domingo, 6 de agosto de 2023

Segunda Guerra Mundial - 1939 Inverno de Sangue Na Finlândia

 

Guerra  da  Finlândia
Inverno  de  sangue

Dezembro  de  1939.  Enquanto  a  Alemanha  e  os  Aliados  -  França  e  Inglaterra  -  se  pegavam  ainda  meio friamente  na  Europa  Ocidental,  no  Extremo  Norte  tinha  início  um  espetáculo  “lateral”  impressionante.  Por 105  dias  o  mundo  assistiu,  supresso  e  comovido,  à  Finlândia,  com  seus  3  milhões  de  habitantes,  resistir  à Rússia  invasora,  com  seus  110  milhões  de  habitantes  e  com  todos  os  seus  recursos  de  país  de  dimensões continentais

Vitória  para  Golias:

Depois  que  a  Rússia,  Estados  Unidos  e  a  Inglaterra  se  uniram  na  luta  contra  a  Alemanha  de  Hitler,  tornou-se moda,  nos  Estados  Unidos  e  Inglaterra,  encarar  o  líder  russo  como  uma  figura  burlesca.  Ele  era  representado como  chefe  benfazejo  do  estado-operário  soviético,  defendendo-se  contra  a  traição  e  a  agressão  de  seus  ex- aliados,  os  nazistas.  Os  críticos  transformaram  um  Stalin  de  aparência  sombria  e  grossos  bigodes  num cavalheiro  idoso  e  amável,  enquanto  que  os  elementos  de  publicidade  preferiram  tê-lo  como  uma  espécie  de déspota  bonachão,  lealmente  apoiado  pela  nação  russa.  Seria  necessária  a  considerável  experiência  das táticas  da  guerra-fria  dos  russos  nos  anos  após  a  Segunda  Guerra,  para  que  a  imagem  de  tempo  de  guerra  do ditador  soviético  fosse  substituída,  no  Ocidente,  por  uma  avaliação  mais  realista  do  seu  caráter.  Assim  é  o poder  da  imprensa.

O  povo  finlandês,  entretanto,  jamais  teve  ilusões  dessa  natureza;  para  ele,  Stalin  não  passava  de  uma autêntica  dublagem  de  Adolf  Hitler,  e  de  apresentação  consideravelmente  mais  brutal  que  a  de  Mussolini, embora  este,  em  seus  requintes  de  maldade,  tentasse  criar  um  novo  Império  Romano  utilizando-se  de  aviões e  gás  venenoso  contra  os  membros  das  tribos  etíopes  que  tinham  como  armas  apenas  fuzis.  Os  finlandeses, em  sua  recusa  na  entrega  de  terras  aos  russos  e  não  permitindo  a  construção  de  bases  soviéticas  em  seu território,  tinham  plena  consciência  dos  riscos  que  corriam  assumindo  tal  atitude,  mas  consideravam qualquer  tipo  de  concessão  como  uma  perda  de  soberania  zelosamente  mantida  desde  a  assinatura  do  Tratado de  Tartu,  em  1920,  pelo  qual  o  Kremlin  reconheceu  oficialmente  a  independência  da  Finlândia.

Infelizmente,  como  parte  do  Pacto  Nazi-Soviético  de  Não-Agressão  de  1939,  a  Alemanha  concordara  que  a Finlândia  devia  ser  incluída  na  esfera  de  influência  soviética,  juntamente  com  a  Estônia,  a  Letônia  e  a Lituânia,  que,  sendo  limítrofes  com  a  Rússia  e  agora  destituídas  de  apoio  que  a  inimizade  entre  alemães  e russos  lhes  dera  anteriormente  -  não  tiveram  outro  recurso  senão  concordarem  com  as  exigências  russas  de estabelecer  bases  militares  em  seus  territórios.  Mas  os  finlandeses,  menos  acessíveis  a  Moscou  e historicamente  mais  inclinada  para  a  independência,  ignoraram  os  pontos  de  vista  de  Paasikivi,  seu representante  nas  negociações  fino-soviéticas,  e  do  Marechal  de  campo  Mannerheim,  designado  seu Comandante-chefe,    fizeram  concessões  simbólicas,  que  Stalin  decididamente  não  aceitara.

Uma  grande  potência,  tendo  suas  injunções  prementes  frustradas  por  uma  potência  inferior,  raramente recorre  logo  à  ação  militar.  Ela  prefere  procurar,  ou  forjar,  um  “incidente”,  que  possa  proclamar  ter  sido agredida,  para  então  reagir  com  todo  o  seu  poderio  bélico.  Foi  esta  a  tática  empregada  por  Stalin.  Molotov, inconformado  com  a  obstinada  atitude  finlandesa  em  sua  recusa  às  propostas  russas,    preparara  o  palco perguntando:  “É  sua  intenção  provocar  um  conflito?”.  E  a  26  de  novembro  alguns  soldados  russos  foram mortos  por  fogo  de  artilharia  e  o  fato  passou  a  ser  conhecido  como  o  incidente  de  Mainila;  era  inevitável  que os  finlandeses  fossem  acusados.  A  28  de  novembro,  o  governo  russo  denunciou  o  Pacto  Fino-soviético  de Não-agressão  e,  nos  dias  subsequentes,  rompeu  as  relações  diplomáticas  com  a  Finlândia  e  montou  um ataque  em  larga  escala  contra  aquela  nação.

Não  podia  haver  dúvidas  quanto  ao  resultado  desse  tipo  de  guerra  entre  uma  nação  de  4  milhões  de habitantes  e  um  colosso  de  180  milhões,  e  o  fim  veio  com  o  Tratado  de  Moscou,  assinado  a  13  de  março  de 1940.  Mas  durante  105  dias  momentosos,  desde  o  começo  de  novembro  de  1939  até  a  assinatura  do  tratado, uma  força  finlandesa  deploravelmente  pequena  humilhou  o  poderoso  Exército  Vermelho  antes  de  ceder diante  do  simples  peso  dos  números.

Foi  nessa  campanha  que  os  russos,    acostumados  com  o  rigoroso  inverno  que  sempre  lhes  foi  favorável  em outras  épocas,  se  sentiram  superados.  Seus  adversários,  os  finlandeses,  aproveitando-se  das  vantagens advindas  do  terreno  que  tão  bem  conheciam,  movimentavam-se  sobre  esquis,  envergando  trajes  brancos  que se  confundiam  com  a  neve,  para  hostilizar  e  exterminar  os  russos,  que  se  limitavam  ao  movimento  em estradas.  Colunas  soviéticas  eram  divididas  e  exterminadas  uma  a  uma.  Em  Suomussalmi,  os  finlandeses, com  uma  força  relativamente  pequena,  derrotaram  duas  divisões  russas  completas,  conseguindo  com  isso uma  vitória  clássica  e  de  proporções  heróicas.

Mas  no  fim,  empenhando  na  campanha  cerca  de  1.200.000  homens,  1.500  tanques  e  3.000  aviões,  os  russos inevitavelmente  forçaram  a  decisão  que  tanto  desejavam.  A  luta  assumira  proporções  inesperadas  e  se constituiu  realmente  num  combate  entre  um  Davi  e  um  Golias.  Finalmente,  Golias  acabou  vencendo,  porque, nesta  batalha,  Davi  não  tinha  nenhum  recurso  bélico  excepcional,  para  compensar  sua  relativa  fraqueza  -  mas o  conflito  veio  provar  o  quanto  pode  ser  feito  ao  se  pôr  em  jogo  coragem,  determinação  e  bom  planejamento. Ele  mostrou  que  uma  força  pequena,  sabendo  tirar  partido  plenamente  de  todas  as  vantagens  naturais,  pode infligir  a  um  adversário  danos  totalmente  desproporcionais  aos  seus  recursos  militares.

“As  cestas  de  pão  de  Molotov”:

O  resultado  da  destruição  do  estado  polonês  pelos  alemães  viu  as  potências  do  Eixo  e  Aliadas  confrontando- se,  mas  com  ambos  os  lados  militarmente  inativos  quando  a  “guerra  falsa”  se  abateu  sobre  a  Europa. Enquanto  o  mundo  via  aproximar-se  a  movimentação  na  Frente  Ocidental,  no  extremo  norte  desenvolviam- se  acontecimentos  que  proporcionariam  uma  diversão  inesperada  vinda  do  principal  teatro  de  operações.  Ali, durante  105  dias  (de    de  dezembro  de  1939  a  13  de  março  de  1940),  um  mundo  atônito  e  simpatizante testemunhou  uma  luta  empolgante  quando  a  Finlândia,  nação  de  cerca  de  4  milhões  de  habitantes,  travou uma  guerra  unilateral  contra  180  milhões  da  União  Soviética  (URSS).  Como  e  por  que  ocorreu  a  Guerra  de Inverno,  é  uma  história  tão  fascinante  quanto  as  próprias  batalhas,  pois  ela  reúne  em  si  a  natureza  bizantina da  política  do  Kremlin,  o  oportunismo  cínico  de  Hitler  e  a  tentativa  dos  finlandeses  de  evitar  o  papel  que  lhe haviam  atribuído  na  divisão  germano-soviética  da  Europa  Oriental.

A  cessão  da  Finlândia  para  a  esfera  soviética  de  interesse  pelo  Acordo  Molotov-Ribbentrop  de  23  de  agosto de  1939,  era  um  papel  sobre  qual  os  finlandeses  não  foram  consultados  nem  estavam  dispostos  a  aceitar.  O povo  e  seus  líderes  não  ignoravam  que  pretendiam  usar  a  Finlândia  como  amortecedor  para  a  URSS,  pois durante  toda  a  sua  história  ela  fora  destacada  para  esse  papel.  Aliás,  a  questão  estava  sendo  discutida  entre Helsinque  e  Moscou  desde  abril  de  1938.  A  experiência  histórica  e  aquelas  primeiras  discussões prenunciaram  todos  os  acontecimentos  posteriores  que  culminaram  com  a  Guerra  de  Inverno.

Em  1917,  quando  a  Finlândia  declarou  sua  independência  da  Rússia,  a  6  de  dezembro,  os  finlandeses iniciaram  uma  luta  interna,  para  decidir  qual  seria  o  regime  do  novo  estado  -  marxista  ou  capitalista.  Depois de  uma  guerra  civil  feroz  e  brutal,  em  que  os  alemães  e  bolchevistas  participaram,  os  “Brancos”,  sob  a liderança  de  C.G.  Mannerheim,  saíram  vitoriosos.  Com  o  Tratado  de  Tartu  (Dorpat),  em  1920,  o  Kremlin reconhecera  definitivamente  a  independência  e  a  soberania  da  Finlândia.  O  tratado  também  demarcava  as fronteiras  entre  os  dois  estados:  a  Finlândia  concordava  que  a  Carélia  Oriental  e  as  duas  províncias fronteiriças  de  Repola  e  Porajarvi  deveriam  pertencer  à  Rússia,  para  assegurar  a  defesa  militar  de Leningrado;  por  sua  vez,  os  russos  concordavam  que  a  Carélia  Ocidental  e  o  porto  de  Petsamo,  situado  no Ártico  e  que  os  gelos  não  fechavam,  pertenceriam  à  Finlândia;  por  último,  certas  ilhas  pertencentes  à Finlândia  e  situadas  no  Golfo  da  Finlândia  foram  consideradas  neutras.  Mais  tarde,  em  1932  e  novamente  e, 1934,  Helsinque  e  Moscou  fizeram  acordos  de  não-agressão,  ratificando  o  Tratado  de  Tartu  e  criando  uma Comissão  de  Conciliação  “para  a  solução  amigável...  de  litígios  de  qualquer  natureza”.  O  prazo  desses acordos  expiraria  em  1945.

Confiando  nestes  tratados  e  na  política  de  neutralidade  que  enunciara,  de  acordo  com  os  outros  estados escandinavos,  a  Finlândia  acreditava  estar  a  salvo  das  maquinações  das  grandes  potências.  Infelizmente, havia  um  fator  negativo  em  suas  esperanças  -  a  posição  geográfica  de  seu  país.  À  medida  que  as  tensões internacionais  aumentavam  durante  o  fim  dos  anos  30,  a  URSS  abandonava  rapidamente  o  isolamento  em que  a  Revolução  e  os  acontecimentos  posteriores  a  deixaram  e  voltava  a  tomar  parte  ativa  nos  assuntos internacionais.  Crises  e  mais  crises  se  sucediam,  e  apesar  disso  o  poderio  da  URSS  também  aumentava  no âmbito  internacional.

De  início,  o  Kremlin  começou  a  exercer  interação  com  os  pequenos  estados  das  suas  fronteiras  ocidentais  e  a pressioná-los;  a  Finlândia  foi  um  dos  primeiros  a  sentir  os  efeitos  do  renovado  vigor  da  política  externa russa.  Em  abril  de  1938,  o  Segundo-Secretário  de  Legação  Soviética  em  Helsinque,  Boris  Yartsev,  telefonou ao  Ministro  das  Relações  Exteriores,  Rudolf  Holsti,  solicitando  uma  entrevista.  Desconfiando  de  que  o assunto  em  questão  deveria  ser  de  certa  importância,  sendo    notório  que  Yartsev  era  membro  da  Policia Secreta  Soviética,  Holsti  ignorou  o  protocolo  diplomático  e  logo  concordou  em  recebê-lo.  Na  reunião,  a  15 de  abril,  Moscou  informou  ao  governo  finlandês  que  temia  não    que  a  Finlândia  fosse  vítima  da  agressão nazista  como  também  que  usassem  seu  território  como  a  âncora  setentrional  de  uma  invasão  alemã  da  URSS. Se  tal  coisa  acontecesse,  Holsti  foi  advertido  para  que  os  finlandeses  resistissem  ativamente  a  tal  agressão, pois  do  contrário  os  russos  avançariam  para  travar  combates  aos  alemães  no  próprio  território  finlandês. Entretanto,  caso  os  finlandeses  resistissem  aos  alemães,  a  Rússia  estaria  preparada  para  prestar  o  máximo  de assistência  econômica  e  militar  e  retirar  o  Exército  Vermelho,  assim  que  a  guerra  terminasse.  Yartsev também  impôs  segredo  à  reunião,  chegando  a  ocultar  as  conversações  até  ao  Ministro  soviético  em Helsinque.

Assim,  teve  inicio  uma  série  de  discussões  que  durou  quase  um  ano,  trazendo  as  público  as  apreensões  e intenções  soviéticas.  Desde  o  inicio,  Yartsev  falou  em  termos  vagos  sobre  a  Finlândia  garantir  não  estar  ao lado  da  Alemanha  numa  guerra  contra  a  URSS,  mas  se  recusou  repetidamente  a  definir  suas  verdadeiras intenções.  Mesmo  depois  de  ter  iniciado  conversações  com  o  Primeiro  Ministro  A.K.  Cajander  e  com  o Ministro  das  Finanças  Vaino  Tanner,  ele  não  foi  mais  explícito  do  que  fora  com  Holsti.  Contudo,  realmente empenhou-se  em  tornar  a  proposta  russa  mais  aceitável  e  até  ofereceu  um  tratado  comercial  vantajoso  para  a Finlândia,  em  troca  de  um  acordo  político  dirigido  contra  a  Alemanha.

Como  não  havia  meios  de  descobrir  os  termos  exatos  da  proposta  soviética,  as  discussões  se  arrastaram monotonamente  durante  o  verão  e  outono  de  1938.  A  minuta  de  um  tratado  finlandês  declarava  que  o  país continuaria  fiel  à  política  de  neutralidade  e  que  não  permitiria  violação  de  seu  território  nem  seu  uso  por qualquer  grande  potência  que  pretendesse  atacar  a  URSS,  desde  que  lhe  fosse  dado  fortificar  as  ilhas  Aland como  salvaguarda  da  sua  neutralidade,  mas  o  Kremlin  preferiu  ignorar  os  termos  dessa  minuta.  Uma contraproposta  soviética  a  18  de  agosto  sugeria  que  a  Finlândia  simplesmente  fizesse  um  acordo  por  escrito de  que  ela  resistiria  a  qualquer  agressão  alemã  e  recorreria  ao  auxílio  da  Rússia,  em  caso  de  necessidade. Assim,  a  “ajuda”  russa  não  acarretava  obrigatoriamente  o  estacionamento  de  forças  vermelhas  na  Finlândia. Em  vez  disso,  este  país  adquiriria  armas  à  Rússia  e  concordaria  com  a  construção  de  uma  base  aérea soviética  em  Suursaari  (Hogland)  no  Golfo  da  Finlândia.  Em  troca,  a  Rússia  estava  preparada  para  permitir que  a  Finlândia  fortificasse  as  ilhas  Aland  com  ajuda,  supervisão  e  controle  parcial  soviéticos  e  a  assinar  um tratado,  garantindo  a  integridade  e  a  soberania  territoriais  finlandesas  e,  com  estes,  além  disso,  a  Rússia  faria um  acordo  comercial  que  lhes  fosse  favorável.

Numa  sessão  plenária  do  governo  finlandês,  decidiu-se  rejeitar  a  proposta  soviética,  alegando,  como  disse Cajander,  que  “a  proposta  tende  a  violar  a  soberania  da  Finlândia  e  está  em  conflito  com  a  política  de neutralidade  que  a  nação  adota  em  comum  com  as  nações  da  Escandinávia”.  Apesar  do  fato  de  que  esta  não era  praticamente  a  resposta  desejada,  a  URSS  na  época  preferiu  não  insistir  no  assunto.  Vários  meses  se passaram  sem  que  nenhum  dos  lados  tentasse  novas  propostas.  Usando  como  pretexto  a  inauguração  do  novo prédio  da  Legação  Finlandesa  em  Moscou,  em  dezembro,  como  meio  de  favorecer  as  negociações  entre  os dois  países  e  ocasionar  algum  tipo  de  acordo,  nem  assim  a  situação  modificou-se,  pois  ambos  os  lados recusaram-se  a  fazer  concessões  além  das  que    haviam  sido  feitas.

