  o poderio  dos  beligerantes  estava  empenhado.

A  primeira  tarefa  de  cada  nação  era  a  de  assegurar  os  suprimentos  essenciais  à  sua  vida  nacional  e capacidade  bélica.  Isto  significava  não  apenas  assegurar  suas  necessidades  primárias  por  meio  da importação;  significava  também  acesso  continuado  aos  mercados  de  exportação,  através  dos  quais  as importações  pudessem  ser  pagas.  Hitler,  antes  da  guerra,  tinha  descrito  a  Alemanha  como  uma  nação  que tinha  que  exportar  ou  morrer.  Para  a  Grã-Bretanha,  e  numa  extensão  bem  menor  da  França,  tal  necessidade também  era  vital.  Na  guerra  como  na  paz,  disse  Mr.  Chamberlain  a  20  de  setembro,  "nossas  vidas  dependem da  corrente  ininterrupta  de  comércio,  e  é  nossa  política  fundamental  preservar,  o  mais  possível,  as  condições do  comércio  normal".

O  corolário  inevitável  disto  foi  um  esforço  por  todos  os  meios  possíveis  para  interromper  o  comércio  do inimigo.  Mr.  Chamberlain  descreveu  o  objetivo  britânico  como  sendo  o  de  desorganizar  a  estrutura econômica  alemã  tornando-lhe  impossível  a  condução  da  guerra.  Objetivo  idêntico  era  visado  pela  Alemanha em  relação  à  Inglaterra.  As  armas  germânicas  eram  o  submarino  e  o  corsário  comercial,  juntamente  com  a pressão  diplomática  sobre  vizinhos  neutros  subjugados,  afinal,  pela  ameaça  de  uma  invasão  armada.  As armas  aliadas  eram  o  bloqueio  submarino  da  Alemanha  e  uma  diplomacia  apoiada  pelo  poderio  econômico.

Está  claro  que  para  um  ataque  assim,  e  ainda  mais  para  a  defesa  essencial,  o  controle  do  mar  era  muito  mais vital  para  os  aliados  do  que  para  a  Alemanha.  A  Inglaterra  em  particular  era  altamente  vulnerável  a  um bloqueio  eficaz.  Dependia  ela  da  importação  de  75%  de  seus  gêneros  alimentícios  e  da  quase  totalidade  de suas  matérias-primas  industriais,  exceção  feita  ao  carvão  e  ao  minério  de  ferro.  A  França  também,  embora em  matéria  de  alimentação  fosse  praticamente  auto-suficiente,  tinha  de  trazer  de  fora  suas  matérias-primas essenciais.  Com  o  controle  do  mar,  entretanto,  quase  todas  as  suas  necessidades  poderiam  ser  satisfeitas pelos  países  marginais  da  costa  Atlântica.  A  Alemanha  sob  tais  circunstâncias  ficaria  impedida  de  manter contacto  direto  com  esses  países;  e  para  a  obtenção  de  um  terço  das  matérias-primas  que  normalmente importava,  ela  tinha  que  depender  antes  de  tudo  de  seus  vizinhos  do  continente.

Nessa  guerra  econômica,  portanto,  as  nações  neutras  ocuparam  uma  posição  de  importância  vital.  Mesmo antes  da  irrupção  de  hostilidades  armadas  elas  tinham  sido  o  teatro  principal  da  guerra  não  declarada.  Essa luta  cresceu  agora  de  intensidade;  e  fora  dos  campos  de  batalha  propriamente  dito,  os  neutros  ofereciam passagem  para  um  ataque  econômico  de  flanco,  por  meio  do  qual  poderia  ser  dado  um  golpe  capaz  de  ser final  e  decisivo.