Nos  primeiros  meses  de  1939,  as  relações  fino-russas  nada  haviam  melhorado;  ao  contrário,  estavam  até  um tanto  abaladas.  O  Kremlin  recusou-se  a  fazer  acordos  comerciais,  enquanto  as  questões  politicas  e  militares não  se  definissem,  e  os  finlandeses  negavam-se  a  violar  sua  neutralidade  e  soberania.  Em  março,  Moscou propôs  que  algumas  ilhas  no  Golfo  da  Finlândia,  tornadas  neutras  por  insistência  da  Rússia  em  1920,  fossem arrendadas  à  URSS  como  postos  de  observação.  Diante  da  recusa  dos  finlandeses,  sugeriu-se  que  as  ilhas fossem  cedidas  à  URSS  em  troca  de  umas  terras  na  Carélia  Oriental  ao  norte  do  Lago  Ladoga.  O  governo finlandês  recusou  mais  essa  proposta  soviética,  por  várias  e  boas  razões:  primeiro,  constitucionalmente  o território  finlandês    poderia  ser  cedido  por  uma  votação  majoritária  de  5/6  na  Dieta,  mas  a  representação do  caso  para  debate  naquele  organismo  anularia  o  sigilo  que  envolvia  as  discussões  por  insistência  soviética; segundo,  qualquer  governo  que  fizesse  tais  tipos  de  concessões  cometeria  suicídio  político;  terceiro,  se  a Finlândia  cedesse  às  imposições  soviéticas,  nada  impediria  que  a  Alemanha  fizesse  idênticas  exigências. Como  resultado  da  atitude  assumida  pela  Finlândia,  as  discussões  foram  interrompidas  mais  uma  vez  e  até mesmo  as  negociações  comerciais  foram  canceladas.

Em  fins  de  abril,  a  Alemanha  entrou  na  arena  oferecendo  um  Pacto  de  Não-Agressão  aos  finlandeses  e  aos outros  estados  escandinavos.  A  Finlândia,  bem  como  a  Suécia  e  a  Noruega,  recusaram  a  oferta  como  uma violação  da  neutralidade  e  da  orientação  escandinava.  Contudo,  para  o  Marechal  Mannerheim,  esta  rejeição finlandesa  de  ofertas  das  duas  grandes  potenciais  em  nome  da  neutralidade  não  era  uma  boa  política,  pois, segundo  ele,  servia  apenas  para  piorar  as  relações  com  as  duas,  e  de  maneira  alguma  garantia  a  segurança  da Finlândia.

De  qualquer  modo,  o  governo  finlandês  continuou  insistindo  em  sua  precária  política  de  neutralidade  numa atmosfera  internacional  cada  vez  mais  grave.  Primeiro  houve  o  Anschluss  austríaco  e  depois  a  reunião  de Munique  para  desmembrar  a  Checoslováquia,  em  1938,  uma  reunião  para  a  qual  a  Rússia,  aliada  dos tchecos,  não  foi  convidada.  Contudo,  com  a  subsequente  ocupação  alemã  daquele  estado  e  do  Distrito  de Memel,  a  Rússia  de  repente  surgiu  como  o  elemento-chave  para  a  manutenção  do  equilíbrio  internacional.  Já não  confiando  na  Finlândia,  a  URSS  principiou  a  capitalizar  sobre  a  sua  nova  posição  para  assegurar  um acordo  com  a  Inglaterra  e  com  a  França  ou  com  a  Alemanha,  que  reconhecesse  os  estados  dos  Báltico  e  a Finlândia  como  estando  dentro  da  esfera  soviética  de  influência.

Em  março,  os  ingleses  e  franceses  encetaram  negociações  com  o  governo  soviético  no  intuito  de  conter  o avanço  dos  alemães,  e  os  líderes  do  Kremlin  concentraram-se  nessas  negociações  como  sendo  a  grande oportunidade  que  tanto  esperavam  para  que  os  países  ocidentais  reconhecessem  o  seu  direito  de  garantir ajuda  dos  estados  do  Báltico  e  a  Finlândia,  se  houvesse  um  ataque  contra  aquelas  nações.  Seria  incluída nesse  acordo  a  cláusula  de  ajuda  em  caso  de  “agressão  indireta”,  isto  é,  de  adoção  de  uma  atitude  pró-alemã por  parte  de  qualquer  governo  que  usufruísse  daquelas  garantias.

Quando  os  rumores  sobre  esta  cláusula  vieram  a  público,  a  Finlândia  sentiu  um  calafrio  de  apreensão  e resolveu  agir.  Apoiado  pela  Suécia,  o  governo  finlandês  protestou  veementemente  em  Londres  e  Paris logrando  conseguir  dos  aliados  a  declaração  de  que  qualquer  proposta  que  viesse  a  incluir  a  Finlândia  era inaceitável.  Por  este  e  vários  outros  motivos  as  discussões  anglo-franco-russas,  embora  prosseguissem  verão adentro,  estavam  fadadas  ao  fracasso.

Entrementes,  em  abril,  os  russos  deram  inicio  com  a  Alemanha  a  negociações  comerciais  que  logo  passaram para  a  esfera  política.  Absolutamente  isento  de  qualquer  sensibilidade  moral  ou  jurídica,  o  governo  do  Reich não  tinha  escrúpulo  algum  em  designar  quaisquer  dos  seu  vizinhos  para  a  esfera  soviética  de  influência, inclusive  a  Finlândia.  No  tocante  a  Berlim,  não  havia  nenhum  conflito  de  interesses  nazi-soviéticos  na  região do  Báltico.  Assim,  a  23  de  agosto,  Joachim  von  Ribbentrop  voou  para  Moscou  para  consolidar  o  pacto  de não-agressão  com  Molotov.  No  decorrer  das  cerimônias,  proclamou-se  uma  nova  era  das  relações  nazi- soviéticas,  e  apesar  das  vigorosas  negativas  por  parte  da  Alemanha  e  da  Rússia,  a  Finlândia  fora  incluída  na esfera  soviética  de  influência.  Ela  em  breve  viria  a  cobrir  o  verdadeiro  significado  dessa  demarcação.

A  maneira  como  Hitler  usou  o  Pacto  Ribbebtrop-Molotov  para  defender  sua  invasão  da  Polônia  a    de setembro  e  como  a  URSS,  depois  de  alardear,  em  princípio,  sua  neutralidade,  lançou-se,  todavia,  contra  os prostrados  poloneses  no  dia  17  daquele  mês,  alegando  que  a  guerra  revelara  a  “bancarrota  do  estado polonês”,  são  fatos  do  conhecimento  de  todo  o  mundo.  Esta  quarta  divisão  da  Polônia  abriu  caminho  para  o completo  domínio  soviético  dos  estados  bálticos  e  da  Finlândia.  Primeiro  a  Estônia,  a  28  de  setembro;  depois a  Letônia,  a  5  de  outubro,  e  a  Lituânia  no  dia  11,  alinharam-se  e  cederam  às  exigências  soviéticas  para estabelecer  bases  militares  em  seu  território.  Nesse  meio  tempo,  veio  a  vez  da  Finlândia,  no  dia  5,  quando Molotov  pediu  ao  Ministro  das  Relações  Exteriores  finlandês,  Elias  Erkko,  que  fosse  a  Moscou  para  discutir “certas  questões  relevantes  de  natureza  política”.  Como  até  o  dia  8  o  governo  finlandês  ainda  não  tinha  dado resposta  alguma,  Derevyanski  visitou  Erkko  a  fim  de  lhe  incutir  a  necessidade  de  se  apressar,  observando que  a  Finlândia  não  estava  tratando  da  questão  como  os  outros  estados  Bálticos  haviam  feito.  Erkko retorquiu:  “Desconheço  a  maneira  como  os  estados  Bálticos  foram  convidados  a  ir  a  Moscou;  a  Finlândia tem  tratado  da  questão  como  um  assunto  normal  e  da  maneira  igualmente  normal”.  É  obvio  que  a  Finlândia não  estava  inclinada  a  capitular  ante  a  pressão  soviética.

Decidiu-se  que  J.K.  Paasikivi,  enviado  finlandês  em  Estocolmo,  deveria  dirigir  a  delegação  finlandesa  a Moscou,  pois,  segundo  a  opinião  geral,  o  lugar  de  Erkko  era  junto  ao  governo.  Supondo  que  as  “questões relevantes”  do  Kremlin  girariam  em  torno  das  discussões  anteriores  e  do  tipo  de  exigência  recentemente aceito  pelos  estados  do  Báltico,  o  governo  finlandês  instruiu  Paasikivi  a  salientar  que  a  política  de neutralidade  da  Finlândia,  seu  pequeno  tamanho,  o  Tratado  de  Tartu  e  o  Pacto  de  Não-Agressão  com  a  URSS militavam  contra  a  possibilidade  de  ela  se  tornar  uma  ameaça  para  a  URSS.  Quaisquer  concessões  territoriais deveriam  ser  rejeitadas,  assim  como  o  estabelecimento  de  bases  militares  soviéticas  em  território  finlandês ou  nas  ilhas  de  Aland  e  quaisquer  outros  ajustes  territoriais  no  istmo  da  Carélia.  Somente  sob  extrema pressão  é  que  Paasikivi  concederia  algumas  ilhas  pequenas  no  Golfo  da  Finlândia,  mas  não  Suursaari. Quaisquer  que  fossem  as  concessões,  elas  deveriam  ser  recíprocas  e  a  compensação  teria  de  parecer  razoável perante  o  mundo.  Finalmente,  não  se  permitiriam  os  debates  para  um  tratado  de  assistência  mútua.

Assim  catequizada,  a  delegação  finlandesa  partiu  para  Moscou  a  9  de  outubro  e  deu  inicio  às  negociações  no dia  12.  A  Finlândia  viu  seus  temores  tonarem-se  realidade  logo  na  primeira  sessão.  Stalin  exigiu  tudo  que Oaasikivi  fora  proibido  de  discutir:  um  tratado  de  assistência  mútua;  arrendamento  de  uma  base  naval  para estacionar  5.000  soldados  no  cabo  Hango,  na  foz  do  Golgo  da  Finlândia;  a  parte  ocidental  da  Península  dos Pescadores  no  oceano  Ártico;  a  remoção  da  fronteira  fino-soviética  no  istmo  da  Carélia  a  uma  distancia  cerca de  12  km  para  oeste  (perigosamente  próximo  de  Viipuri,  a  segunda  maior  cidade  daquele  país),  e  algumas ilhas  do  Golfo  da  Finlândia,  incluindo  Suursaari.  Ao  todo,  Stalin  queria  nada  menos  que  2.761  km²  de território  desenvolvido,  em  troca  de  5.529  km²  de  terras  brutas  ao  norte  do  lago  Ladoga.  Ele  também  sugeria a  demolição  de  fortificações  de  ambos  os  lados  da  fronteira,  porque  elas  eram  “prejudiciais  às  relações pacíficas”.

Despreparado  para  enfrentar  a  enormidade  das  exigências  soviéticas,  Paasikivi  retornou  à  Helsinque  para receber  novas  instruções.  Ali,  concluiu-se  que  em  nenhuma  circunstância  Hango  deveria  ser  arrendada  à URSS.  Entretanto,  cinco  pequenas  ilhas  poderiam  ser  cedidas  para  compensação,  um  pequeno  ajuste  para oeste  da  fronteira  na  Carélia  poderia  ser  aceito  e  o  Pacto  de  Não-Agressão  de  1932  deveria  ser reconsiderado,  para  declarar  que  nenhuma  das  duas  partes  ajudaria  qualquer  outro  estado  que  viesse  a  atacar uma  das  potências  signatárias.  Se  necessário,  Paasikivi  também  estava  autorizado  a  ceder  a  parte  sul  de Suursaari  e,  se  a  pressão  fosse  muito  forte,  toda  a  ilha,  para  impedir  que  Hango  ficasse  em  perigo.  Com relação  à  Península  dos  Pescadores,  não  se  cederia  em  nada.

Relutante  em  realizar  as  negociações  sem  a  presença  de  um  membro  do  governo,  Paasikivi  acabou retornando  a  Moscou  mas  acompanhado  de  Tanner.  Quando  as  novas  propostas  foram  apresentadas  a  Stalin no  dia  23,  este  as  considerou  inadequadas,  insistiu  que  as  exigências  soviéticas  eram  mínimas  e  não poderiam  ser  reduzidas  por  negociação.  Depois  de  duas  horas  de  discussões  que  a  nada  chegaram,  a  sessão terminou  com  um  diálogo  ríspido  entre  Molotov  e  Paasikivi.  Molotov  perguntou:  “É  sua  intenção  provocar um  conflito?”.  Paasikivi  retrucou:  “Não  queremos  nada  disso,  mas  vocês  parecem  querer”.

Assim  terminaram  as  negociações  e  Paasikivi  e  Tanner  prepararam-se  para  retornar  a  Helsinque,  mas algumas  horas  depois  o  secretário  de  Molotov  apareceu  na  Legação  Finlandesa,  convocando-os  para  outra conferência.  Quando  eles  chegaram  ao  Kremlin,  Stalin  começou  as  discussões  como  se  não  tivesse  havido nenhuma  interrupção  anteriormente.  Ofereceu-se  para  reduzir  o  numero  de  soldados  em  Hango  para  4.000; diminuiu  as  exigências  em  relação  aos  territórios  no  istmo  da  Carélia,  e  aceitar  a  proposta  finlandesa  de extensão  do  Pacto  de  Não-Agressão.  Embora  esta  última  cláusula  fosse  aceitável,  as  duas  outras ultrapassavam  o  que  os  finlandeses  estavam  dispostos  a  conceder;  mesmo  4.000  soldados  em  Hango tornavam  o  densamente  populado  coração  industrial  sujeito  a  ataque  interno,  e  a  mudança  da  fronteira  ainda o  colocaria  perigosamente  próximo  de  Viipuri.  Incapazes  de  comprometer  seu  governo  com  essas  propostas, Paasikivi  e  Tanner  retornaram  a  Helsinque  para  consultas.  Ao  mesmo  tempo,  Tanner  informou-se  perante  o governo  sueco,  se  a  Finlândia  poderia  contar  com  seu  apoio  em  caso  de  guerra.  No  dia  27,  o  Primeiro- Ministro  sueco  Hansson  respondeu  que  seu  país  continuaria  fornecendo  armas,  munição,  equipamento, alimentos  e  apoio  diplomático  à  Finlândia,  e  nada  mais  poderia  fazer,  a  fim  de  evitar  represálias  alemães.

Assim,  não  podendo  contar  senão  com  eles  próprios,  os  finlandeses  partiram  para  a  fase  final  das negociações,  travando  então  acalorada  discussão  no  gabinete  e  com  os  líderes  dos  partidos  na  Dieta,  daí  se firmando  inteira  e  conscientemente  conter  as  propostas  de  Stalin.  Não  se  arrendaria  base  alguma  em  Hango, mas  a  fronteira  poderia  ser  mudada  um  tanto  para  oeste  no  istmo  (porém  muito  menos  do  que  Stalin  exigia); far-se-ia  uma  concessão  quanto  à  parte  ocidental  da  Península  dos  Pescadores,  e  as  pequenas  ilhas  no  Golfo da  Finlândia  entraram  mais  uma  vez  na  oferta.  A  sugestão  de  Stalin  para  que  as  fortificações  em  ambos  os lados  da  fronteira  na  Carélia  fossem  demolidas  também  não  foi  aceita,  alegando-se  que  estas  eram necessárias  apenas  para  defesa  e  preservação  da  neutralidade  finlandesa.

A  caminho  de  Moscou,  Paasikivi  e  Tanner  vieram  a  saber  que  Molotov  revelara  todos  os  detalhes  das negociações  em  seu  discurso  perante  o  Soviete  Supremo  a  31  de  outubro.  Ainda  em  dúvida  sobre  as conseqüências  dessa  publicidade,  os  finlandeses,  não  obstante,  decidiram  prosseguir  viagem  para  Moscou, esperançosos  de  que  as  negociações  ainda  pudessem  chegar  a  um  bom  termo.  Esse  otimismo  um  tanto restrito  resultou  em  decepção,  pois  as  propostas  finlandesas  nem  bem  tinham  sido  apresentadas  foram  logo declaradas  inadequadas,  e  Stalin  declarou  estar  decidido  a  não  fazer  quaisquer  outras  concessões.  Antes  de deixar  o  Kremlin,  Molotov  comentou:  “Nós,  civis,  nada  mais  podemos  fazer  a  respeito;  a  questão  fica entregue  nas  mãos  dos  militares”.  Diante  desta  nota  agourenta,  aos  finlandeses  não  restou  outra  alternativa senão  retornar  à  pátria.

Durante  todo  o  mês  de  novembro  as  coisas  ficaram  mais  ou  menos  calmas,  apesar  de  fluxo  constante  de invectivas  na  imprensa  soviética  contra  a  Finlândia  e  das  repetidas  violações  do  espaço  aéreo  finlandês  por aviões  soviéticos.  Não  obstante,  o  governo  finlandês  ainda  alimentava  uma  certa  esperança,  no  sentido  de que  a  fase  pior    passara  e  os  negócios  com  a  Rússia  melhorariam,  e  as  esperanças  se  fortaleceram  ainda mais,  diante  de  um  relatório,  no  dia  23,  dizendo  que,  segundo  a  opinião  do  embaixador  americano  em Moscou,  a  Rússia  provavelmente,  não  pretendia  atacar  a  Finlândia.

Três  dias  depois  o  incidente  de  Mainila  veio  destruir  fragorosamente  as  ilusões  dos  finlandeses.  Estes,  nos dizeres  de  uma  nota  emitida  por  Molotov,  foram  responsabilizados  pelo  fogo  de  artilharia  contra  a  aldeia  de Mainila,  no  istmo  da  Carélia,  que  causou  a  morte  de  quatro  homens  e  feriu  nove  outros.  A  nota  observava, ainda,  que  uma  advertência  havia  sido  feita  quanto  ao  perigo  de  concentrar  tropas  nas  fronteiras  e  este incidente  nada  mais  era,  que  a  conseqüência  provocada  pela  recusa  finlandesa  em  retirá-las.  Molotov  propôs que  as  tropas  finlandesas  fossem  afastadas  a  uma  distância  de  25  km  da  fronteira,  para  “impedir  toda possibilidade  de  repetição  de  atos  provocadores”.

A  partir  daí,  as  relações  entre  os  dois  estados  se  deterioraram  rapidamente.  Helsinque  refutou  as  acusações que  lhe  fizeram  e  sugeriu  que  somente  soldados  soviéticos  poderiam  ter  disparado  contra  a  aldeia,  embora acidentalmente,  pois  três  guardas-fronteiras  finlandeses  haviam  comunicado  ter  ocorrido  disparos  de artilharia  ao  sul  de  Mainila  naquele  dia.  Aliás,  os  finlandeses  dificilmente  poderiam  ter  tomado  aquela atitude,  pois  Mannerheim  ordenara  a  remoção  de  toda  artilharia  que  estivesse  ao  alcance  da  fronteira,  em meados  de  outubro,  para  evitar  exatamente  essa  possibilidade.  Contudo,  os  finlandeses  declararam-se bastante  dispostos  em  negociar  uma  retirada  mútua  de  tropas  da  fronteira  e  também  sugeriram  uma investigação  conjunta  para  esclarecer  o  incidente.

No  dia  28,  Molotov  recusou  as  propostas  finlandesas,  preferindo  acusar  seu  governo  de  nutrir  “profunda hostilidade”  para  com  a  URSS.  Além  disso,  se  concordassem  com  a  retirada  de  tropas  soviéticas  para  a distancia  sugerida  elas  ficariam  estacionadas  nos  subúrbios  de  Leningrado,  “e  isto  seria  absurdo”.  A  negativa finlandesa  em  recuar  unilateralmente  foi  encarada  como  uma  decisão  ostensiva  de  manter  Leningrado  sob ameaça  direta  por  parte  das  suas  tropas.  Assim  raciocinando,  o  governo  soviético  concluiu  que  a  Finlândia não  estava  mais  obedecendo  ao  Pacto  de  Não-Agressão.  Desse  modo,  Molotov  anunciou,  por  parte  da  URSS, a  renúncia  unilateral  do  pacto.

Sem  se  preocupar  absolutamente  pela  vinda  da  resposta  finlandesa  a  essa  nota,  o  Kremlin  rompeu  relações diplomáticas  com  a  Finlândia,  a  29  de  novembro.  Ainda  fazendo  o  máximo  dos  seus  esforços  para  evitar  a guerra,  os  finlandeses  responderam  de  maneira  conciliatória  à  nota  do  dia  anterior  e  tornaram  a  sugerir  uma investigação  conjunta  visando  a  uma  solução  pacífica  do  litígio,  além  de  concordarem,  também,  na  retirada de  todas  as  unidades,  exceto  as  de  guardas-fronteiras  e  funcionários  aduaneiros,  para  uma  distancia  de Leningrado  o  suficiente  para  não  se  constituir  ameaça  à  aquela  cidade.  Entretanto,  durante  o  dia,  uma  força vermelha  cruzou  a  fronteira  em  Petsamo  e  aprisionou  vários  guardas-fronteiras  finlandeses,  mas  a  resposta cabal  e  verdadeira  dos  soviéticos  veio  no  dia  30,  representada  por  um  ataque  geral  por  terra,  mar  e  ar  contra Finlândia.

Naquela  manhã,  bombardeiros  russos  estacionados  na  Estônia  mergulharam  sobre  Helsinque  e  outras  cidades e  lançaram  suas  cargas  de  bombas.  Segundo  a  rádio  soviética,  os  informes  finlandeses  que  narravam  esse ataques  eram  falsos,  pois  a  força  aérea  russa  apenas  lançara  “pães  para  as  massas  famintas”  de  Helsinque. Daí  por  diante,  os  finlandeses  chamavam  as  bombas  soviéticas  de  “cestos  de  pão  de  Molotov”.  Pondo  de lado  o  senso  de  humor,  a  Finlândia  estava  lutando  pela  sobrevivência.

Os  fatos  desalentadores:

Que  a  Finlândia  conseguisse  resistir  ao  ataque  soviético,  por  menor  que  fosse  o  seu  tempo  de  duração,  não havia  quem  acreditasse  nesse  esforço,  nem  mesmo  os  próprios  finlandeses.  Seu  único  objetivo  era  manter  o invasor  em  xeque,  alimentando  a  esperança  de  que  viesse  ajuda  externa  antes  que  ocorresse  a  catástrofe  ou, salvo  esta  última,  investir  com  tamanha  ferocidade  que  pudesse  forçar  o  agressor  a  concordar  com  o  que  quer que  fosse,  a  bem  de  uma  solução  pacífica.

Desde  a  independência,  os  líderes  militares  finlandeses  concordavam  entre  si  que  o  único  agressor  potencial era  Rússia.  Assim,  os  finlandeses  estavam  psicologicamente  e  defensivamente  preparados  para  enfrentar  a ameaça  do  Leste.  A  força  propulsora  por  trás  desses  preparativos  durante  todo  o  período  entre  as  duas guerras  mundiais  concentrava-se  no  Marechal  Mannerheim.  Embora  estivesse  na  reforma  durante  os  anos  10, ele  mantivera  um  grande  interesse  no  sistema  de  preparação  de  defesa  do  seu  país,  enviando  jovens  e promissores  oficiais  para  estudar  em  escolas  militares  alemães  e  francesas,  ao  mesmo  tempo  que  insistia constantemente  no  seu  ponto  de  vista  que  medidas  defensivas  deveriam  ser  tomadas  na  fronteira  oriental. Quando  assumiu  a  presidência  do  Conselho  Nacional  de  Defesa,  em  1931,  ele  se  incumbiu  de  realizar  seus objetivos  com  a  energia  e  perfeição  que  lhe  eram  características.

Desde  1922  o  serviço  militar  tornou-se  obrigatório,  com  prescrições  de  sete  anos  de  serviço  de  reserva  ativo (Corpo  de  Defesa)  e  24  anos  de  status  de  reserva  inativo  após  um  ano  de  serviço.  O  Corpo  de  Defesa  fora organizado  dentro  do  sistema  de  quadro  pelo  qual  ele  podia  ser  convocado  e  integrado  nas  unidades regulares  para  duplicar  o  seu  tamanho.  Mannerheim  reconhecia  os  perigos  que  acarretaria  a  ineficiência  e  a lentidão  desse  sistema  de  mobilização,  pois  nada  menos  que  duas  semanas,  no  mínimo,  seriam  necessários para  que  as  reservas  chegassem  à  fronteira,  mais  tempo  seria  consumido  na  assimilação  das  novas  forças pelas  unidades  regulares  e  o  procedimento  concentraria  homens,  materiais,  armas  e  suprimentos  nuns  poucos locais,  tornando-os  suscetíveis  a  ataques  aéreos.  Assim,  o  Corpo  de  Defesa  foi  reorganizado  numa  base territorial,  de  modo  que  unidades  completas  poderiam  ser  despachadas  para  a  frente  depois  da  designação  de oficiais  regulares  para  as  organizações  territoriais.  Desde  modo,  o  exército  de  campanha  seria  rapidamente reforçado  antes  que  o  invasor  pudesse  fazer  quaisquer  penetrações  profundas,  através  das  defesas  da fronteira,  os  recursos  da  nação  poderiam  ser  plenamente  organizados  e  se  permitiria  a  mobilização  parcial  ou total,  segundo  as  exigências  do  momento.

Durante  toda  a  década  de  1930,  Mannerheim  insistiu  incessantemente  perante  o  orçamento  da  defesa.  Devido à  crise  financeira  mundial  no  começo  dos  anos  30,  os  argumentos,  em  sua  maioria,  foram  ignorados.  Não obstante,  providências  para  fortalecer  o  istmo  da  Carélia  -  a  porta  para  qualquer  invasão  -  para  adquirir suprimento  e  armas  e  para  treinar  as  forças  armadas,  foram  tomadas  com  energia  e  com  a  utilização inteligente  dos  recursos  disponíveis.  Durante  1931  e  1932,  colocaram-se  100.000  desempregados  no  istmo, construindo  ninho  de  metralhadoras  em  concreto  e  trincheiras  e  armadilhas  antitanques  de  pedra  e  concreto. Durante  o  verão  e  o  outono  de  1939,  outras  fortificações  defensivas  do  mesmo  tipo  foram  construídas  ali  por uma  força  de  trabalho  voluntária  de  estudantes  e  outros  cidadãos  interessados.

O  empecilho  mais  sério  aos  esforços  de  Mannerheim  talvez  estivesse  nas  dotações  destinadas  a  despesas  de capital  para  reposição  do  material.  O  orçamento  foi  reduzido  em  10%  para  1932  e  novamente  para  1933. Como  resultado,  a  expansão  da  fábrica  de  cartuchos  foi  adiada  indefinidamente  e  o  dinheiro  extra  solicitado para  pôr  em  execução  o  sistema  territorial  foi  tirado  da  verba  designada  para  as  reposições  de  material.  Por volta  do  fim  dos  anos  30,  as  coisas  haviam  melhorado  um  pouco  e  a  Dieta  começou  a  cuidar  das necessidades  dos  militares  à  medida  que  o  panorama  internacional  se  tornava  mais  sombrio.  Contudo,  na opinião  de  Mannerheim,  muita  pouca  coisa  fora  feita  em  tempo  suficiente  para  evitar  um  desastre  em  caso  de guerra.  E,  num  sentido,  ele  estava  certo,  pois  se  a  verba  necessária  para  as  defesas  do  país  tivesse  aparecido, a  Finlândia  teria  estado  muito  melhor  preparada  para  enfrentar  a  ameaça  soviética  em  1939  do  que  na realidade  estava.

Assim,  a  guerra  surpreendeu  os  finlandeses  com  a  fábrica  de  cartuchos  ainda  incompleta;  a  defesa  do  istmo da  Carélia,  inadequada  e  em  grande  parte  obsoleta,  apesar  dos  esforços  feitos  em  1939;  uma  força  aérea formada  principalmente  por  aviões  antiquados  e  com  um  exército  regular  de  apenas  33.000  oficiais  e soldados.  Ao  se  dar  a  mobilização,  graças  ao  sistema  territorial  essa  força  poderia  ser  aumentada  para  9 divisões,  ou  127.800  homens,  incluindo  tropas  de  apoio.  Além  disso,  havia  cerca  de  100.000  reservistas  do exército  que  poderiam  ser  convocados  e  outros  100.000  homens  na  Guarda  Cívica  que  se  exercitavam  e faziam  manobras  a  intervalos  regulares  com  o  exército  regular  e  nele  poderiam  ser  integrados.  Ao  todo,  a Finlândia  poderia  contar  com  cerca  de  400.000  homens  no  exército,  Guarda  Cívica,  marinha  e  guarda costeira.  Finalmente,  havia  os  100.000  elementos  da  Lovta  Svard,  o  corpo  auxiliar  feminino  da  Guarda Cívica,  formada  de  cozinheiras,  trabalhadoras  de  lavanderia  e  enfermeiras  treinadas  que,  desse  modo, libertavam  quase  todo  o  potencial  humano  masculino  para  serviço  na  frente  de  batalha.

Mas  o  país  ainda  estava  inadequadamente  preparado  para  a  provação  que  o  aguardava,  como  o  indica  uma comparação  entre  as  forças  finlandesas  e  soviéticas.  Em  1939,  conheciam-se  os  seguintes  fatos:  uma  divisão finlandesa  consistia  de  14.200  homens,  em  comparação  com  os  17.500  para  os  russos;  uma  divisão  soviética contava  com  dois  regimentos  de  artilharia,  cujo  poder  de  fogo  era  três  vezes  maior  que  um  finlandês,  por divisão;  os  russos  possuíam  uma  seção  antitanque,  um  batalhão  blindado  com  40  a  50  tanques,  e  uma companhia  antiaérea  com  cada  divisão,  ao  passo  que  uma  divisão  finlandesa  faltavam  esses  complementos; por  último,  em  armas  automáticas  e  lançadores  de  granadas,  uma  divisão  russa  era  duas  vezes  mais  forte  do que  seu  equivalente  finlandês  e  havia  ainda  várias  unidades  blindadas  e  de  reserva  sob  o  comando  imediato do  Comandante-chefe  soviético;  as  forças  soviéticas  podiam  contar  com  um  suprimento  virtualmente ilimitado  de  munições,  dominavam  os  ares  com  aproximadamente  800  aviões  no  começo  das  hostilidades, em  comparação  com  os  96  da  Finlândia,  e  tinham  uma  superioridade  material  e  industrial  absoluta.

A  Finlândia  era  ainda  mais  prejudicada  pela  deficiência  do  seu  material  bélico.  Segundo  Mannerheim,  em condições  de  guerra,  os  finlandeses  tinham  o  seguinte:  suprimento  de  2  meses  de  cartuchos  para  fuzis,  armas automáticas,  metralhadoras,  combustível  e  lubrificantes;  suprimento  de  24  dias  para  granadas  de  obuseiros de  122  mm;  suprimento  de  22  dias  de  granadas  de  81  mm;  granadas  de  77  mm  para  canhões  de  campanha para  durar  21  dias  e  um  suprimento  de  19  dias  de  granadas  de  artilharia  pesada.  Essas  deficiências  seriam parcialmente  superadas  por  meio  de  compras  e  embarques  da  Suécia  e  outros  estados,  mas  em  momento algum  a  Finlândia  esteve  perto  de  um  nível  de  igualdade  com  seu  inimigo.  A  essa  estimativa  devemos acrescentar  o  fato  de  que,  às  vésperas  do  ataque,  os  finlandeses    tinham  100  armas  antitanques,  sendo  que  a metade  foi  fornecida  pela  Suécia  e  o  restante  viera  da  industria  nacional,  e  tinha  apenas  umas  poucas  baterias de  canhões  antiaéreos  e  de  artilharia  pesada.

Tampouco  essas  disparidades  entre  as  forças  adversárias  podiam  ser  compensadas  pelas  fortificações  da fronteira  finlandesa  que  eram  por  demais  rudimentares,  em  sua  maioria  construída  às  pressas  e  quase  todas obsoletas!  A  invulnerabilidade  da  chamada  “Linha  Mannerheim”  (133  km  de  fortificações  no  Istmo  da Carélia)  que,  com  tanto  interesse,  a  propaganda  soviética  alardeava  a  fim  de  justificar  a  incompetência  e  os fracassos  da  poderosa  tentativa  russa  de  invadir  a  Finlândia  não  passava  de  uma  lenda.  Jamais  pôde  ser comparada  às  “Linhas  Maginot”  e  “Siegfried”  em  profundidade  ou  em  fortificações.  Na  realidade,  dos  seus 66  ninhos  de  metralhadoras,  44  datavam  dos  anos  20  e  sua  construção  e  localização  deixavam  muito  a desejar.  Os  outros  22  eram  de  construção  mais  recente,  incapazes  todavia  de  resistir  a  fogo  pesado,  e  a  guerra deu  provas  disso.  Entretanto,  havia  armadilhas  para  tanques  e  obstáculos  de  arame  farpado,  que  se  tornavam impotentes  contra  os  ataques  pesados  dos  tanques.  Como  o  próprio  Mannerheim  disse,  “A  Linha Mannerheim  era  o  soldado  finlandês  atento  na  neve”.

Como  careciam  de  materiais,  armas  e  suprimentos  adequados  para  a  mobilização  em  massa,  os  finlandeses sentiram-se  impossibilitados  de  pôr  em  campo  suas  15  divisões,  para  isso  convocando  as  reservas.  No começo  do  outono,  8  divisões  completas  foram  mobilizadas  e,  pelo  final  de  outubro,  havia  9,  como  resultado da  combinação  das  tropas  de  cobertura  no  Istmo  da  Carélia  numa  única  divisão.  No  começo  das  hostilidades, essas  9  divisões  movimentaram-se  da  seguinte  maneira:  o  Exército  do  Istmo  da  Carélia  (6  divisões)  foi dividido  nos  II  e  III  Corpos  de  Exército;  a  reserva  do  Comandante-chefe  (  a    Divisão)  ficou  na  vizinhança  a oeste  de  Viipuri,  entregue  aos  preparativos  de  fortificação  e  alerta  para  um  desembarque  hostil  entre  Viipuri e  Kotka,  o  IV  Corpo  de  Exércitos,  de  duas  divisões,  defendia  uma  frente  de  90  km  ao  norte  do  lago  Ladoga até  Suojarvi.  Uma  divisão-geral  de  reserva  adicional  (a  9ª)  estava  reunindo-se  em  Oulu,  enquanto  que somente  companhias  e  batalhões  independentes,  em  sua  maioria  unidades  da  Guarda  Cívica,  defendiam  os 1.000  km  restantes  de  frente  desde  Suojarvi  até  o  oceano  Ártico.  Mais  tarde,  essas  unidades  tornaram-se  o núcleo  dos  grupos  atuantes,  organizados  durante  a  guerra.

As  9  divisões  da  Finlândia  tiveram  pela  frente  uma  força  de  ataque  soviético  inicial  de  5  exércitos, compreendendo  30  divisões  e  6  brigadas  de  tanques.  A  principal  força  russa,  o    Exército  (mais  tarde dividido  nos    e  13°  Exércitos),  consistia  de  13  divisões  que  foram  lançadas  contra  o  Istmo  da  Carélia. Todavia,  apenas  7  divisões  participaram  das  primeiras  investidas;  em  apoio  a  este  exército  havia  5  brigadas de  tanques  e  vários  regimentos  de  artilharia  pesada.  O  objetivo  da  sua  ala  esquerda  era  ocupar  Viipuri  e avançar  dali  para  o  coração  da  Finlândia,  enquanto  que  a  ala  direita  visava  à  ferrovia  Sortavla-Leningrado.

Segundo  Mannerheim,  o  número  de  soldados  reunidos  no  Istmo  surpreendeu  os  finlandeses:  a  posteriori julgava-se  que  o  inimigo  não  teria  possibilidade  de  empregar  eficazmente  mais  de  três  divisões,  devido  à espécie  de  terreno  e  à  falta  de  vias  de  comunicação  na  área,  duas  coisas  que  transformariam  a  logística  num pesadelo.  Contudo,  a  violência  da  invasão  russa  testemunhou  ter  sido  o  ataque    muito  tempo  planejado  e muito  principalmente  quando  se  soube  da  construção  pelos  russos  de  estradas  até  a  fronteira  e  de  terem  ali acumulado  grandes  quantidades  de  suprimentos  e  munições.

Ao  norte  do  lago  Ladoga,  o    Exército  Soviético,  de  9  divisões,  uma  brigada  de  tanques  e  artilharia  pesada avançaria  para  o  sul,  circundando  o  lago,  e  tomaria  as  forças  finlandesas  no  Istmo  pela  retaguarda, penetrando  também  em  direção  à  ferrovia.  Mais  ao  norte,  o    Exército,  formado  de  5  divisões,  era responsável  pela  tarefa  de  cortar  a  Finlândia  na  cintura  por  meio  de  um  ataque  desde  a  área  de  Kandalarksh- Uhtua-Repola  até  a  extremidade  norte  do  Golfo  de  Bótnia,  e  também  a  tarefa  de  cortar  as  conexões  com  a Suécia.  No  Ártico,  o  14°  Exército  (3  divisões)  tinha  como  objetivo  o  porto  de  Petsamo  e  um  avanço  dali  para o  sul  pela  rodovia  do  Ártico.  Os  dois  últimos  exércitos  não  tinham  nenhuma  brigada  de  tanques independente,  mas  eram  apoiados  por  40  ou  50  tanques  de  cada  divisão.