Os  neutros  ocidentais  estavam  conseqüentemente  sob  forte  pressão  diplomática  de  ambos  os  lados  logo desde  o  começo.  A  Suécia  era  particularmente  importante  para  os  alemães  em  virtude  do  seu  minério  de ferro  que  fornecia  41%  das  importações  alemães  desse  gênero.  A  Holanda  e  a  Bélgica,  embora  de  menor significação  como  fontes  de  suprimento,  eram  importantes  como  possíveis  canais  através  dos  quais  material de  fora  poderia  infiltrar-se  na  Alemanha.  Mas,  os  esforços  alemães  pareciam  obter  sucesso  relativamente pequeno.  A  14  de  novembro,  suas  conversações  com  a  Suécia  sofreram  interrupção,  segundo  parecia,  porque a  Alemanha  exigia  praticamente  o  monopólio  do  comércio  sueco.  A  27  de  dezembro,  em  contraste,  a  Grã- Bretanha  foi  capaz  de  concluir  um  acordo  que  prometia  atrair  a  Suécia  à  órbita  comercial  aliada.  Seguiram- se-lhe  acordos  com  a  Islândia  e  a  Bélgica.  e  pelo  fim  do  ano  havia  boas  perspectivas  de  relações  satisfatórias entre  os  aliados  e  os  neutros  da  Europa  ocidental.

Na  Europa  oriental  a  situação  era  algo  mais  complexa.  Tratava-se  de  uma  área  em  que  o  comércio  alemão tinha  realizado  um  avanço  dominador  nos  anos  que  precederam  a  guerra,  e  a  qual  poderia  fornecer  algo como  20%  da  importação  normal  da  Alemanha.  Mas,  a  base  desse  comércio  indicou  um  aspecto  vulnerável da  economia  alemã.  Este  era  a  carência  de  fundos  líquidos  para  o  livre  comércio  exterior.  Sua  reserva  oficial em  ouro,  cerca  de  77  milhões  de  marcos,  estava  bem  abaixo  de  1%  de  sua  circulação  fiduciária.  Suas inversões  no  estrangeiro,  em  contraste  com  as  de  1914,  eram  negligenciáveis.  As  reservas  de  ouro  e  câmbio estrangeiro  de  todas  as  fontes  podiam  perfazer  um  total  de  dois  bilhões  de  marcos,  mas  mesmo  isto  pagaria apenas  um  terço  das  importações  alemães  em  1938.  Em  conseqüência,  seu  comércio  exterior  tinha  sido construído  predominantemente  sobre  uma  base  bilateral  de  trocas;  e  em  vista  das  exigências  da  economia  de guerra,  parecia  duvidoso  que  a  Alemanha  pudesse  realizar  as  exportações  de  mercadorias  necessárias  ao pagamento  das  importações  de  que  ela  tanto  precisava.

Neste  particular,  os  aliados  estavam  numa  posição  muito  mais  flexível.  Antes  da  guerra,  pouco  mais  que 1,5°/o  do  seu  comércio  era  feito  com  a  Europa  sul  oriental.  Mas,  para  o  caso  de  excluir  a  Alemanha  daquela área,  os  aliados  tinham  grande  vantagem  de  serem  capazes  de  pagar  à  vista.  Os  estoques  de  ouro  da  Grã- Bretanha  perfaziam  560  milhões  de  libras  esterlinas  e  suas  inversões  no  exterior  eram  estimadas  em 1.172.000.000  de  libras  esterlinas.  A  França  tinha  reservas  de  ouro  no  valor  de  1.702.000.000  de  dólares  e haveres  no  estrangeiro  entre  90  e  180  bilhões  de  francos.

Este  era  o  potencial  econômico  que  os  aliados  utilizaram  para  atrair  os  neutros  não  expostos  à  pressão  de bloqueio.  "Temos  contratos  consolidados"  -  disse  o  Ministro  da  Guerra  Econômica  da  Grã-Bretanha  -  "de uma  espécie  que,  em  tempos  de  paz,  faria  estremecer  os  sóbrios  homens  de  negócios."  Comprava-se  de países  com  que  os  aliados  em  tempo  de  paz  tinham  pouco  ou  nenhum  negócio,  mas  dos  quais  a  Alemanha poderia  obter  produtos  essenciais.  Eram  pagos  preços  mais  altos  do  que  o  necessário  para  a  compra  desses mesmos  produtos  em  outra  parte.  A  Turquia,  que  se  recusara  a  renovar  seu  tratado  comercial  com  o  Reich quando  esse  expirou  no  fim  de  agosto,  foi  recompensada  com  um  empréstimo  substancial  e  compras  aliadas de  todo  o  seu  estoque  de  cromo,  figos  e  uvas.  O  cobre  da  Iugoslávia,  que  normalmente  ia  para  a  Alemanha, foi  atraído  para  os  aliados,  que  também  lhe  compraram  toda  a  safra  de  ameixa  exportável.  Em  torno  da Romênia  travava-se  intensa  luta.  Em  março,  a  Alemanha  firmou  um  acordo  que  colocou  à  sua  disposição grande  parte  dos  recursos  da  Romênia,  especialmente  petróleo  de  que  ela  tão  desesperadamente  necessitava. Após  o  rebentar  da  guerra,  foram  entabuladas  negociações  no  sentido  de  aumentar  a  exportação  de  petróleo romeno  para  o  Reich  e  da  obtenção  de  uma  taxa  mais  favorável  de  câmbio.  No  dia  20  de  dezembro  foi anunciado  que  a  Romênia  tinha  concordado  em  elevar  suas  exportações  de  petróleo  para  a  Alemanha  a  um mínimo  de  130.000  toneladas  mensais  sobre  as  80.000  toneladas  que  tinham  prevalecido  desde  o rompimento  da  guerra,  e  a  acelerar  a  entrega  de  outras  260.000  toneladas,  que  seriam  objeto  de  acordo prévio.  A  taxa  de  câmbio  de  40  lei  para  o  marco,  que  a  Alemanha  desejava  fosse  elevada  a  60,  foi  em verdade  elevada  a  49.  Dois  dias  mais  tarde,  entretanto,  sob  pressão  aliada,  essa  taxa  foi  reduzida  a  44,75  para o  que  dissesse  respeito  a  todas  as  exportações  importantes,  com  exceção  do  feijão  soja.  Era  claro  que  mesmo neste  caso  a  pressão  financeira  aliada  não  era  de  modo  algum  negligenciável.  A  importância  de  suas  reservas em  caixa  foi  indicada  pelas  estatísticas  do  comércio  britânico  no  mês  de  dezembro,  as  quais  mostravam  uma importação  de  86  milhões  de  libras  esterlinas  contra  uma  exportação  de  42  milhões  de  libras  esterlinas. Somente  enérgicas  medidas  financeiras  puderam  fazer  com  que  uma  balança  comercial  tão  adversa  pudesse ser  conscienciosamente  equilibrada  por  esses  métodos  de  guerra  econômica.

No  caso  dos  países  que  careciam  de  comunicações  diretas  com  a  Alemanha,  o  progresso  foi  menos dispendioso.  Na  América  do  Sul,  onde  o  cumprimento  pela  Alemanha  de  seus  acordos  de  troca  não  mais  era possível,  os  aliados  tinham  possibilidades  de  insistir  na  obtenção  de  termos  favoráveis.  O  significado  disto foi  ilustrado  por  uma  circular  endereçada  pelo  Departamento  Argentino  de  Controle  Cambial  aos importadores  e  homens  de  negócios  a  20  de  novembro,  acentuando  que  o  volume  das  vendas  aos  aliados dependeria  do  montante  que  estes  comprassem  da  Argentina.  No  caso  da  Espanha,  a  interrupção  das  ligações comerciais  estabelecidas  com  a  Alemanha  pelo  governo  de  Franco,  e  a  necessidade  desesperadora  que  este tinha  de  câmbio  estrangeiro,  fizeram  com  que  a  Espanha  entrasse  em  acordo  sobre  a  venda  de  minério  de cobre  e  de  ferro  aos  aliados.  Mas,  de  todos  esses  fatos,  o  de  importância  mais  vital  foi  a  mudança  dos  termos da  Lei  de  Neutralidade  adotada  pelos  Estados  Unidos.

A  lei  original  foi  adotada  como  resolução  em  1935,  tomando  em  1937  a  forma  de  medida  permanente.  Seu primeiro  objetivo  foi  evitar  que  os  Estados  Unidos  ficassem  envolvidos  numa  guerra,  em  conseqüência  de compromissos  econômicos.  Com  este  propósito,  a  lei  proibia  a  venda  de  munições  ou  a  concessão  de empréstimos  a  beligerantes.  Mas,  era  natural  que  nisso  houvesse  também  um  desejo  de  continuar  o  comércio de  modo  tão  extenso  quanto  possível,  sem  arriscar-se  a  uma  guerra.  E  quando  a  crise  na  Europa  se  revelou, tornou-se  claro  que  o  sentimento  do  povo  americano  orientava-se  de  modo  crescente  em  favor  dos  aliados  e ansioso  por  não  se  ver  envolvido  na  luta  -  sentimento  ardentemente  compartilhado  pela  administração Roosevelt.