Assim,  diante  dos  fatos  desalentadores  provindos  da  esmagadora  superioridade  do  seu  adversário,  os finlandeses  entraram  na  batalha  com  poucas  esperanças  de  conseguir  defender  a  linha  até  a  chegada  de reforços.  Pouca  ou  nenhuma  ajuda  material  era  esperada  do  resto  do  mundo,  o  que  não  é  de  surpreender, muito  embora  uma  enxurrada  de  retórica  e  simpatia  enchesse  os  salões  da  Liga  das  Nações,  a  imprensa mundial  e  a  maioria  dos  boletins  noticiosos  dos  Ministérios  das  Relações  Exteriores.  Por  sua  vez,  Suécia  e Estados  Unidos  ofereceram-se  para  mediar  um  acordo  de  paz,  mas  o  governo  soviético  rejeitou  a  proposta.

Nesse  meio  tempo,  o  governo  finlandês  reorganizou-se,  sendo  nomeados  Risto  Ryti  como  Primeiro  Ministro e  Vaino  Tanner  como  Ministro  das  Relações  Exteriores.  Esperava-se  que  com  essa  reorganização  o  Kremlin reiniciasse  negociações  e  concordasse  em  solucionar  pacificamente  o  conflito,    que  o  governo  anterior estava  desacreditado,  como  obstrucionista  aos  olhos  de  Stalin.  Essas  esperanças,  no  entanto,  logo  se dissiparam.  A  3  de  dezembro  o  novo  governo  apelou  para  a  Liga  das  Nações,  mas  os  russos  recusaram-se  a comparecer  às  sessões  que  debatiam  sobre  a  guerra.  Molotov  justificava  essa  ausência,  dizendo  que  “a  URSS não  está  em  guerra  com  a  Finlândia  e  nem  sequer  a  está  ameaçando”.  Afirmou  que  a  URSS  “Mantém relações  pacíficas  com  a  República  Democrática  da  Finlândia,  cujo  governo  assinou  com  a  URSS,  a  2  de dezembro,  (um)  Pacto  de  Amizade  e  assistência  Mútua.  Por  esse  pacto  resolveram-se  todas  as  questões  que  o governo  soviético  pusera  em  discussão  infrutiferamente  com  os  delegados  (do)  ex-governo  finlandês,  agora destituído  do  seu  poder”.  A  “República  Democrática  da  Finlândia”  a  que  ele  se  referia  tratava-se  de  um governo  títere  do  Kremlin  dirigido  pelo  exilado  comunista  finlandês  Otto  Kuunisem  e  que  se  encontrava  na aldeia  fronteiriça  de  Terijoki,  que  caria  nas  mãos  dos  russos  logo  no  primeiro  dia  de  ataque.

Não  se  deixando  enganar  pela  astúcia  de  Molotov,  a  Liga  condenou  a  atitude  soviética  e  expulsou  seu  país  da organização  e  estados-membros  e  não-membros  foram  solicitados  a  prestar  toda  a  ajuda,  humana,  material, possível  à  Finlândia.  Esta  foi  a  derradeira  iniciativa  prática  da  Liga  e  talvez  um  canto  de  cisne  oportuno. Novas  tentativas  foram  feitas  pelo  governo  finlandês  no  intuito  de  travar  contato  com  o  Kremlin  e  mais  uma vez  tudo  foi  inútil.  A  15  de  dezembro,  Tanner  fez  um  apelo  a  Molotov  pelo  rádio  para  reiniciar  as negociações.  A  única  resposta  foi  uma  declaração  lacônica  pela  Agência  Tass  de  que  o  apelo  de  Tanner dificilmente  seria  atendido.

Em  atenção  aos  pedidos  da  Liga,  a  assistência  dos  outros  estados  concentrava-se  quase  toda  no  setor diplomático,  embora  houvesse,  entretanto,  alguma  ajuda  material,  principalmente,  e  de  maior  vulto,  da Suécia,  pois  grande  quantidade  podia  ser  transportada  facilmente  para  a  Finlândia.  Essa  ajuda  foi  de  valor inestimável  e  de  importância  capital  para  aquele  país,  considerando  sua  premente  carência  de  armas  e munições.  Da  Suécia  também  partiram  voluntários,  mas  apenas  dois  batalhões  chegaram  a  entrar  em  ação; vieram  também  alguns  da  Inglaterra,  dos  Estados  Unidos  e  da  Hungria,  mas  nenhum  destes  últimos  entrou em  combate,  exceto  um  grupo  de  fino-americanos  que  chegaram  à  frente  de  batalha  poucos  dias  antes  do término  das  hostilidades.  Da  maior  importância  foi  o  empréstimo  americano  de  30  milhões  de  dólares  que, infelizmente,  foi  limitado  a  compras  civis  e  aprovado  pelo  Congresso    em  fevereiro  do  ano  seguinte. Contudo,  dadas  as  condições  da  época,  efetivamente    se  esperava  a  falta  de  ajuda  concreta,  pois  todas  as nações  estavam-se  rearmando,  procurando  reabastecer-se  de  tudo  que  precisavam  para  sua  própria  defesa.

O  primeiro  assalto:

O  verdadeiro  plano  estratégico  russo  de  operações  terrestres  nos  primeiros  estágios  da  guerra  encerra  uma questão  controvertida  entre  escritores  e  analistas  militares,  e  os  russos  sempre  mantiveram  uma  discrição  a toda  prova  a  respeito.  Sua  disposição  de  tropas  não  evidencia  esforço  importante  neste  ou  naquele  ponto qualquer,  apesar  da  concentração  mais  ou  menos  extensa  no  Istmo  da  Carélia.  Na  verdade,  a  concentração  ali representava  o  passo  mais  certo  para  dar,  pois  o  Istmo  era  porta  tradicional  por  onde  se  poderia  penetrar  no coração  da  Finlândia  e  porque  ali,  também  se  realizariam  os  principais  esforços  na  defesa  finlandesa. Provavelmente,  os  russos  não  acreditavam  que  este  ou  aquele  ponto  fosse  mais  ou  menos  importante  que qualquer  outro  para  uma  penetração,    que  tudo  indicava,  segundo  eles,  que  a  Finlândia  sofreria  o  colapso logo  ao  primeiro  tiro,  com  a  ajuda,  é  claro,  dos  quinta-colunas    instalados  dentro  da  Finlândia.  Por conseguinte,  durante  o  mês  de  dezembro  eles  pouco  fizeram  no  sentido  de  concentrar  e  coordenar  esforços em  qualquer  ponto  que  fosse.

Tirando  uma  página  da  história  das  táticas  russas  contra  Napoleão,  os  finlandeses  foram  destruindo  todos  os prédios  e  estradas  à  medida  que  se  afastavam  da  fronteira.  Essa  política  de  “terra  arrasada”  deixou  os  russos aglomerados  em  estradas  ruins  e  sem  qualquer  abrigo  em  temperatura  abaixo  de  zero.  Assim,  o  inimigo enfrentou  uma  resistência  heróica  e  à  medida  que  seu  avanço  era  detido,  ele  ficava  na  situação  nada  invejável de  não    ter  que  acampar  ao  ar  livre,  como  também  de  ser  assediado  a  todo  instante,  ao  redor  da  fogueira  do acampamento,  pelas  patrulhas  finlandesas  em  esquis.  Se  houvesse  vitória,  esta  não  seria  conseguida  tão facilmente  quanto  os  planejadores  soviéticos  tinham  imaginado.

A  falta  de  coordenação  e  concentração  dos  russos  no  ataque  também  deu  aos  finlandeses  a  oportunidade  de entravar  os  invasores  na  maior  extensão  da  fronteira  usando  apenas  um  limitado  número  de  homens  e  de armas  e  as  defesas  naturais  originárias  do  terreno.  E  assim,  eles  puderam  concentrar  o  grosso  das  suas  forças no  Istmo  da  Carélia.  A  mobilização  no  outono  estendera  o  exército  de  campanha  em  áreas  de  concentração de  onde  poderiam  avançar  rapidamente  para  dar  apoio  às  tropas  de  cobertura.

As  táticas  de  retardamento  eram  parte  integrante  do  planejamento  finlandês  desde  a  independência, especialmente  no  Istmo,  onde  se  permitiria  que  o  agressor  penetrasse  numa  zona  defensiva  de  20  a  48  km  de profundidade,  enquanto  lhes  eram  infringidas  as  maiores  perdas  possíveis.  Essa  zona  de  defesa  era  ideal  para o  que  se  propunha:  lagos  e  pântanos  compridos  e  estreitos,  ainda  não  congelados,  e  florestas  densas limitavam  o  movimento  do  inimigo  a  passagens  estreitas  de  acesso  quase  impossível  e  onde  podia  ser facilmente  surpreendido  e  flanqueado.  Os  russos  desconheciam  a  área,  mas  os  finlandeses  a  conheciam  tão bem  quanto  a  sua  própria  casa,  porque  haviam  praticado  manobras  ali  durante  o  verão.  À  vontade  nesses ermos  e  não  estando  sobrecarregados  de  equipamento  e  maquinaria  pesados,  os  soldados  finlandeses avançavam  com  rapidez,  silenciosos  e  eficientes  em  seus  esquis,  contra  os  invasores.

Contudo,  como  muitas  vezes  acontece,  nem  tudo  saía  conforme  o  planejado  na  sala  de  reuniões  dos  oficiais. Contra  as  ordens  explícitas  de  Mannerheim,  as  tropas  de  cobertura  insuficientes  e  mal  armadas  por  diversas vezes  travaram  combate  direto  com  os  russos  sem  apoio  adequado  do  exército  de  campanha, impossibilitando,  desse  modo,  as  prolongadas  ações  de  retardamento.  O  combate  direto  mostrava-se  ineficaz, porque,  como  se  esperava,  os  russos  avançavam  em  longas  colunas  pelas  estradas  estreitas,  congestionadas pelo  seus  próprios  comboios  e  sob  a  proteção  dos  tanques.  Devido  às  suas  forças  e  artilharia  inadequadas,  as tropas  finlandesas  estavam  impossibilitadas  de  atacar  o  inimigo  com  a  eficácia  que  poderiam  ter  tido  em outras  circunstâncias.  Contudo,  se  tivesse  havido  estreita  coordenação  entre  as  tropas  de  cobertura  e  o exército  de  campanha,  os  invasores  poderiam  ter  sofrido  golpes  bem  mais  duros,  com  toda  a  deficiência  dos recursos  finlandeses.

De  qualquer  maneira,  o  avanço  russo,  foi  retardado  e  por  volta  de  2  de  dezembro,  os  invasores    haviam chegado  à  primeira  linha  de  defesa  do  inimigo,  cerca  de  10  a  16  km  dentro  da  fronteira  finlandesa.  Pequenas penetrações  ocorriam,  mas  estas  eram  retificadas  por  vigorosos  contra-ataques  na  noite  seguinte  e  a  linha  se estabilizava.  Certo  território  importante  foi  perdido  devido  a  um  incidente  curioso  e  sem  explicação,  tarde  da noite  do  dia  2.  O  Estado-Maior  do  Exército  finlandês  em  Imatra  foi  notificado  em  relatório,  que  forças vermelhas  haviam  desembarcado  na  costa  atrás  das  tropas  de  cobertura,  enquanto  que  outra  força  teria penetrado  o  centro  finlandês  até  a  principal  linha  de  defesa.  Não  sabendo  que  o  relatório  era  falso,  a  ala direita  das  tropas  de  cobertura  recebeu  ordem  para  tomar  nova  posição  em  Uusikirkko,  e  a  ala  esquerda,  para além  da  margem  oeste  do  rio  Suvanto,  atrás  da  linha  de  defesa  do  II  Corpo  de  Exércitos.  Infelizmente,  a retirada  ocorreu  tão  depressa  que  ao  chegarem  as  ordens  de  retomar  o  território,    não  puderam  ser cumpridas.  Assim,  os  russos  ganharam  parte  de  terreno  valioso  sem  ter  disparado  um    tiro.

Tal  incidente  revelou  que  mesmo  nas  tropas  de  cobertura  a  coordenação  era  deficiente.  Isto  pode  ter explicado,  em  parte,  pelas  comunicações  inadequadas  dos  finlandeses:  eles  não  tinham  equipamento moderno  e  os  que  possuíam  freqüentemente  eram  passíveis  de  mau  funcionamento.  De  qualquer  modo,  a retirada  das  alas  de  forças  finlandesas,  provocada  pela  falsa  notícia  de  uma  penetração  russa,  criou  a  situação em  que  parte  das  tropas  situadas  na  extremidade  leste  do  istmo  foi  retirada,  enquanto  que  um  grupo  do  II Corpo  de  Exércitos  ficava  arriscadamente  exposto  perto  de  Lipola.  A  situação    foi  restabelecida  dois  dias depois.

No  dia  4,  a  ameaça  de  um  ataque  inimigo  contra  o  setor  de  Uusikirkko  resultou  numa  crise  de  graves conseqüências.  Também  desta  vez  a  falta  de  coordenação  veio  provocar  séria  perda  de  tempo  nas  ações  de retaguarda  tão  necessárias  para  permitir  ao  exército  de  campanha  chegar  às  suas  posições.  Então,  uma brigada  blindada  vermelha  e  sua  infantaria  avançaram  pela  extremidade  sul  do  lago  Suula,  penetrando rapidamente  as  fracas  posições  defendidas  por  esgotados  finlandeses.  As  tropas  de  cobertura  na  frente  de Uusikirkko  recuaram  para  o  norte  da  aldeia,  na  expectativa  de  um  avanço  russo  naquela  direção,  mas,  em  vez disso,  o  inimigo  desviou  seu  ataque  principal  para  o  norte,  na  margem  oeste  do  lago,  em  direção  a Maisniemi,  e  movendo-se  em  sentido  paralelo  à  sua  ala  mais  fraca,  que  subia  pela  costa  leste,  ameaçando, assim,  envolver  as  tropas  de  cobertura  que  defendiam  a  área  compreendida  entre  os  lagos  Suula  e  Muolaa numa  pinça.

Ao  mesmo  tempo,  as  tropas  finlandesas  em  Lipola  estavam  em  dificuldades  e  tiveram  de  evacuar  sua  posição para  um  setor  mais  ao  norte.  É  espantoso  que  eles  tenham  resistido  durante  tanto  tempo  em  suas  posição exposta  sem  quaisquer  reforços.  Na  verdade,  duas  divisões,  as    e  11ª,  haviam  sido  destacadas  pelo  QG  de Mannerheim  a    de  dezembro  como  forças  de  ajuda  para  o  lado  leste  do  istmo,  mas  o  comandante  do  setor, Tenente-General  Ohquist,  resolveu  que  precisava  delas  noutra  parte.  Com  isso,  as    e  11ª  divisões  não  foram utilizadas  como  reforço  algum,  o  que  provocou  a  ida  de  Mannerheim  a  Imara  no  dia  3,  a  fim  de  repreender pessoalmente  seus  comandados  por  terem  sido  passivos  demais  em  momentos  de  tamanha  crise.

Na  manhã  do  dia  4,  os  russos  atacaram  e  tomaram  a  cabeça-de-ponte  em  Kiviniemi.  No  dia  seguinte  eles tornaram  a  atacar  a  área  em  torno  de  Uusikirkko  e  também  penetraram  as  defesas  em  Maisniemi,  ameaçando cercar  a    Divisão.  O  ataque  de  tanques  contra  Maisniemi  provocou  tal  pânico,  que  armas,  equipamento  e cozinhas  de  campanha  foram  abandonados  na  pressa  de  escapar.  Uma  tropa  de  cavalaria  que  acompanhava as  forças  foi  presa  de  grande  terror,  a  ponto  de  provocar  num  soldado  a  pergunta,  no  dia  seguinte:  “Será  que existe  uma  combinação  pior  do  que  homens  em  pânico  montados  em  cavalos  também  em  pânico?”.

Esta  não  foi  a  única  vez  que  os  finlandeses  entraram  em  pânico  motivado  por  ataques  blindados  nos primeiros  dias  confusos  da  guerra.  Esse  terror,  no  entanto,  é  bem  compreensível  quando  se  considera  que  a maioria  jamais  fora  defrontada  senão  com  um  ou  dois  tanques  em  seu  caminho,  ao  passo  que  ali  eles  os estavam  enfrentando  em  grande  número  e  praticamente  sem  qualquer  tipo  de  defesa.

Para  compensar  a  falta  de  canhões  antitanques,  formaram-se  destacamentos  supridos  de  minas  em  toda  a companhia  durante  as  primeiras  semanas  da  guerra.  Contudo,  a  inventiva  finlandesa  se  fez  valer  e  criou  uma arma  antitanque  muito  simples  porém  bastante  eficaz,  o  “coquetel  Molotov”.  Sendo  a  própria  simplicidade,  a arma  consistia  de  uma  garrafa  cheia  de  cloreto  de  potássio,  querosene,  com  novlen  e  uma  ampola  de  ácido sulfúrico  presa  à  boca  da  garrafa  para  detoná-la.  Para  usá-la,  recorria-se  a  um  indivíduo  corajoso,  em  esquis, que  emparelhava  com  o  tanque  soviético  e  lançava  o  coquetel  dentro  da  torre.

Durante  os  últimos  estágios  das  ações  de  retardamento,  conseguiu-se  maior  cooperação  entre  os  vários grupos  de  cobertura,  e,  assim,  puderam  ser  desfechados  vários  golpes  violentos  contra  os  russos.  Ocorreram apenas  duas  pequenas  penetrações  na  principal  linha  de  defesa  durante  estas  operações  de  retardamento. Ambas  se  deram  no  setor  oriental  do  istmo:  uma  em  Koukonniemi,  no  dia  6,  com  pesadas  perdas  para  os russos,  e  a  segunda  em  Kiviniemi,  no  dia  7.

Por  volta  do  dia  6,  estava  terminada  a  tarefa  básica  das  tropas  de  cobertura  e  elas  foram  enviadas  para  as posições  principais.  Por  enquanto,  a  situação  no  istmo  se  estabilizara.  Ao  longo  dos  1.280  km  de  frente,  as tropas  de  cobertura  finlandesas  de  aproximadamente  13.000  homens  haviam  conseguido  deter  os  russos, exceto  em  Petsamo,  embora  enfrentassem  cerca  de  140.000  soldados  e  talvez  uns  1.000  tanques.  Onde  quer que  os  finlandeses  tivessem  cedido,  os  blindados  russos  haviam  desempenhado  papel  decisivo.  As  armas antitanques  finlandesas  eram  eficazes,  conforme  ficou  provado  com  a  destruição  de  80  tanques  até  5  de dezembro;  mas  elas  eram  pesadas  e  incômodas  demais  e  atrapalhavam  a  movimentação  rápida  exigida  pela guerra  móvel.  Nessas  situações  é  que  o  “coquetel  Molotov”  se  destacava  com  todo  o  seu  valor.