Quando  a  guerra  rebentou,  portanto,  o  presidente  primeiro  aplicou  a  lei  existente  por  uma  proclamação  a  5  de setembro,  e  depois  convocou  uma  sessão  especial  do  Congresso  para  o  dia  21  de  setembro  a  fim  de  serem discutidas  emendas  à  lei,  especialmente  a  supressão  do  embargo  absoluto  de  armas.  A  nova  lei,  conforme  foi aprovada  a  4  de  novembro,  provocou  uma  diferença  fundamental  no  projeto  aliado  para  a  obtenção  de suprimentos  americanos.  Ao  invés  da  proibição,  foi  adotado  o  princípio  do  cash  and  carry  com  respeito  a vendas  aos  beligerantes.  Nenhum  armamento  lhes  poderia  ser  levado  por  navios  americanos  e  todos  os títulos  referentes  a  mercadorias  exportadas  aos  beligerantes  tinham  que  ser  transferidos  antes  que  essas mercadorias  deixassem  o  território  americano.  A  interdição  dos  empréstimos  a  beligerantes  foi  mantida;  mas foi  possível  então  aos  aliados,  por  meio  de  um  uso  cuidadoso  de  seus  recursos  em  numerário,  chamar  para seu  lado  a  capacidade  produtiva  da  indústria  americana.  Embora  os  navios  americanos  estivessem  proibidos de  entrar  na  zona  de  guerra,  e  assim  não  fossem  de  utilidade  para  os  aliados,  havia  ao  menos  a  compensação de  que  essa  mesma  decisão  teria  a  probabilidade  de  evitar,  para  os  americanos,  quaisquer  prejuízos importantes,  conseqüentes  do  bloqueio  aliado.

 A  eficácia  do  bloqueio  foi  uma  das  lições  mais  edificantes  da  última  guerra.  Mal  rebentou  a  nova conflagração,  foram  postos  em  execução  planos  destinados  a  reviver  e  fortalecer  os  métodos  que  então tinham  sido  utilizados.  O  Ministério  da  Guerra  Econômica  foi  instituído  na  Grã-Bretanha  sob  a  chefia  de  Mr. Ronald  Cross.  A  lista  de  contrabando  absoluto  emitida  pelo  ministério  incluiu  não  apenas  armas  e  munições mas  também  combustíveis,  máquinas  de  transporte  e  animais,  artigos  de  comunicação  e  "moedas,  metais preciosos  em  barras,  dinheiro  corrente,  provas  de  débito".  O  contrabando  condicional,  que  poderia  ser aplicado  se  assim  o  desejasse  o  governo  alemão  ou  suas  forças  armadas,  compreendia  "toda  a  sorte  de gêneros  alimentícios  preparados  ou  não,  forragens,  vestuário  e  artigos  e  materiais  usados  para  a  sua produção."  A  8  de  setembro,  cinco  portos  de  controle  de  Kirkwall  a  Haifa,  foram  instituídos;  neles  os  navios deveriam  ser  revistados.  Outros  portos  de  controle  seriam  mais  tarde  acrescentados  a  esse  número.  A  1 o  de dezembro  esta  medida  foi  reforçada  pelo  sistema  de  navicert  -  revista  nos  portos  neutros  das  cargas  de exportação  e  a  emissão  de  certificados  àqueles  que  estivessem  sujeitos  à  denominação  de  contrabando, certificados  esses  que  lhes  facilitariam  a  passagem  pelo  controle.

O  efeito  disso  tudo  foi  extremamente  amplo.  Mesmo  os  países  danubianos  sentiram-no  de  modo  prático.  A rota  normal  do  comércio  da  Hungria  e  da  Romênia  ia  através  do  mar  Negro  e  do  Mediterrâneo  aos  portos alemães  do  norte.  Agora,  a  Alemanha  era  forçada  a  tentar  desenvolver  a  montante  do  Danúbio  acima;  e quando  o  gelo  fechou  o  rio,  no  começo  de  dezembro,  os  alemães  ficaram  na  dependência  do  transporte  por estrada  de  ferro,  o  qual  parecia  completamente  inadequado  às  suas  necessidades  de  importação  de  matérias provenientes  da  Europa  sul-oriental.  De  um  modo  similar,  grande  proporção  do  minério  de  ferro  sueco  era normalmente  exportada  através  do  porto  norueguês  de  Narvick  sobre  o  Mar  do  Norte.  Uma  parte  seguia  no verão  através  de  Lulea  sobre  o  Báltico.  Mas  este  porto  estava  fechado  ao  tráfego  marítimo  durante  os  meses hibernais.  Mais  ainda,  o  poder  inglês  de  efetivar  o  bloqueio,  com  o  seu  escopo  de  provocar  danos  e retardamentos  onerosos,  forneceu-lhe  uma  poderosa  arma  contra  qualquer  desejo  dos  neutros  de  agir  como intermediários  a  favor  da  Alemanha.  Desde  o  começo,  os  neutros  foram  praticamente  racionados  às  suas cotas  de  importação  normais,  e  uma  aquiescência  a  isto  foi  um  dos  aspectos  do  tratado  sueco, indubitavelmente  modelo  para  outros.  Sua  eficácia  é  revelada  por  cifras:  durante  o  primeiro  mês  da  guerra,  a Grã-Bretanha  capturou  150.000  toneladas  mais  de  navios  mercantes  alemães  do  que  perdeu  em  conseqüência de  ataques  submarinos.  Ao  fim  do  ano,  os  aliados  calcularam  terem  tomado  aproximadamente  um  milhão  de toneladas,  relativo  a  10%  de  toda  a  importação  anual  da  Alemanha.  E,  além  disso,  entre  400  e  500  navios  da frota  alemã  ficaram  imobilizados  em  portos  espalhados  por  todo  o  mundo;  pois,  embora  ocasionalmente algum  navio  escapulisse,  -  como  é  o  caso  da  saga  do  Bremen,  que  chegou  à  Alemanha  procedente  de  Nova Iorque,  via  Murmansk  -  os  acontecimentos  mais  comuns  eram  como  os  do  Cap  Norte,  apreendido  em  alto mar,  o  de  Columbus,  afundado  pela  própria  tripulação  afim  de  evitar  a  captura,  e  do  Tacoma,  internado  em Montevidéu.  As  importações  alemães  do  exterior  estavam  sendo  reduzidas  a  quase  nada  -  e  a  Alemanha,  que já  tinha  reduzido  as  importações  para  quase  o  mínimo,  pouco  podia  fazer  para  minorar  os  efeitos  do bloqueio.

Depois  das  importações,  as  exportações.  Tendo  cortado  as  primeiras,  os  aliados  procuraram  estrangular  estas, a  fim  de  evitar  que  a  Alemanha  pagasse  por  importações  tais  como  as  que  realizara.  A  21  de  novembro  foi anunciado  que  em  represália  à  colocação  ilegal  e  indiscriminada  de  minas  efetuada  pela  Alemanha,  os aliados  resolveram  capturar  todas  as  exportações  alemãs  onde  quer  que  as  encontrassem.  Seguiram-se  a  isto vigorosos  protestos  da  maioria  das  nações  neutras,  mas  elas  não  conseguiram  revogar  a  decisão.  A  27  de novembro,  o  rei  Jorge  firmou  a  necessária  ordem  do  Conselho  e  a  4  de  dezembro  a  medida  foi  posta  em prática.

Havia,  contudo,  um  neutro  importante  não  atingido  por  todas  essas  medidas  -  uma  potência  cujas  novas relações  com  a  Alemanha  tornavam-se  o  grande  ponto  de  interrogação  no  quadro  diplomático  e  econômico  e talvez  mesmo  no  militar.  Essa  nação  era  a  União  Soviética.