 Não    dúvida  de  que  os  últimos  acontecimentos  haviam  tomado  rumo  diferente  do  que  se  esperavam  os estrategistas  soviéticos;  sua  imprensa  alardeava  que  a  Finlândia  cairia  em  poucos  dias  e  os  líderes  militares aparentemente  acreditavam  na  sua  própria  propaganda,  pois  uma  ordem  soviética  apreendida  durante  os primeiros  dias  de  batalha  advertiam  as  tropas  russas  para  que  não  violassem  a  fronteira  sueca.

Mal  preparadas  para  enfrentar  um  adversário  heróico  e  decidido,  e  obrigadas  a  lutar  nos  estreitos  corredores entre  lagos  e  florestas,  em  estradas  bastante  danificadas  pelos  finlandeses  em  retirada  e  congestionadas  pelos seus  próprios  soldados,  as  tropas  soviéticas  foram  obrigadas  a  parar  de  maneira  excruciante.  Em  lugar  de uma  Blitzkrieg,  elas  haviam  demorado  nada  menos  que  uma  semana    para  chegar  à  principal  linha  de defesa  finlandesa.  Isto  por  certo  não  estava  sendo  outra  Polônia.

Os  russos  não    haviam  parado  no  Istmo  da  Carélia  como  também  seus  outros  esforços  foram  singularmente mal  sucedidos.  Era  evidente  que  o  governo  de  Kuusinen  e  Terikoji,  se  é  que  estava  realmente  instalado  ali, deveria  ser  o  principal  objetivo  de  um  ataque  de  quinta-colunas.  Contudo,  os  apelos  de  Kuusinen  para  que  a classe  operária  finlandesa  se  levantasse  contra  seus  opressores  evidentemente  foram  ignorados  ou ridicularizados.  Até  mesmo  a  maioria  dos  comunistas  finlandeses  não  se  deixou  levar  por  essas  lisonjas transparentes  e  permaneceu  firmemente  no  propósito  de  defender  sua  pátria  contra  os  russos.  Os  finlandeses estavam  unidos  na  crença  de  que  eram  finlandeses  em  primeiro  lugar  e  esquerdistas  ou  direitistas  em segundo,  e  dose  alguma  de  propaganda  ou  apelos  ideológicos  poderiam  mudar  essa  determinação. Nacionalismo  e  patriotismo  intensos  e  ódio  à  Rússia  neutralizavam  qualquer  possibilidade  de  colaboração com  os  quinta-colunas.

No  mar,  os  russos  mostraram-se  ainda  mais  inexperientes.  As  ilhas  indefesas  ao  longo  da  costa  foram ocupadas  com  facilidade,  mas  todo  esforço  para  desembarcar  tropas  no  continente  foi  repelido.  A  esquadra russa  do  Báltico  bombardeou  Porvoo,  cerca  de  30  km  a  leste  de  Helsinque,  num  esforço  de  “debilitá-la”  para um  desembarque  anfíbio,  mas  foi  repelida  pela  artilharia  de  costa.  Hango  e  Turku  também  atraíram  a  atenção da  esquadra  russa,  mas  inutilmente.  Se  as  memórias  de  Kruschev  dizem  a  verdade,  a  marinha  russa  foi  tão inepta  que  não  conseguia  sequer  distinguir  um  navio  mercante  sueco  de  um  finlandês.  Segundo  Kruschev, um  submarino  soviético  disparou  contra  um  navio  sueco  ao  confundi-lo  com  um  vaso  finlandês  e  não consegui  afundá-lo.  No  decurso  da  guerra,  três  destróieres,  dois  submarinos  e  alguns  navios  auxiliares  russos foram  avariados  ou  afundados  pelas  baterias  costeiras.  Além  disso,  o  couraçado  russo  Revolução  de  Outubro foi  seriamente  avariado.

Os  russos  não  se  saíram  melhor  também  nos  ares.  Nos  primeiros  dias  da  guerra,  suas  incursões  aéreas  não conseguiram  desbaratar  a  mobilização  finlandesa,  o  que  deve  ter  causado  alguma  surpresa  às  forças  militares soviéticas.  Outro  problema  foi  que  os  ataques  aéreos  contra  as  principais  cidades  foram  feitos  com  número insuficiente  de  homens  e  prejudicados  pelo  mau  tempo.  Em  dezembro,  o  sul  da  Finlândia  desfruta  de  cerca de  4  horas  de  luz  solar  por  dia  e  os  céus  freqüentemente  estão  nublados.  Uma  nevada  no  dia  2  transformou- se  em  forte  nevasca  que  se  prolongou  durante  dois  dias,  ocultando  todos  os  alvos  militares,  enquanto  que céus  nublados  contribuíram  para  prejudicar  as  operações  até  meados  do  mês.  Até  mesmo  quando  o  tempo clareou,  em  janeiro  e  fevereiro,  a  Força  Aérea  soviética  fracassou  em  sua  missão  básica.  Nem  mesmo  a  única ligação  vital  que  a  Finlândia  tinha  com  o  mundo  exterior,  a  ferrovia  Kemi-Tornio  para  a  Suécia,  que transportava  as  exportações  finlandesas  bem  como  suas  importações  de  materiais  e  armas,  esteve interrompida  por  mais  de  algumas  horas  de  cada  vez.  O  tráfego  de  navios  mercantes,  especialmente  o  de Turkum,  raramente  era  desbaratado,  a  pesar  dos  60  ataques  aéreos  contra  aquelas  instalações  portuárias.

Ademais,  apesar  da  sua  carência  de  aviões  novos  e  de  baterias  antiaéreas  adequadas,  os  finlandeses desfecharam  violentos  ataques  contra  a  Força  Aérea  soviética.  No  começo  das  hostilidades,  os  finlandeses tinham  96  aviões.  Durante  a  guerra,  o  número  subiu  para  287,  162  dos  quais  eram  caças,  enquanto  que  os russos  tinham  cerca  de  2.500  por  volta  do  fim  desta  guerra.  Os  finlandeses  perderam  61  aparelhos  enquanto que  as  perdas  russas  chegaram  a  725  confirmadas  e  200  não-confirmadas,  segundo  as  estimativas  militares finlandesas.  Desses,  314  foram  destruídos  por  baterias  antiaéreas  e  mais  de  300  foram  avariados.  Uma indicação  da  pontaria  finlandesa  é  que  o  numero  médio  de  tiros  por  avião  derrubado  era  de  54  para  canhões  e 200  no  caso  de  armas  portáteis.

Considerando  a  vantagem  que  os  russos  desfrutavam,  os  fatos  e  números  acima  revelam  a    preparação  e treinamento  que  caracterizavam  a  Força  Aérea  russa.  A  gravidade  da  questão  torna-se  ainda  mais  acentuada quando  se  leva  em  conta  a  farta  distribuição  de  bases  aéreas  soviéticas  e  seu  fácil  acesso  a  qualquer  lugar  da Finlândia.  Bases  de  bombardeiros  estavam  localizadas  na  Estônia,  próximo  de  Leningrado  e  na  Carélia Oriental,  de  modo  que  o  tempo  nem  sempre  impossibilitava  todas  as  operações  aéreas.  Tampouco  o  tempo no  Ártico  deveria  ter  prejudicado  os  pilotos  russos,    que  tinham  grande  experiência  nessas  condições  e, além  disso,  o  tempo  incomumente  claro  em  fins  de  dezembro  possibilitava  incursões  aéreas  mais  rigorosas do  que  se  teria  dado  no  decorrer  de  um  inverno  normal.  Ao  todo,  cerca  de  15.000  bombas  explosivas  e incendiarias  foram  lançadas  sobre  o  país  -  um  total  de  cerca  de  7.500  toneladas.  Contudo,  como  aconteceu com  os  londrinos  na  Segunda  Guerra,  os  finlandeses  nãos  e  sentiam  intimidados;  enfrentaram  a  situação  com calma  e  continuaram  cuidando  dos  seus  afazeres.  Um  jornalista  americano  que  estava  fazendo  a  cobertura  da guerra  conta  que,  quando  as  sirenes  começavam  a  soar,  a  camareira  do  hotel  entrava  e  bradava  em  inglês: “Molotov  está  aí!”.

O  terror  dos  tanques:

Se  a  situação  estava  sob  controle  no  Istmo,  não  se  podia  dizer  o  mesmo  da  linha  de  frente  de  96  km  ao  norte do  lago  Ladoga.  Ali,  os  acontecimentos  haviam-se  tornado  extremamente  críticos.  Duas  divisões  finlandesas, com  reduzido  número  de  canhões  antitanques,  se  estendiam  desde  Salmi  até  Suojarvi,  enfrentando  o  8° Exército  vermelho  com  9  divisões  e  uma  brigada  de  tanques.  As  forças  soviéticas  estavam  divididas  em quatro  colunas  e  se  dirigiam  respectivamente  para  Ilomantsi,  Tolvajarvi,  Suojarvi  e  Sortavala.  Alcançados esses  objetivos,  elas  teriam  o  controle  da  ferrovia  Sortovala-Joensuu-Oulu  e  das  redes  de  comunicações  e transportes  internos  da  Finlândia.  Mais  ao  norte,  as  forças  russas  estavam  avançando  rapidamente  sobre Kuhmo  e  Suomussalmi,  ameaçando  dividir  o  país  em  duas  partes.

Temendo  um  ataque  geral  e  maciço  contra  o  Istmo,  o  Alto  Comando  tencionara  manter  suas  reservas  para essa  contingência,  alimentando,  no  entanto,  a  esperança  de  que  a  frente  norte  resistisse.  Contudo,  assediado pela  crise  no  norte  e  pelo  perigo  que  ameaçava  a  rede  ferroviária,  reforços  das  escassas  reservas  situadas perto  de  Viipuri  e  Oulu  foram  mandadas  às  pressas  para  Tolvajarvi,  Kuhmo  e  Suomussalmi.  No  dia  5  de dezembro,  Mannerheim  mandou  o  16°  Regimento  de  Infantaria  (RI)  e  também  um  destacamento  para Kuhmo  e  Suomussalmi,  onde  um  batalhão    os  precedera.

Três  batalhões  de  depósito,  Destacamento  “A”,  um  grupo  de  esquiadores  organizado  às  pressas  e  mal equipado  foram  despachados  para  o  setor  de  Ilomantsi  ao  norte  de  Salmi,  e  outro  batalhão,  para  Salla,  no extremo  norte.

Segundo  os  planos  de  operações  baseados  em  manobras  de  tempo  de  paz,  as  forças  finlandesas  bem  ao  norte do  lago  Ladoga  deveriam  retirar-se  de  Salmi  para  Kitela  e    desfechar  um  contra-ataque  sobre  os  flancos  do inimigo  na  direção  de  Loimola-Syskyjarvi,  à  medida  que  este  avançasse  ao  longo  da  margem  do  lago.  Por conseguisse,  o  avanço  soviético  até  Kitela  não  provocou  qualquer  consternação.  Contudo,  o  plano operacional  finlandês  foi  ameaçado  com  a  possibilidade  de  um  avanço  inimigo  ao  longo  da  ferrovia  Suojarvi e  das  estradas  que  vão  de  Suojarvi  para  Ilomantsi  e  Tolvajardi.

A  ameaça  mais  imediata  estava  no  setor  de  Suojarvi,  causada  pelo  rápido  avanço  das  colunas  blindadas vermelhas.  Por  volta  de  2  de  dezembro,  os  finlandeses  haviam  recuado  de  Suvilahti  para  posições  preparadas em  Piitsoinoja.  No  dia  3  ordenou-se  um  contra-ataque  para  recuperar  Suvilahti,  mas  a  operação  foi neutralizada  pelos  tanques  russos.  Erkki  Palolampi,  uma  testemunha  ocular,  registra  em  seu  livro,  Kollaa Kestaa,  de  que  maneira  as  unidades  antitanques  finlandesas  a  principio  contiveram  os  russos  e  destruíram  23 tanques  pelo  caminho.  Contudo,  era  impossível  deter  o  ataque  vermelho,  e  “O  roncar  dos  tanques  foi  ouvido na  estrada  e  também  se  espalhando  pelos  bosques...  Alguém  começou  a  gritar  que  os  tanques  estavam atirando  da  retaguarda!  Eles  tinham  penetrado!  Um  homem  tinha  os  olhos  esgazeados  de  terror;  outros  viram seu  pânico  e  gritos  de  homem  para  homem  diziam  nada  poder  fazer  para  impedir  aquela  situação.  Os  tanques estão  vindo,  os  tanques  penetraram!  Os  soldados  começaram  a  correr,  patinando  e  esquiando  pela  neve,  em direção  à  retaguarda,  sem  se  preocuparem  com  coisa  alguma  e  completamente  surdos  aos  gritos  e  às  pragas dos  seus  oficiais.  O  pânico  se  propagou;  outras  companhias  debandaram...  os  boatos  voavam...  todos  tinham um    pensamento  -  fugir  ao  terror  do  avanço  dos  tanques...  Um  jovem  soldado  que  tentava  saltar  para  um trenó,  bradou:  “Agora  nem  mesmo  os  finlandeses  podem  cuidar  dos  russos!”

Por  volta  do  dia  7,  as  posições  em  Piitsoinoja  haviam  sido  completamente  abandonadas  e  as  tropas    tinham recuado  para  a  linha  secundária  em  Kollaa.  Urgia  que  Kollaa  fosse  defendida  a  fim  de  que  todo  o  plano  do contra-ataque  não  fracassasse.  Os  russos  iniciaram  um  ataque  maciço  no  dia  7,  mas  foram  detidos,  e  daí  a situação  se  estabilizou  de  tal  modo,  que  por  volta  do  dia  10  a  ameaça  desaparecera,  pelo  menos temporariamente.

Como  as  más  notícias  da  frente  de  Ladoga  continuavam  chegando,  Mannerheim  decidiu  que  a  situação  era por  demais  opressiva  e  crítica  para  um    homem  controlar.  No  dia  5  de  dezembro  ele  dividiu  o  comando, deixando  o  Major-General  Hagglund  à  frente  do  setor  de  Sortavala-Suojarvi  e  colocando  o  Coronel  Paavo Talvela,  um  oficial  de  grande  coragem  e  determinação,  na  área  de  Ilomantsi-Tolvajarvi.

Um  homem  do  caráter  de  Talvela  era  essencial  e  de  valor  inestimável,  pois  ele  recebera  ordens  de  assumir  a ofensiva  e  derrotar  o  inimigo  com  forças  numericamente  inferiores,  sendo  avisado  que  não  poderia  receber outros  reforços  além  do  que    estavam  a  caminho.  Além  disso,  excetuando  o  batalhão  de  reserva  enviado por  Hagglund  pouco  antes,  suas  tropas,  que    estavam  lutando  na  área  -  três  batalhões  em  Tolvajarvi  e  um em  Ilomantsi  -  achavam-se  exaustas  por  estar  enfrentando  uma  luta  contra  duas  divisões  vermelhas.

  nos  primeiros  dias  de  combate,  o  único  batalhão  que  defendia  Tolvajardi  contra  a  139ª  Divisão  russa  fora obrigado  a  recuar  para  o  rio  Aitto,  onde  se  juntou  a  outro  batalhão  e  ambos  fizeram  uma  tentativa  de  contra- ataque,  mas  não  tiveram  êxito.  Incapazes  de  resistir  à  alta  potência  de  fogo  russa,  as  forças  se  sentiram obrigadas  a  recuar  para  a  margem  oeste  do  lago  Agla,  no  dia  seguinte.  Ajudada  pelo  terreno  congelado,  a ofensiva  soviética  avançou,  forçando  os  finlandeses  a  nova  retirada,  no  dia  5,  que  os  levou  para  uma  posição bem  a  leste  de  Tolvajarvi;  na  opinião  dos  seus  oficiais-comandantes,  os  homens    estavam  começando  a perder  aquela  espontânea  aptidão  para  a  luta,  e  sentia-se  que  uma  catástrofe  se  aproximava.

Quando  Talvela  chegou  ao  setor  que  lhe  fora  destinado,  decidiu  que  era  necessária  uma  mudança  radical  nos planos  das  operações,  para  evitar  o  desastre  iminente.  Assim,  ordenou  ao  Tenente-Coronel  A.O.  Pajari  que conduzisse  um  batalhão  reforçado  bem  atrás  das  linhas  inimigas  a  fim  de  desfechar  um  contra-ataque  na noite  de  8  de  dezembro.  Pajari  cumpriu  as  ordens  à  risca,  infligindo  pesadas  baixas  ao  inimigo  e  paralisando a  ofensiva  russa  por  uns  dois  dias.  Então,  no  dia  11,  sem  que  os  sentinelas  finlandeses  percebessem,  os russos  tentaram  uma  operação  de  flanco  em  torno  da  extremidade  norte  do  lago  e  atacaram  uma  coluna  de abastecimento.  Pajari,  que  casualmente  passava  por  ali,  num  ápice  reuniu  um  grupo  de  homens  dos destacamentos  de  abastecimento  e,  ajudado  por  duas  companhias  das  reservas  de  linha  de  frente,  investiu contra  o  inimigo.  Ao  anoitecer,  os  russos  foram  derrotados  e  perseguidos  pelos  bosques  adentro,  e  ali,  os  que não  foram  mortos  pelos  finlandeses  acabaram  morrendo  de  frio.  O  êxito  dessas  operações  logrou  reerguer  o moral  dos  heróicos  finlandeses  e,  no  dia  seguinte,  eles  conseguiram  repelir  mais  uma  vez  novo  ataque  frontal vermelho.

A  esse  tempo,  a  situação  perto  de  Ilomantsi  ficou  sob  controle,  e  depois  de  realizadas  as  retiradas  iniciais,  o mal  equipado  Destacamento  “A”  chegou.  A  presença  destes  reforços  foi  de  grande  valia;  estando  a  posição finlandesa  muito  bem  situada  e  forte,  conseguiu  resistir  muito  bem  ao  ataque  soviético  no  dia  9.  E  no  dia seguinte,  foram  os  finlandeses  que  desfecharam  um  violento  ataque  e  conseguiram  cercar  o  batalhão soviético,  aniquilando-o  completamente.