O  avanço  da  Rússia:

Desde  a  data  do  pacto  de  não-agressão,  a  Alemanha  procurou  dar  ao  mundo  a  impressão  de  que  suas  novas relações  com  a  Rússia  eram  tão  estreitas  que  seriam  capazes  de  conduzir  a  quase  uma  aliança  militar.  Cada novo  acontecimento  foi  apresentado  como  um  passo  para  mais  perto  da  cooperação  completa.  O  tratado  de 29  de  setembro,  com  a  sua  promessa  de  conjugar  esforços  em  favor  da  paz  e  de  promover  consultas  mútuas se  estes  esforços  falhassem,  foi  apresentado  como  um  prenúncio  da  entrada  da  Rússia  na  guerra.  E  as cláusulas  que  prometiam  uma  troca  de  matérias-primas  russas  por  produtos  industriais  alemães  numa  escala que  traria  a  troca  de  mercadorias  ao  nível  máximo  obtido  no  passado,  pareciam  indicar  uma  reviravolta completa  das  anteriores  relações  econômicas.

Os  verdadeiros  fatos,  entretanto,  não  estavam  inteiramente  em  harmonia  com  tais  concepções.  A  falência  da oferta  de  paz  de  Hitler,  conquanto  tenha  provocado  uma  nova  diatribe  do  Sr.  Molotov  contra  os  aliados,  fez com  que  a  Rússia  manifestasse  o  firme  desejo  de  manter  sua  neutralidade.  A  troca  de  produtos,  apesar  de uma  promessa  a  9  de  outubro  de  que  começaria  imediatamente,  deixou  de  desenvolver-se  em  grau apreciável.

Quanto  às  armas  russas,  ficou  logo  claro  que  elas  não  tinham  outra  utilidade  senão  a  de  serem  logo  postas  ao serviço  do  Reich.

A  verdade  era  que  a  Rússia  pensou  tirar  vantagem  da  única  posição  em  que  a  guerra  a  colocara.  Nunca  desde a  Revolução  tinha  estado  ela  tão  livre  do  receio  de  um  ataque  imediato.  A  conclusão  de  um  armistício  com  o Japão  a  16  de  setembro  reforçou  essa  liberdade.  Mas    havia  ainda  o  receio  de  que  um  ataque  acabaria  por ser  dirigido  contra  ela  de  parte  das  potências  capitalistas.  Sua  determinação  era  tirar  vantagem  do  presente para  reforçar  sua  posição  contra  essa  eventualidade,  e  particularmente  consolidar  seus  flancos  enquanto  a Alemanha  mantinha  o  centro  ocupado.

Seus  esforços  no  flanco  meridional  não  foram,  em  absoluto,  coroados  de  êxito.  Tratava-se    da  Turquia, com  a  qual  a  Rússia  iniciara  negociações  a  22  de  setembro.  Conquanto  nenhum  detalhe  preciso  tenha  sido revelado,  parecia  que  os  objetivos  da  Rússia  eram  o  fechamento  dos  Estreitos  contra  potências  externas,  e  a criação  de  um  bloco  balcânico  que  realizaria  um  ajuste  as  espensas  da  Romênia.  De  qualquer  modo,  os turcos  recusaram-se  a  aceitar  as  exigências  russas.  Embora  as  negociações  tenham  finalizado  a  17  de  outubro com  protestos  mútuos  de  amizade  contínua,  o  máximo  assegurado  foi  afastar  a  Rússia  dos  efeitos  da  aliança anglo-turca  firmada  dois  dias  depois.  E  a  ameaça  de  uma  penetração  russa  ergueu  tanto  a  Itália  como  as nações  balcânicas  para  a  exploração,  em  seu  próprio  favor,  da  possibilidade  de  um  pacto  defensivo.  Embora no  momento  o  problema  da  Romênia  omitisse  de  qualquer  acordo,  era  claro  que  qualquer  ameaça  direta  por parte  da  Rússia  encontraria  séria  resistência.

Na  frente  setentrional,  em  contraste,  o  avanço  russo  foi  espetacular.  Ministros  dos  Estados  Bálticos  foram convocados  a  Moscou  para  negociações.  Foram,  ouviram  e  concordaram.  Um  tratado  com  a  Estônia  a  29  de setembro,  promovendo  a  assistência  mútua,  deu  aos  Sovietes  direitos  a  guarnições  militares  e  bases  navais  e aéreas  em  solo  estoniano.  Este  serviu  de  modelo  para  os  tratados  concluídos  com  a  Letônia  a  5  de  outubro  e com  a  Lituânia  a  10  de  outubro,  o  último  dos  quais  devolveu  à  Lituânia  o  distrito  de  Vilna    muito desejado.  Esses  tratados  tornaram  a  influência  russa  suprema  numa  esfera  que  sempre  tinha  sido  considerada de  influência  alemã;  e  para  demonstrar  isto,  o  Reich,  a  7  de  outubro,  convidou  todos  os  cidadãos  de  origem alemã  residentes  nesses  países  a  retornarem  à  Alemanha,  com  a  intenção  anunciada  de  estabelecê-los  nos distritos  recém-anexados  da  Polônia.  Estava  claro  que  Stalin  estava  disposto  a  não  ter  nas  mãos  problema nenhum  relativo  a  minorias  alemães  molestadas.

O  próximo  na  lista  era  a  Finlândia;  e  aqui  o  avanço  veloz  e  sem  obstáculos  da  Rússia  topou  com dificuldades.  A  9  de  outubro  foram  iniciadas  as  negociações  numa  atmosfera  que  mostrou  que  o  governo finlandês  estava  pelo  menos  encarando  a  possibilidade  de  resistência.  Nos  dois  dias  seguintes  os  habitantes das  cidades  mais  expostas  foram  avisados  de  que  deviam  evacuá-las  como  medida  de  precaução.  No  dia  14, a  Finlândia  anunciou  que  qualquer  espécie  de  aliança  estava  fora  de  questão.  As  negociações,  suspensas  de uma  vez,  foram  definitivamente  rompidas  a  13  de  novembro.  Foi  revelado  que  as  exigências  russas  se referiam  principalmente  à  segurança  de  Leningrado  e  do  golfo  da  Finlândia.  Para  esta  finalidade,  eles pediram  certas  ilhas  no  golfo  e  uma  base  naval  à  entrada  de  Hangoe;  a  cessão  de  um  território  no  istmo  de Carélia  que  removeria  a  fronteira  finlandesa  bem  para  fora  do  alcance  de  artilharia  contra  Leningrado;  e  um ajuste  da  fronteira  na  região  de  Petsamo.  A  Rússia,  de  sua  parte,  estava  pronta  a  ceder  5.500  km²  ao  longo  da parte  média  da  fronteira.  Os  finlandeses  queriam  uma  nova  discussão  em  torno  da  cessão  da  ilha  de  Hogland e  estavam  irremovíveis  na  recusa  de  emprestar  ou  vender  o  porto  de  Hangoe,  o  que,  asseguraram,  seria inconsistente  com  a  sua  política  de  neutralidade.

 Pareceu  por  um  momento  que  a  Rússia  estivesse  disposta  a  contemporizar  na  crença  de  que  os  finlandeses acabariam  finalmente  por  chegar  a  um  acordo.  Mas,  na  última  semana  de  novembro,  esta  atitude  mudou abruptamente,  e  uma  campanha  de  injúrias  foi  lançada  subitamente  contra  o  governo  finlandês.  A  26  de novembro,  a  Rússia  protestou  contra  um  pretenso  incidente  fronteiriço  de  tiroteios.  A  28,  a  Rússia  denunciou seu  pacto  de  não-agressão  com  a  Finlândia.  Uma  oferta  finlandesa  de  negociações  não  foi  tomada  em consideração  e  no  dia  30  as  tropas  soviéticas  invadiram  a  Finlândia.

O  resultado  foi  uma  explosão  mundial  de  indignação.    tinha  havido  expressões  diretas  de  simpatia  tanto  da parte  do  presidente  Roosevelt  como  dos  soberanos  escandinavos,  que  se  tinham  reunido  em  conferência  a  18 de  outubro.  A  Suécia  a  3  de  dezembro  atuou  como  intermediária  na  apresentação  a  Moscou  de  uma  nova oferta  finlandesa;  mas  a  Rússia  tinha  organizado  um  governo  finlandês  próprio  em  Terijoki  dois  dias  antes,  e ignorou  a  nova  medida.  Mas,  a  2  de  dezembro  a  Finlândia  deu  um  novo  passo  tendente  a  obter  apoio, apelando  para  a  Liga  das  Nações  baseada  nos  artigos  11  e  15.