Depois  de  deter  o  avanço  soviético  em  Tolvajarvi,  Talvela  tomou  novamente  a  iniciativa  no  dia  12.  Nessas operações,  o  frio  intenso,  que  atingia  -40°  F,  as  florestas  densas  e  a  surpresa  representavam  um  fator  decisivo para  os  objetivos  dos  finlandeses.  Segundo  os  planos  de  batalha  de  Talvela,  num  movimento  de  pinça  dupla, com  a  ala  mais  forte  dirigida  para  o  norte,  cercaria  os  russos  e  os  manteria  retidos,  até  que  a  falta  de suprimentos  e  as  temperaturas  extremas  completariam  seu  trabalho.

Quase  que  imediatamente,  evidenciou-se  que  o  plano  original  finlandês  não  funcionaria,    que  os  próprios russos  também  estavam  empenhados  num  movimento  de  pinça  na  margem  leste  dos  lagos  Tolva  e  Hirva,  que logo  travou  contato  com  a  ala  esquerda  inimiga.  A  ala  direita  finlandesa  também  teve  dificuldades  em  tentar cruzar  o  lago  Tolva.  Não  obstante,  incapacitados  para  completar  a  travessia,  os  finlandeses,  no  entanto, conseguiram  tomar  a  ilha  Koti,  colocando,  assim,  a  retaguarda  e  as  comunicações  inimigas  sob  intenso  fogo.

Ambos  os  lados  se  viram  momentaneamente  impedidos  de  completar  seus  cercos  devido  à  própria inabilidade,  até  que  Pajari  decidiu  desfechar  um  arrojado  ataque  frontal  através  do  gelo  na  extremidade  norte do  lago  Tolva.  O  movimento  de  Pajari  deu  aos  finlandeses  uma  vitória  de  primeira  grandeza,  possibilitando  a destruição  total  das  forças  russas  naquela  área.  A  vanguarda  do  ataque  consistia  de  uma  companhia  dirigida por  um  tenente  ferido  e  quando  a  luta  terminou,  apenas  oito  homens  ainda  viviam.  Pelo  dia  14,  todo  o  setor de  Tolvajarvi  estava  em  mãos  finlandesas  e  a  139ª  Divisão  vermelha  foi  completamente  derrotada.  Não  havia dúvida  sobre  o  caráter  definitivo  da  vitória:  os  russos  haviam  sofrido  a  perda  de  1.000  homens,  várias centenas  de  prisioneiros,  10  tanques,  duas  baterias  e  grande  quantidade  de  suprimentos  e  armas  portáteis. Embora  estivessem  por  demais  esgotadas  a  perseguir  seu  derrotado  inimigo,  as  tropas  finlandesas  tiveram que  continuar  lutando  ainda  por  mais  10  dias.

Nova  divisão  russa,  a  75ª,  foi  enviada  para  libertar  a  destroçada  139ª  e  tomar  a  estrada  para  Aglajarvi,  que era  a  única  com  que  os  russos  contavam  para  seu  abastecimento.  Compreendendo  o  perigo  que  isto representava,  as  tropas  finlandesas  avançaram  de  Tolvajarvi,  indo  diretamente  ao  encontro  dos  russos,  que  se aproximavam.  Não  acostumados  com  a  luta  na  floresta,  os  russos  se  viram  sobrepujados  pela  tática  de guerrilha  e  por  ataques  frontais  do  inimigo.  Pelo  dia  18,  a  aldeia  de  Aglajarvi,  que  os  russos  haviam fortificado  solidamente,  estava  em  mãos  finlandesas  e  o  inimigo  não  teve  outra  saída  senão  bater  em  retirada. Os  finlandeses  aproveitaram-se  dessa  vantagem  e  perseguiram  os  remanescentes  da  139ª  e  da  75ª  Divisões até  o  rio  Aitto,  onde  foram  destruídas  quase  até  o  último  homem.

Tolvajarvi  representou  uma  vitória  extraordinária  para  os  finlandeses,  e  ainda  mais  espantosa  quando  se consideram  as  estatísticas  relativas  às  perdas  russas.  Essa  vitória  significava,  também,  uma  aquisição inesperada  de  60  tanques,  mais  de  30  canhões  de  campanha,  10  lançadores  de  granadas,  quase  400 metralhadoras  e  grande  quantidade  de  suprimentos  e  de  munições.  Além  disso,  número  incontável  de  armas  e quantidade  bem  grande  de  equipamento  foram  destruídos  no  decorrer  da  batalha.  Contudo,  as  perdas finlandesas  foram  proporcionalmente  bastante  elevadas  -  a  bem  da  verdade,  foram  tão  altas  que  Mannerheim, em  determinado  momento,  pensou  seriamente  que  teria  de  suspender  o  combate.  Mas  à  insistência  dos comandantes  na  linha  de  frente,  ele  permitira  o  seu  prosseguimento  até  o  fim.  No  final,  30%  dos  oficiais  e 35%  dos  soldados  jaziam  mortos  ou  feridos.

Entrementes,  o  setor  de  Ilomantsi  também  fora  estabilizado.  Quatro  batalhões  deficientes,  munidos  de  uma única  bateria  enfrentara  a  15ª  Divisão  russa,  fazendo-a  parar  completamente.  Esse  setor  continuaria  inativo durante  todo  curso  da  guerra.

Esses  sucessos  contribuíram  para  estimular  muito  o  moral  dos  atribulados  finlandeses,  especialmente  na costa  nordeste  do  lago  Ladoga,  onde  as  168ª  e  18ª  Divisões  russas  haviam  penetrado  suas  linhas  a  8  de dezembro.  Por  volta  do  dia  12,  num  contra-ataque  reconstruíra  a  linha  e  impusera  a  retirada  dos  russos.  Com Kollaa  continuando  a  resistir,  havia  grandes  esperanças  de  que  as  duas  divisões  russas  pudessem  ser  cercadas e  destruídas.

Os  grupos  atacantes  finlandeses  estavam  posicionados  em  forma  de  U  desde  Kitala  até  Uomaa,  e  as perspectivas  para  o  aniquilamento  das  divisões  inimigas  pareciam  favoráveis.  Contudo,  os  dois  primeiros ataques,  a  13  e  17  de  dezembro,  fracassaram,  pois  o  frio  intenso,  o  cansaço  dos  soldados,  a  falta  de equipamento  suficiente  e  a  potência  de  fogo  bastante  superior  dos  russos  começaram  a  cobrar  seu  tributo  ao IV  Corpo  de  Exército.  Finalmente,  a  26  de  dezembro,  um  grupo  finlandês  atacou  com  sucesso  as  posições russas  a  leste  do  lago  Kota.  A  27,  a  rodovia  Uomaa  ficou  sob  o  fogo  finlandês  e  um  cordão  foi gradativamente  apertado  em  torno  do  inimigo.  Depois  de  reagrupar  suas  forças  e  de  estar  seguro  de  que Kollaa  ainda  estava  resistindo,  Hagglund  preparou-se  para  as  investidas  finais  contra  as  168ª  e  18ª  Divisões. O  plano  exigia  o  rompimento  das  forças  russas  dividindo-as  em  pequenos  grupos  isolados  chamados  mottis (termo  normalmente  usado  em  referência  à  madeira  empilhada  para  o  corte),  por  meio  de  táticas  de  tipo guerrilha.  Durante  a  noite  de  5  de  janeiro,  o  IV  Corpo  de  Exércitos  movimentou-se  através  de  uma  área virtualmente  sem  estradas,  coberta  de  neve  e  boscosa  -  com  as  péssimas  condições  do  terreno  prejudicando seriamente  a  movimentação  de  equipamento  pesado  -  até  as  áreas  de  onde  lançariam  o  ataque,  que  começou no  dia  6.  Aparentemente  ignorando  o  que  estava  acontecendo,  os  russos  não  tentaram  contra-atacar  e tampouco  recuar,  à  medida  que  o  inimigo  se  aproximava.  Em  vez  disso,  entrincheiraram-se  e  se  prepararam para  resistir  no  próprio  local  em  que  estavam.  Pelo  dia  11,  os  russos  achavam-se  completamente  cercados  e divididos  em  mottis,  entre  os  quais  os  finlandeses  se  movimentavam  impunemente.

Tudo  saíra  de  acordo  com  os  planos  arquitetados,  estando  os  finlandeses  plenamente  confiantes,  na  certeza de  que  seria  apenas  uma  questão  de  tempo  a  rendição  incondicional  dos  russos.  Mas    é  que  eles subestimaram  a  obstinação  do  seu  adversário,  que  resistia  entrincheirados  no  perímetro  das  linhas  de  defesa, com  a  artilharia  colocada  no  centro.  A  fome  também  os  atribulava,  pois  somente  suprimentos  inadequados podiam  ser  trazidos  por  uma  ponte  aérea  e,  em  conseqüência  disto,  estavam  reduzidos  à  necessidade  de comer  seus  próprios  cavalos.  Se  os  finlandeses  tivessem  mais  artilharia  de  campanha  e  canhões  antitanques, o  problema  teria  sido  resolvido  bem  mais  cedo.  E  assim,  o  IV  Corpo  de  Exércitos  passou  o  resto  de  janeiro  e parte  de  fevereiro  tentando  destruir  os  mottis,  ao  mesmo  tempo  que  desviava  quatro  nova  divisões  vermelhas que  vinham  avançando  de  Salmi  em  direção  a  Kasnaselka.

A  única  solução  para  os  finlandeses  era  lidar  com  um  mottis  de  cada  vez.,  interceptando-lhes  todos  os  meios de  comunicações  e  em  seguida  aniquilá-lo  completamente.  Desse  modo,  os  10  mottis  da  18ª  Divisão  foram gradativamente  destruídos.  A  18  de  fevereiro,  o  que  restava  da  18ª  Divisão  nada  pôde  fazer  senão  se  render, com  a  sua  brigada  de  tanques  seguindo-lhe  o  exemplo  no  dia  29.  No  campo  de  batalha  contaram-se  4.300 russos  mortos,  inclusive  dois  generais,  mas  nesse  número  não  se  incluem  os  que  jaziam  sob  a  neve.  O despojo  continha  128  tanques,  91  canhões,  120  carros  e  tratores,  62  cozinhas  de  campanha  e  vasta quantidade  de  armas  de  infantaria,  de  munições  e  de  equipamento.

Somente  o  fim  da  guerra  é  que  livrou  a  168ª  Divisão  de  ter  o  mesmo  destino.  Abastecida  pela  aviação  e  até mesmo  por  veículos  puxados  a  cavalos  através  do  lago  Ladoga  e  que  eram  protegidos  por  tanques,  a  divisão resistiu  desesperadamente.  Contudo,  o  destino  das  colunas  de  abastecimento  mostrou  a  insensatez  dessa atitude:  uns  poucos  soldados  finlandeses  situados  numa  ilha  logo  ao  largo  de  Koiranoja  empreenderam  uma série  de  ataques  noturnos  contra  as  colunas  e  conseguiram  destrui-las  em  sua  maioria,  antes  que  um  ataque desfechado  da  terra  e  do  ar  os  dizimasse  por  completo.

No  setor  de  Kollaa  os  poucos  e  fracos  batalhões  prosseguiram  em  sua  luta  desigual  com  completo  sucesso  e detiveram  o  avanço  inimigo,  aliviando  assim  a  pressão  sobre  o  IV  Exército.  Embora  quase  cambaleando  de exaustão,  os  defensores  mantiveram  suas  posições  sem  ajuda  durante  todo  o  mês  de  janeiro,  exceto  alguns pequenos  reforços  formados  de  três  batalhões  independentes,  um  regimento  e  uma  brigada  de  cavalaria  que havia  sido  convertida  numa  brigada  de  esquiadores.  Nenhum  desses  soldados  pôde  se  afastar  das  linhas  de frente  durante  esse  período  para  gozar  um  descanso  bem  merecido.  Mas  a  magnífica  ação  no  sentido  de  reter as  tropas  de  Kollaa  tornou  possível  o  triunfo  das  forças  de  Hagglund  mais  ao  Sul.

O  fato  de  que  os  russos  foram  detidos  no  Istmo  e  ao  norte  do  lago  Ladoga  provavelmente  se  deveu  tanto  à determinação  da  linha  de  defesa  quanto  à  ineficiência  demonstrada  pelo  Exército  Vermelho.  Jamais  se  pôs em  dúvida  a  bravura  do  soldado  russo;  as  táticas  empregadas  pelos  seus  superiores  é  que  tinham  o  poder  de eliminar  grande  parte  da  sua  eficiência.  Contudo,  o  soldado  russo  não  era  tão  engenhoso  quanto  seu equivalente  adversário  e  até  incapaz  de  agir  satisfatoriamente  numa  situação  tão  extraordinária  como  a  que encontrou  na  guerra  contra  a  Finlândia.  Também  era  evidente  que  os  russos  não  planejavam  seus  ataques tendo  em  mente  a  máxima  cooperação  e  coordenação  dos  vários  destacamentos  ligados  às  divisões.  A pontaria  do  fogo  de  artilharia  era  tão  ruim,  que  grande  parte  das  granadas  ultrapassava  o  objetivo  inimigo. Por  vezes,  os  tanques  avançavam  até  as  posições  finlandesas  e  em  seguida  voltavam,  antes  mesmo  que  a infantaria  tivesse  sequer  começado  seu  avanço.  Este  tipo  de  ineficiência  e  falta  de  coordenação  continuou durante  todo  o  mês  de  dezembro,  até  que  o  Marechal  Timoshenko  assumiu  o  comando  do  Exército  Vermelho na  Finlândia.

Outro  fator  que  tornava  as  baixas  russas  tão  numerosas  residia  na  incapacidade  dos  comandantes  vermelhos em  mudar  suas  táticas  segundo  as  necessidades  de  tempo  e  espaço.  Em  vez  disso,  eles  obedecia  cegamente ao  plano  original,  enviando  leva  após  leva  de  seres  humanos  para  o  massacre  e  sem  qualquer  hesitação, aparentemente  incapazes  de  planejar  qualquer  outro  modo  de  ataque  sem  empregar  a  força  bruta.

Defensores  decididos:

Apesar  das  dificuldades  e  privações  que  a  potência  das  forças  invasoras  causou  nas  operações  de retardamento  do  Istmo  da  Carélia,  as  tropas  de  cobertura  haviam  comprado  tempo  para  seus  compatriotas ocuparem  as  posições  de  defesa  primárias.  Depois  que  as  tropas  de  cobertura  foram  retiradas  das  posições avançadas,  a  6  de  dezembro,  houve  alguns  dias  de  relativa  tranqüilidade  ao  longo  da  linha  de  frente, enquanto  as  forças  vermelhas  se  reagrupavam.

Somente  missões  de  sondagem  e  fogo  de  artilharia  esporádicos  perturbavam  a  calma  vez  por  outra,  porém  tal ação    era  o  bastante  para  alarmar  os  soldados  inexperientes  do  recém-chegado  exército  de  campanha,  que operando  principalmente  na  escuridão,  sem  iluminação  adequada  -  eles  nem  sequer  tinham  lanternas  em número  suficiente  -,  não  é  de  surpreender  que  as  tropas  estivessem  tão  nervosas.  Felizmente,  veio  o  período de  calma,  que  lhes  deu  a  oportunidade  de  se  adaptarem  um  pouco  aquela  situação.  Até  mesmo  os  soldados atrás  da  linha  estavam  apreensivos,  e  por  uma  boa  razão,  é  claro  -  a  linha  de  frente  era  tão  superficial  que  é quase  incrível  que  as  patrulhas  russas  não  achassem  nunca  o  caminho  para  a  retaguarda

Embora  os  russos  desfechassem  apenas  um  reduzido  número  de  ataques  em  massa,  suas  patrulhas  estavam sempre  ocupadas  em  trabalhos  de  sondagem  e  essas  operações  provocaram  muitas  escaramuças  noturnas com  os  elementos  da  defesa.  Além  disso,  elas  vez  por  outra  conseguiam  se  aproximar  e  cortar  o  arame farpado  para  depois  fazer  explodir  os  arrastar  os  blocos  que  serviam  de  armadilhas  para  tanques.  Essas atividades  russas  logo  fizeram  os  finlandeses  compreender  que  as  armadilhas  de  tanques  estavam  colocadas muito  à  frente  dos  bunkers,  tornando,  assim,  muito  difícil  protegê-las  eficazmente,  sobretudo  à  noite.  Mas  já era  tarde  demais  para  corrigir  esse  erro.

Embora  o  período  de  passividade  russa  fosse  de  grande  valia  para  os  finlandeses,  dando-lhes  a  oportunidade de  “recuperar  o  fôlego”,  bem  como  de  reorganizar  e  reagrupar  suas  forças,  em  contrapartida  os  russos estavam  recebendo  forças  adicionais,  reagrupando-as,  familiarizando-as  com  as  operações  e  planejando  o próximo  ataque.  Pela  atividade  reinante  nas  forças  vermelhas,  era  mais  do  que  evidente  que  elas  planejavam um  golpe  assestado  de  duas  pontas:  uma  dirigida  para  Summa,  a  Porta  de  Viipuri;  e  a  outra,  para  Taipale,  na extremidade  oriental  da  Linha  Mannerheim.  Obviamente,  o  ataque  à  Summa  era  de  importância  vital  para ambos  os  adversários,  pois  se  fosse  coroado  de  êxito,  estaria  aberto  o  caminho  para  Viipuri  e  Helsinque  e também  para  o  coração  da  Finlândia,  dando-se  ali  o  final  da  guerra  pelo  esmagamento  da  maioria  das  forças finlandesas  num  gigantesco  movimento  de  pinças.  O  ataque  a  Taipale  aparentemente  nada  mais  era  que  um estratagema  para  afastar  os  finlandeses  dos  objetivos.  Além  disso,  com  a  boa  rede  rodoviária  na  área  e podendo  usar  o  lago  Ladoga,  os  russos  conseguiram  avançar  primeiramente  em  direção  a  Taipale.  Por conseguinte,  durante  a  noite  de  14  de  dezembro,  patrulhas  finlandesas  alertaram  que  os  russos  se  preparavam para  um  ataque.  À  única  divisão  de  infantaria  inimiga    se  juntara  uma  segunda,  e  mais  artilharia.