A  Liga  agiu  com  uma  prontidão  algo  inusitada.  Quando  um  apelo  inicial  viu-se  à  frente  da  asserção  russa  de que  ela  não  estava  em  guerra  com  a  Finlândia,  o  Conselho  foi  convocado  para  9  de  dezembro  e  a  Assembléia para  11  do  mesmo  mês.  Quando  a  Rússia  não  levou  em  consideração  outro  apelo  para  aceitar  a  mediação  da Liga,  estes  organismos  adotaram  uma  resolução  condenando  a  URSS  como  agressora  e  estabelecendo  que ela  se  colocara  fora  da  Liga  das  Nações.  Apelaram  em  seguida  para  os  seus  membros  no  sentido  de  que emprestassem  à  Finlândia  toda  a  assistência  dentro  de  suas  possibilidades.

Tornou-se  em  breve  evidente  que,  embora  fosse  dada  certa  assistência  por  meio  de  movimentos  voluntários  e suprimentos,  nenhum  país  estava  ainda  preparado  para  efetuar  uma  ação  militar  direta  em  favor  da  Finlândia. Mas,  enquanto  aguardavam  a  ajuda  dos  outros,  os  finlandeses  mostraram-se  extremamente  dispostos  a defender-se  a  si  mesmos.

A  invasão  russa  deu-se  em  cinco  pontos  principais.  Ao  norte,  o  porto  de  Petsamo  foi  capturado  e  uma expedição  mandada  rumo  sul.  Ao  mesmo  tempo,  uma  segunda  expedição  encaminhou-se  para  a  extremidade do  golfo  de  Bothnia,  via  Sala,  e  uma  terceira  procurou  penetrar  a  "cintura"  da  Finlândia  em  torno  de Suomussalmi.  O  objetivo  principal  dessas  forças,  comparativamente  pequenas  em  número,  era  a  estrada  de ferro  que  circundava  a  extremidade  do  golfo  de  Bothnia  e  ligava  a  Finlândia  com  a  Suécia.

Mas,  o  esforço  principal  teve  lugar  no  sul.  No  istmo  de  Carélia,  as  posições  fortificadas  finlandesas  -  a  linha Mannerheim  -  opuseram  formidável  obstáculo  a  um  ataque  direto.  Os  russos  de  momento  contentaram-se com  um  ataque  de  fixação  nesta  zona,  e  procuraram  flanquear  as  defesas  finlandesas  com  o  lançamento  de seu  principal  avanço  em  duas  colunas  em  torno  do  norte  do  lago  Ladoga.

Todas  essas  colunas  tiveram  um  certo  êxito  inicial,  que  incluiu  a  captura  de  Petsamo  e  um  avanço  além  de Salla  até  o  rio  Kemi.  Pelo  fim  do  ano,  entretanto,  nenhuma    das  cinco  colunas  isoladas  conseguiu  alcançar seu  objetivo  essencial.  As  tropas  utilizadas  nas  primeiras  fases  eram  em  muitos  casos  de  qualidade  inferior. Havia  uma  incrível  falta  de  coordenação  entre  os  diversos  comandos.  No  caso  das  comunicações  e abastecimentos,  os  russos  dependeram  da  única  e  não  muito  adequada  rota  da  estrada  de  ferro  de  Murmansk. Os  finlandeses,  que  tinham  a  vantagem  de  lutar  em  linhas  interiores,  possuíam  também  uma  rede  de  estradas de  ferro  da  qual  podiam  dispor  tanto  para  abastecimentos  como  para  reforços,  e  demonstraram  uma qualidade  de  organização  incomparavelmente  melhor  que  a  dos  russos.  Foram  capazes  de  barrar  as  colunas envolventes  ao  norte  do  lago  Ladoga  e  depois  mandar  forças  para  o  norte  a  fim  de  infligir  novos  reveses  aos russos  em  Sala  e  Suomussalmi.  Pelo  fim  de  dezembro,  a  desordenada  máquina  militar  russa  parecia temporariamente  paralisada;  e  o  prestígio  tanto  militar  como  moral  da  União  Soviética  estava  ameaçado  de sofrer  severamente,  a  menos  que  esses  reveses  fossem  rápida  e  eficazmente  compensados.

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