No  dia  15  de  dezembro,  pela  manhã  bem  cedo,  os  russos  começaram  a  metralhar  as  posições  finlandesas, cuja  infantaria  tinha  de  defender  a  linha  com  o  máximo  do  seu  esforço  apesar  da  severidade  da  barragem, pois  as  baterias  possuíam  o  mínimo  de  granadas  e  muito  pequeno  numero  de  canhões,  e  estes  mesmos  eram de  alcance  muito  limitado.  Assim,  o  plano  consistia  em  não  disparar  um    tiro  até  que  o  inimigo  aparecesse em  campo  aberto,  no  gelo,  para  então  abrir  fogo  quase  à  queima  roupa.  Ao  fim  da  batalha,  os  russos  mais uma  vez  haviam  sido  repelidos,  sofrendo  uma  perda  de  12  tanques  e  grande  número  de  mortos  jazia  no  solo.

Depois  de  um  dia  de  relativa  inatividade,  os  russos  tornaram  a  atacar,  no  dia  17,  quando  também  fizeram  um esforço  inaudito  para  conseguir  romper  a  posição  em  Summa.  Leva  após  leva  de  soldados  russos  foram lançadas  contra  as  linhas  inimigas  enquanto  os  finlandeses  continuam  o  fogo,  esperando  que  o  adversário chegasse  a  uns  50  metros  de  distância.  Ainda  assim,  os  comandantes  russos  mandavam  seus  soldados avançar  e  avançar,  num  desprezo  quase  criminoso  pela  vida  humana,  até  que,  finalmente,  os  soldados  russos, já  não  podendo  suportar  aquela  situação  por  mais  tempo,  fugiram  em  debandada,  no  maior  pânico.  Daí  por diante,  os  ataques  vermelhos  contra  Taipale,  a  partir  do  Dia  de  Natal  e  prolongando-se  até  o  dia  27, tornaram-se  fortuitos  e  desordenados,  embora  se  revelasse  uma  pequena  mudança  em  seus  planos operacionais  durante  esses  golpes:  transferiram  o  ataque  do  sul  para  o  lado  oeste  das  defesas  inimigas,  mas muito  pouco  eles  conseguiram  com  essa  manobra,  exceto  um  aumento  no  número  de  inimigos  mortos.  Além disso,  quase  nenhum  dano  foi  causado  às  linhas  finlandesas  e  aos  seus  canhões.

Enquanto  se  desenrolava  o  ataque  a  Taipale,  preparava-se  uma  grande  ofensiva  na  área  de  Summa.  Os  russos lançaram  numerosas  missões  de  sondagem,  durante  as  quais  iam  concentrando  rapidamente  as  suas  forças atrás  das  linhas.  Em  meados  de  dezembro    era  evidente  a  iminência  de  um  ataque  em  grande  escala  com  o intuito  de  terminar  logo  a  guerra.

Para  o  comandante  finlandês,  a  situação  apresentava-se  extremamente  crítica.  Toda  a    Divisão  foi deslocada  numa  linha  longa  e  estreita,  contando  com  poucas  reservas  para  apoia-la.  A  reserva  do Comandante-chefe,  a    Divisão,  situava-se  tão  distante  da  linha  de  frente  que  não  podia  oferecer  proteção alguma  ao  setor  ameaçado.  Com  artilharia  insuficiente  e  escassez  de  granadas,  qualquer  tipo  de  contra- ataque  era  considerado  muito  perigoso  e  dispêndio  inútil.  Portanto,  pouco  se  podia  fazer  além  de  reagrupar as  forças  e  aguardar  o  ataque  em  perspectiva.

Foi  dado  o  inicio  da  ofensiva  através  de  pesada  barragem  de  artilharia  às  primeiras  horas  do  dia  17  de dezembro,  mas  o  ataque  propriamente  dito  começou  às  10:00  horas.  Foi  lançada  no  ataque  toda  uma  divisão, apoiada  por  aviões  e  cerca  de  80  tanques.  Avançando  por  trás  destes  últimos,  a  infantaria  russa  penetrou bravamente  na  saraivada  de  fogo  finlandês,  aparentemente  ignorando  a  devastação  que  se  ia  causando  em redor.  Para  os  elementos  da  defesa,  este  golpe  representou  uma  experiência  aterradora,  que  submeteu  seus nervos  ao  máximo  de  sua  resistência,  enquanto  os  inimigos  lhes  caiam  aos  montes  diante  dos  olhos.  Outro motivo  de  tensão  foi  a  presença  dos  tanques  que,  devido  à  modesta  artilharia  disponível  e  à  ausência  de canhões  antitanques,  não  podiam  ser  detidos  de  todo  em  seu  avanço.    luz  do  dia  era  difícil,  se  não impossível,  lançar  “coquetéis  Molotov”).  Ainda  havia  outra  desvantagem:  as  comunicações  telefônicas tinham  sido  interrompidas  pelo  fogo  inimigo,  e  assim,  o  posto  de  comando  não  podia  se  comunicar  com  os vários  setores,  a  não  ser  que  apelasse  para  o  velho  equipamento  de  rádio  que  nem  sempre  funcionava  a contento.

Somente  depois  do  anoitecer,  estando  os  canhões  russos  silenciosos  e  as  linhas  telefônicas    reparadas,  é  que se  pôde  fazer  uma  avaliação  completa  das  atividades  do  dia.  Então  os  comandantes-de-campanha  puderam novamente  comunicar-se  entre  si,  utilizando-se  de  um  jargão  que  haviam  desenvolvido  em  poucas  semanas de  guerra,  para  confundir  o  inimigo,  podendo  assim,  evitar  o  uso  de  código,  para  cuja  decifração  exigia  mais tempo.  O  jargão  era  uma  mistura  de  idiomas  finlandês  e  sueco,  combinados  com  apelidos  para  seus  próprios grupos  e  conhecidos.  Dos  relatórios  que  chegaram  era  evidente  que  no  único  ponto  em  que  havia  penetrado as  linhas,  na  aldeia  de  Summa,  o  inimigo  fora  ali  mesmo  repelido,  nas  primeiras  horas  da  noite.  Ao recuarem,  os  russos  contavam  então  com  25  tanques  menos  que  no  inicio  do  ataque,  e  também  com  um número  exorbitante  de  baixas.

Sem  se  preocuparem  com  as  perdas  sofridas,  os  russos  reiniciaram  o  ataque  no  dia  seguinte,  depois  de  uma barragem  de  artilharia  que  durou  5  horas.  Cerca  de  70  tanques  foram  usados  no  assalto,  mas  o  fogo  dos adversários  foi  tão  certeiro  na  fase  inicial,  que  10  tanques  foram  destruídos  quase  que  imediatamente, detendo  assim  o  ataque  antes  mesmo  que  ele  realmente  se  iniciasse.  Não  logrando  romper  a  resistência  por meio  de  um  ataque  frontal,  os  russos  todavia  continuaram  atirando  contra  as  linhas  inimigas  durante  toda  a noite.

No  dia  seguinte,  19  de  dezembro,  pôde-se  ver  o  começo  do  mais  violento  ataque  da  guerra  desde  então.  Seis divisões,  um  corpo  de  exército  blindado  e  duas  brigadas  de  tanques  foram  postos  em  ação,  enquanto bombardeiros  e  caças  lhes  davam  cobertura.  Desta  feita  o  ataque  foi  desfechado  numa  frente  mais  ampla,  e com  o  assalto  principal  visando  a  Summa.  O  ataque  naquele  local  foi  tão  violento  e  maciço,  com  os comandantes  dos  tanques  inteiramente  alheios  ao  perigo  que  corriam,  que  os  tanques  penetraram  de  roldão os  obstáculos  e  ultrapassaram  as  linhas  finlandesas.  Mais  tarde,  relatórios  vindos  de  Summa  notificaram  que havia  ali  cerca  de  100  tanques  operando  ao  mesmo  tempo,  mas  no  momento  do  ataque  ninguém  sabia  disso, porque  as  linhas  de  comunicação  tinham  sido  novamente  cortadas.  Nessa  batalha  os  finlandeses  aprenderam, embora  tarde  demais  para  qualquer  modificação,  que  as  pedras  usadas  como  armadilhas  de  tanques  deveriam ter  sido  de  tamanho  muito  maior.  Mas  apesar  da  profunda  penetração  e  da  violência  do  ataque,  a  brecha  foi fechada  e  o  inimigo,  rechaçado.

Em  outros  setores  os  russos  não  se  saíram  melhor  também.  ao  norte  de  Summa,  os  tanques  russos  se encontraram  numa  estrada  em  meio  a  uma  floresta  tão  densa,  que  não  puderam  deixar  aquela  via  e  foram obrigados  a  prosseguir,  literalmente  até  a  boca  dos  canhões  inimigos.  Somente  na  noite  seguinte  é  que  os sobreviventes  conseguiram  dar  a  volta  e  recuar.

Durante  todo  aquele  dia,  e  no  dia  seguinte,  os  russos  continuaram  atacando,  sempre  com  um  suprimento novo  de  soldados  que  vinham  substituir  os  que  iam  tombado.    então,  a  artilharia  russa  havia  melhorado  sua pontaria,  tornando-se,  desse  modo,  mais  eficaz  na  cobertura  dos  tanques  e  da  infantaria  em  suas  investidas (Nas  primeiras  fases  da  guerra  a  artilharia  russa  mostrava  pontaria  tão  ruim,  que  os  tiros,  em  sua  maioria, passavam  muito  acima  da  cabeça  dos  inimigos).  Contudo,  apesar  desses  melhoramentos,  os  finlandeses  ainda permaneciam  como  que  pregados  em  suas  posições,  no  final  da  batalha  do  dia  23.  Vistoriando  o  campo  da luta  mais  tarde,  não  tiveram  dúvida  alguma  quanto  à  séria  derrota  sofrida  pelos  russos,  diante  do  número incontável  de  cadáveres  espalhados  entre  os  58  tanques  destruídos  por  trás  e  na  frente  das  linhas.  Até  então, os  finlandeses  haviam  destruido  239  tanques    no  Istmo.

Poder-se-ia  apresentar  uma  boa  quantidade  de  razões  para  justificar  o  mau  desempenho  das  forças vermelhas,  porém  quatro  delas  parecem  as  mais  convincentes.  Primeiro,  os  russos  tinham  julgado  que haveria  pouca  ou  nenhuma  resistência  e,  portanto,  não  haviam  planejado  suas  operações  nos  mínimos detalhes.  Aparentemente,  eles  acreditavam  que  o  emprego  da  força  bruta,  apenas,  bastaria  para  vencer  o inimigo.  Segundo,  permaneceram  cegamente  fiéis  ao  seu  plano  originalmente  idealizado  e  não  lograram alterá-lo  dentro  dos  moldes  de  uma  guerra  autêntica,  evidentemente  acreditando  que  maior  número  de tanques  e  homens  supririam  qualquer  falta.  Terceiro,  seus  comandantes  eram  subordinados  à  autoridade  dos oficiais  políticos  ligados  às  unidades  e,  por  isso,  temiam  tomar  decisões  que  eventualmente  viessem transformá-los  em  suspeitos  políticos:  o  espectro  dos  expurgos  ainda  perseguia  o  Exército  vermelho.  Por último,  além  de  serem  dirigidos  com  competência,  os  finlandeses  estavam  lutando  em  defesa  de  seus  lares  e acima  de  tudo  da  liberdade;  por  estas  razões  eles  resistiram  melhor  à  tensão  da  batalha  do  que  os  soldados russos,  que  não    eram  mal  treinados  e  mal  conduzidos,  com  também  lhe  tinha  sido  incutido  que  seriam recebidos  de  braços  abertos  pelos  finlandeses,  em  vez  de  combatê-los.  Além  disso,  os  soldados  russos estavam  enfrentando  a  luta  num  ambiente  estranho,  e  para  eles,  hostil.  Muitos  jamais  tinham  visto  uma floresta,  tendo  vivido  somente  nas  planícies  da  Rússia.  Além  disso,  os  finlandeses  estavam  vestidos  de branco,  enquanto  que  seus  equivalentes  russos  trajavam  cinza-escuro,  que  os  fazia  sobresair  como limpadores  de  chaminés  na  neve.

Tendo  detido  completamente  o  avanço  russo,  agora  era  vez  dos  finlandeses  atacar.    durante  as  operações de  retardamento,  o  Major-General  Ohquist  solicitara  permissão  para  tal  operação  com  o  II  Corpo  de Exércitos,  mas  na  época  seu  pedido  fora  recusado  como  sendo  demasiado  arriscado  o  empreendimento. Quando,  no  dia  19,  sua  proposta  foi  reapresentada  durante  a  batalha  em  Summa,  o  Alto  Comando  finlandês aprovou-a.

Segundo  os  planos,  a    Divisão,  que  estava  na  reserva  atrás  de  Summa,  reforçada  por  um  RI,  deveria  juntar- se  a  partes  de  5  outras  divisões  na  ofensiva.  O  ataque  teria  lugar  ente  os  lagos  Muola  e  Kuolema,  numa  frente de  cerca  de  24  km.  Na  extremidade  oeste  da  linha,  partes  da    Divisão  avançariam  na  ala  direita  da  6ª Divisão,  que  se  deslocaria  ao  longo  do  rio  Summa.  Partes  da    Divisão  seriam  responsáveis  pela  retenção dos  russos  na  vizinhança  de  Summa.  Na  extremidade  leste  da  linha,  grupos  da    Divisão  atacariam  ao  longo da  ferrovia,  enquanto  que,  mais  a  leste,  grupos  da  11ª  Divisão  penetrariam  para  oeste  a  fim  de  imprensar  o inimigo  entre  elas  e  as  unidades  da    Divisão.

O  plano  era  realmente  audacioso.  Se  fosse  bem  sucedido,  os  finlandeses  poderiam  encontrar-se  em  posição de  negociar  uma  solução  pacífica  do  conflito  com  o  Kremlin  -  não  que  os  comandantes  esperassem  um triunfo  completo:  eles  se  contentariam  com  pouco  menos  de  uma  vitória  total  se  seu  sistema  de  ataque pudesse  perturbar  suficientemente  o  inimigo,  fazendo-o  perder  terreno  e  reconsiderar  toda  a  situação.

A  Hora-Zero  foi  marcada  para  as  6:30  horas  de  23  de  dezembro.  Quando  chegou  o  momento,  a  neve  ainda estava  caindo,  mas  não  demorou  a  parar,  e  então  a  tempestade  desceu  para  -4°  F,  o  vento  aumentou  e  o ânimo  das  tropas  abateu.  Nessas  circunstâncias,  logo  tornou-se  evidente  que  o  contra-ataque  não  sairia  tão bem  quanto  fora  planejado.  Outros  problemas  logo  apareceram.  Em  alguns  casos,  as  forças  de  reserva trazidas  para  a  operação  tinham  veículos  em  demasia  e  estavam  tentando  transferi-los,  apenas  horas  antes  do inicio  do  ataque.  Não  se  fizera  um  reconhecimento  perfeito  das  posições  inimigas  antes  do  ataque  e  as localizações  exatas  das  suas  posições  e  da  disposições  das  armas  e  dos  homens  eram  ignoradas.

A  principio  os  atacantes  finlandeses  encontraram  pouca  resistência,  mas  logo  os  tanques  russos  entraram  na luta  e  barraram  o  avanço.  Uma  vez  mais,  as  comunicações  foram  interrompidas  por  fios  cortados  e  mau funcionamento  dos  rádios,  de  modo  que  a  estreita  cooperação  entre  os  vários  grupos  atacantes  entrou  em colapso.  Além  disso,  como  a  artilharia  não  podia  mover-se  com  a  mesma  rapidez  com  que  a  infantaria  o fazia,  houve  pouca  oportunidade  de  usar  os  grandes  canhões  contra  os  tanques,  em  apoio  da  infantaria; quando  os  canhões  chegaram  não  se  sabia  onde  sua  presença  era  mais  necessária,  devido  à  falta  de comunicações.  Depois  de  oito  horas,  a  ofensiva  foi  cancelada  e  os  finlandeses  se  retiraram  para  suas  próprias linhas,  sem  qualquer  interferência.

Embora  o  contra-ataque  não  fosse  absolutamente  um  sucesso,  em  todo  o  caso  pôde  contribuir  para  levantar  o moral  das  tropas  e  abalar  o  inimigo,  o  que  talvez  fosse  o  mais  importante.  Dada  a  inferioridade  numérica finlandesa,  acrescida  da  sua  baixa  potência  de  fogo  e  do  sistema  de  comunicações  inadequado,  é  de surpreender  que  eles  tenham  tentado  a  operação.  Contudo,  os  russos  não  fizeram  qualquer  esforço  para reencetar  os  ataques  no  Istmo  durante  mais  de  um  mês,  limitando-se  a  surtidas  esporádicas  em  Taipale,  de  25 a  27  de  dezembro,  e  a  pequenas  escaramuças  ao  longo  da  linha  em  janeiro.

A  Batalha  de  Suomussalmi:

A  meio  caminho  entre  o  mar  Ártico  e  o  Istmo  da  Carélia  existe  uma  área  esparsamente  populada  na  fronteira oriental  da  Finlândia  onde  foram  travadas  algumas  das  mais  famosas  batalhas  da  Guerra  de  Inverno.  Ali,  na vizinhança  das  pequeninas  aldeias  de  Suomussalmi  e  Kuhmo,  três  divisões  russas  foram  inteiramente dizimadas  pela  reduzida  força  finlandesa.

Acreditando  que  os  russos  não  fariam  esforços  importantes  nesse  ermo  virtualmente  destituído  de  estradas,  o Alto  Comando  finlandês  deixara  as  defesas,  ali,  a  cargo  de  um  punhado  de  homens  das  reservas,  guardas  de fronteira  e  unidades  da  Guarda  Cívica.  Mas  ao  se  constatar  que  o  inimigo  não    estava  invadindo  as  áreas como  empregava  nesse  empreendimento  duas  divisões  e  o  complemento  normal  de  tanques,  e  que  tinha  uma divisão  de  reserva  aguardando  chamada  nas  alas,  reforços  foram  mandados  às  pressas  para  a  linha  de  frente. Ali,  atrás  da  fronteira  em  Ladoga,  os  russos  se  haviam  empenhado  na  construção  de  estradas  que  conduziam até  a  fronteira  e  era  também  por  ali  que  tentavam  invadir  a  Finlândia.

O  povo  da  área  estava  formalmente  convencido  de  que,  devido  ao  isolamento  em  que  se  encontrava,  nada tinha  temer  por  parte  da  Rússia;  assim,  embora    soubesse    algum  tempo  da  concentração  de  tropas  russas no  outro  lado  da  fronteira  continuou  trabalhando  e  mantendo  a  rotina  de  sempre,  inclusive  mandando  seus filhos  para  a  escola,  até  o  dia  da  invasão.  A  população    começou  a  evacuar  a  região  a  30  de  novembro, quando  os  russos    estavam  sobre  ela.  Essa  situação  foi  causa  de  muitos  sofrimentos  e  prejuízos  de  ordem econômica  para  a  população  civil;  em  alguns  casos,  as  crianças  tiveram  de  fugir  da  escola  à  chegada  dos russos  à  sua  porta.

Na  vizinhança  de  Kuhmo,  grupos  da  54ª  Divisão  russa  estavam  avançando  ao  longo  das  duas  estradas  que levam  à  aldeia.  Somente  um  batalhão  encarregado  da  defesa  estava  em  seu  caminho,  mas  apesar  do  reduzido numero  de  efetivos  e  seus  limitados  recursos,  os  finlandeses  começaram  a  desfechar  ataques  de  flanco  a  1° de  dezembro.  Sem  condições  para  deter  a  marcha  do  inimigo,  foram  obrigados,  além  disso,  a  recuar  para posições  na  retaguarda,  para  logo  em  seguida  continuar  retrocedendo  no  dia  5.  Nesse  estágio,  tornou-se evidente  que  a  situação  era  por  demais  crítica  e  que  as  forças  tinham  necessidade  premente  de  reforços,  de modo  que  o  25°  Batalhão  da    Divisão  de  Oulu  foi  despachado  para  o  setor,  em  seu  auxílio.  Essas  novas tropas  estavam  equipadas  apenas  com  fuzis,  metralhadoras,  tendas  e  seus  onipresentes  esquis;  não  levavam canhões  de  campanha  ou  armas  antitanques,  pois  não  havia  nada  disso  em  disponibilidade.  Mal  chegaram  os reforços,  foram  logo  lançados  em  combate,  antes  que  os  russos  tivessem  tempo  de  receber  tropas  adicionais ou  até  mesmo  de  fortalecer  suas  posições.

O  tempo  urgia  e  os  finlandeses  renovaram  seus  ataques  aos  flancos  russos,  não  lhes  dando  a  oportunidade  de completar  todos  os  preparativos  para  a  luta  ou  de  se  familiarizar  com  a  situação.  A  8  de  dezembro,  um ataque  do  norte  e  do  sul  da  estrada  de  Kuhmo  conseguiu  dividir  a  coluna  inimiga  em  várias  partes.  Durante algum  tempo,  os  finlandeses  puderam  manter  um  perfeito  controle  sobre  estes  grupos,  mas  gradativamente  o cansaço,  as  baixas,  as  dificuldades  para  conseguir  apoio  e  a  falta  de  telefones  de  campanha  que  tornava quase  impossível  coordenar  as  operações,  obrigaram-nos  a  desistir  de  seus  esforços  e  deixar  aos  russos  a posse  da  estrada.  Outro  fator  negativo  era  o  tempo,  que  ficara  extremamente  frio,  com  temperaturas  caindo até  -22°F.  Mas  pelo  menos  essas  operações  lograram  deter  o  avanço  russo  e  a  frente  foi  restabelecida  por volta  do  dia  20.  Para  os  russos  foi  um  período  bastante  difícil  e  provavelmente  uma  situação  por  demais embaraçosa:  eles  não  podiam  avançar,  mas  também  não  se  atreviam  a  recuar.  Ao  mesmo  tempo,  não  tinham possibilidade  para  atacar  abertamente  os  adversários,  que  se  movimentavam  como  fantasmas  nos  esquis  pela florestas  cobertas  de  neve  e  parecendo  estar  à  vontade,  atacando  onde  e  quando  queriam.  Aparentemente, essas  táticas  explicavam  em  parte  a  passividade  dos  russos  e  seu  fracasso  em  organizar  quaisquer  ataques cerrados  contra  as  posições  inimigas.  Em  vez  disso,  eles  se  entrincheiravam  ao  longo  da  estrada  e  ali  ficaram expostos  ao  frio  intenso,  numa  longa  espera  pelo  resto  da  54ª  Divisão,  até  que  esta  chegasse  para  salvá-los das  suas  dificuldades.  Pelo  final  de  janeiro,  eles  enfrentaram  uma  ameaça  ainda  maior  com  a  chegada  das tropas  inimigas  que  acabavam  de  conquistar  sua  grande  vitória  em  Suomussalmi.

Cerca  de  80  km  ao  norte  de  Kuhmo,  próximo  da  aldeia  de  Suomussalmi,  realizou-se  uma  das  mais  renhidas  e clássicas  batalhas  da  história  militar.  Uma  força  finlandesa  integrada  quase  toda  por  uma  divisão  entrou  em combate  com  duas  divisões  russas  completas  (a  163ª  e  a  44ª)  aniquilando-as  quase  até  o  último  homem.

Do  outro  lado  da  fronteira,  em  Suomussalmi,  como  também  em  outros  setores,  e  sem  que  os  finlandeses  o soubessem,  os  russos  haviam  construído  novas  estradas  que  levavam  até  a  fronteira  e  lhes  permitiram avançar  num  território  sob  outros  aspectos  destituído  de  estradas.  E  destas,  havia  duas  principais,  que convergiam  sobre  Suomussalmi  vindas  da  região  do  leste:  uma  começava  perto  de  Juntusranta,  no  Norte,  e  a outra,  em  Raate,  mais  ao  sul.  Da  junção  em  Suomussalmi,  a  estrada  ia  até  Kajaani,  por  onde  passavam  a rodovia  e  a  ferrovia  que  levam  a  Oulu,  Tornio  e  Suécia.  Dois  regimentos  russos  avançaram  pela  estrada norte,  ao  passo  que  um  terceiro  percorria  a  estrada  de  Raate.  E  assim,  toda  a  163ª  Divisão  ucraniana  foi lançada  contra  um  batalhão  de  reserva  finlandês.

Como  as  desvantagens  eram  muito  acentuadas,  as  tropas  de  cobertura    se  empenharam  em  hostilizações leves  da  coluna  do  inimigo  enquanto  aguardavam  os  reforços.  Operando  em  dois  grupos,  o  batalhão finlandês  recuou  lentamente  ao  longo  das  duas  estradas  até  que  se  reuniu  novamente  em  Suomussalmi  a  6  de dezembro,  e  no  dia  seguinte,  depois  de  incendiar  a  aldeia,  recuou  para  as  posições  do  outro  lado  de  um  lago estreito  que  ainda  não  congelara  o  suficiente  para  suportar  o  peso  dos  tanques.  Dali,  eles  observaram  as colunas  russas  se  reunirem  na  parte  que  restava  da  aldeia,  sabendo  plenamente  que  eram  o  único  obstáculo para  os  russos  num  avanço  sobre  Oulu.

  então,  o  Coronel  Siilasvuo  estava  a  caminho  do  setor  com  o  27°  RI  da    Divisão  de  Oulu.  Siilasvuo  fora nomeado  comandante  de  todas  as  forças  em  ação  no  setor  de  Suomussalmi.  Contudo,  a  chegada  de  suas tropas  sofreu  um  grande  atraso  cuja  causa  foi  o  choque  do  trem  em  que  vinham  com  um  outro  de abastecimento,  interrompendo  assim,  a  ferrovia  por  mais  de  24  horas.  Contudo,  como  a  seção  recém- completada  da  estrada  ficava  a  40  km  de  Suomussalmi,  Siilasvuo  ainda  pôde  chegar  no  dia  9,  para  dar  início às  contra-operações  no  dia  11.

Depois  de  avaliar  a  situação  e  se  informar  da  localização  do  inimigo.  Siilasvuo  ordenou  que  um destacamento  mal  reforçado  fosse  para  noroeste  de  Suomussalmi  para  atacar  a  posição  russa  sediada  na aldeia.  Esta  força  quase  que  causou  a  retirada  imediata  do  inimigo.  As  forças  principais  de  Siilasvuo  então  se moveram  para  trás  das  linhas  russas  ao  longo  da  rodovia  de  Raate,  para  isolar  os  adversários  da  sua  base  de abastecimento  e  da  própria  cidade  de  Raate.  Simultaneamente,  um  destacamento  menor  tentaria  cortar  as linhas  de  apoio  do  inimigo  que  vinham  de  Juntusranta  e  bloquear  quaisquer  reforços  que  pudessem  tentar  dar ajuda  aos  russos  sitiados.  Em  essência,  o  plano  exigia  que  se  cortassem  a  colunas  inimigas  em  mottis mantendo-os  isolados  uns  dos  outros,  até  que  as  tropas  adicionais  chegassem  de  Oulu  para  completar  sua destruição.

Embora  houvesse  pouco  tempo  para  preparativos  e  os  mapas  da  área  fossem  ultrapassados  e  parcialmente errados,  era  evidente  que  o  ataque  tinha  de  começar  no  dia  11,    que  o  inimigo  estava  insistindo  em  seu ataque  na  direção  das  barcas  de  Haukipera.  Se  esses  ataques  fossem  bem  sucedidos,  os  russos  poderiam cercar  os  assediados  finlandeses.  Além  disso,  o  tempo  estava  piorando  à  medida  que  a  temperatura  caia  para -40°F.

Deixando  metralhadoras  na  linha  de  defesa  da  posição  ao  sul  de  Suomussalmi,  os  grupos  de  ataque dirigiram-se  para  suas  áreas  de  lançamento  sem  entrar  em  contato  com  o  inimigo.  Contudo,  quando  cruzaram o  lado  sudoeste  de  Suomussalmi,  encontraram  um  destacamento  russo  na  estrada  entre  os  lagos  Kuomas  e Kuivas.  Deixando  parte  do  grupo  de  ataque  para  construir  abatis  naquele  local  a  fim  de  bloquear  o  inimigo,  a força  principal  desviou-se  para  Suomussalmi.  A  princípio  os  finlandeses  tiveram  dificuldade  em  conseguir um  pouco  de  apoio  na  estrada,  mas  uma  vez  conseguido  este,  o  avanço  sobre  a  retaguarda  das  posições russas  prosseguiu  segundo  os  planos.

O  elemento  surpresa  teve  papel  relevante  no  sucesso  das  operações  do  primeiro  dia.  Aparentemente,  os russos  não  imaginavam  qual  fosse  a  extensão  dos  efetivos  do  ataque  finlandês  enquanto  este  se  aproximava do  sudeste,  porque    enviaram  uma  força  reduzida  para  bloqueá-lo.  Essa  força  inimiga  logo  foi  destruída  e os  finlandeses  continuaram  avançando,  de  modo  que  ao  anoitecer  estavam  a  cerca  de  2,4  km  da  junção  que leva  às  barcas  de  Haukipera.  Ao  todo,  eles  agora  controlavam  cerca  de  5  km  da  estrada  de  Raate.  Ao  norte  da aldeia,  a  pequena  força  de  ataque  conseguira  destruir  as  comunicações  russas,  mas  foi  incapaz  de  manter  a defesa  da  estrada.  Depois  de  violenta  batalha,  o  grupo  recuou  para  sua  área  de  origem.

No  dia  seguinte,  o  ataque  foi  reiniciado  sob  temperatura  tão  fria,  que  os  caminhões  tiveram  de  ficar  para  trás e  com  isso  os  homens  não  puderam  ter  uma  refeição  quente.  Contudo,  estavam  muito  animados  e empenharam-se  em  sua  tarefa  com  afinco.  Depois  de  capturar  uma  posição  inimiga  numa  pequena  colina  que dominava  a  estrada,  continuaram  avançando.

No  decorrer  do  dia,  os  russos  lançaram  tanques  contra  seus  atacantes  pela  primeira  vez.  De  inicio,  isto causou  certa  consternação  na  fileiras,  mas  quando  se  verificou  que  os  tanques  não  podiam  se  movimentar nem  atirar  pelas  florestas,  as  apreensões  diminuíram  sensivelmente.  Ao  anoitecer,  os  finlandeses  haviam chegado  à  junção  com  as  barcas  onde  o  inimigo  tinha  ocupado  uma  colina  de  onde  controlava  a  estrada.  Um ataque  àquela  colina  foi  repelido  durante  o  dia,  mas  à  noite  os  russos  abandonaram  espontaneamente  a posição  e  esta  foi  tomada  pelos  finlandeses.    então,  estes  últimos  tinham  completo  controle  da  área  e  da estrada  por  uma  extensão  de  uns  12  km.  O  plano  sem  dúvida  estava  saindo  à  perfeição  e  os  russos  se amontoavam  em  mottis,  sem  compreender  o  que  estava  acontecendo.  Naturalmente,  ignoravam  por  completo essas  táticas  anticonvencionais  e,  portanto,  não  se  sentiam  preparados  para  enfrentá-las.

No  dia  13,  os  finlandeses  atacaram  a  aldeia  de  Suomussalmi,  chegando  à  sua  extremidade  ao  anoitecer. Durante  a  noite  moveram-se  silenciosamente  em  direção  às  posições  próximas  da  frente  das  linhas  russas, em  preparativo  para  um  ataque  à  aldeia  na  manhã  seguinte.  Nesta,  os  russos  estavam  entrincheirados  nas ruínas  dos  prédios,  nos  porões  e  covas,  com  tanques  guardando  o  perímetro.  Era  contra  esse  obstáculo formidável,  que  Siilasvuo  propunha  lançar  sua  pequena  força,  que  carecia  de  canhões  antitanques  ou  de artilharia,  além  de    estar  começando  a  mostrar  sinais  de  exaustão.

Enquanto  isso,  outro  ataque  ao  norte  de  Hulkonniemi  possibilitara  estabelecer  um  ponto  de  apoio  que  deu aos  finlandeses  uma  oportunidade  de  hostilizar  o  inimigo  pela  retaguarda.  Apesar  dos  pesados  ataques  e  fogo de  artilharia  russos,  essa  força  atacante  conseguiu  manter-se  em  suas  posições  até  o  dia  18,  quando finalmente  foi  obrigada  a  recuar.  Nesse  meio  tempo,  ela  ajudou  a  aliviar  a  pressão  das  forças  que  atacavam os  russos  do  lado  sudeste  da  aldeia.

No  dia  14,  os  finlandeses  tornaram  a  atacar  as  posições  russas  em  Suomussalmi,  mas  apesar  de  furiosa  luta, não  conseguiu  romper  aquelas  linhas  inimigas.  À  medida  que  as  forças  finlandesas  penetravam  nos  arredores da  aldeia,  vez  por  outra  eram  alvo  dos  tiros  vindos  de  ninhos  de  metralhadoras  que  não  haviam  sido destruídos.  Enquanto  as  forças  principais  finlandesas  se  concentravam  na  aldeia,  outro  grupo  atravessava  o lago  norte  e  leste  dos  russos  para  mantê-lo  sob  vigilância,  temendo  que  ele  fosse  usado  como  rota  de abastecimento.

Por  volta  do  dia  18,  Siilasvuo  cancelou  os  ataques  na  área  da  aldeia,  pois  estavam  ocasionando  muitas baixas,  e  as  tropas    se  sentiam  à  beira  da  exaustão.  Mas  a  essa  altura  dos  acontecimentos,  a  163ª  Divisão estava  completamente  cercada  e  dividida  em  vários  mottis;  tudo  o  que  os  finlandeses  tinham  a  fazer  era impedi-la  de  desvencilhar-se,  até  a  chegada  de  mais  reforços.  Nesse  ínterim,  os  finlandeses  fortaleceram diligentemente  suas  posições  o  melhor  que  podiam,  preparando-se  para  novas  ofensivas.

Mais  ou  menos  ao  mesmo  tempo,  batedores  informaram  da  aproximação  de  mais  tropas  inimigas  vindo  da direção  de  Raate  e  do  norte.  Para  aumentar  sua  preocupação,  a  163ª  Divisão  estava  obviamente  preparando- se  para  fugir  à  armadilha  finlandesa.  Felizmente  os  reforços  também  estavam  a  caminho  para  os  finlandeses e,    pelo  dia  20,  duas  baterias  e  dois  canhões  antitanques  haviam  chegado.

Com  tropas  descansadas  e  com  mais  armas,  Siialsvuo  deu  ordens  para  que  seus  homens  atacassem novamente,  no  dia  20.  Uma  vez  mais,  mesmo  com  os  canhões  antitanques,  os  finlandeses  tiveram dificuldades  para  enfrentar  os  tanques.  Esses  problemas  aumentaram  pelo  fato  de  os  russos  estarem  tão  bem entrincheirados  e  se  defendendo  com  a  determinação  inerente  aos  homens  condenados.  No  fragor  da  batalha, tornou-se  claro  que  os  finlandeses  ainda  não  tinham  efetivos  suficientes  para  lidar  eficazmente  com  o inimigo,  mas  pelo  menos  sabiam  que  podiam  mantê-lo  retido  ali.

Nos  dias  21  e  22,  um  pequeno  destacamento  foi  despachado  para  destruir  uma  ponte  atrás  dos  russos  que estavam  sendo  retidos  nos  obstáculos  na  estrada  de  Raate  entre  os  lagos  Kuomas  e  Kuivas.  A  tentativa  em  si fracassou,  mas  veio  provar  que  os  russos  estavam  esperando  reforços,  porque  o  destacamento  fez  um  ataque de  surpresa  a  um  grupo  antitanque  que  acompanhava  a  força  de  ataque.  Contudo,  os  finlandeses  ainda ignoravam  a  extensão  da  ameaça  que  se  aproximava.  O  quadro  clareou  gradativamente,  mostrando  que  toda uma  nova  divisão,  a  44ª,  organização  motorizada  de  elite  do  distrito  militar  de  Moscou,  estava  a  caminho  de Raate  para  livrar  a  163ª  das  suas  dificuldades.  Nessas  circunstâncias,  o  grupo  finlandês  atacante  recuou  para trás  das  suas  próprias  linhas  para  esperar  reforços.

Apenas  duas  companhias  estavam  defendendo  a  estrada  contra  os  grupos  da  163ª  Divisão  retida  nos  lagos Kuomas  e  Kuivas  e  também  contra  a  44ª  Divisão,  que  vinha  avançando.  A  questão  era  se  essas  tropas poderiam  defender  a  linha  até  que  se  completasse  a  destruição  da  163ª  Divisão  e  que  se  pudesse  mandar

reforços  de  Suomussalmi.  De  maneira  quase  incrível,  esses  poucos  homens  realmente  superaram  os obstáculos  na  estrada  até  a  chegada  de  ajuda,  que  se  deu  umas  duas  semanas  depois.

Enquanto  isso,  Siilasvuo  reagrupara  suas  forças  em  antecipação  à  vinda  do  restante  da    Divisão  de  Oulu, que  devia  chegar  a  25  de  dezembro.  Seu  plano  agora  exigia  um  ataque  principal  a  ser  desfechado  do  oeste  e do  norte  atrás  dos  russos  retidos  em  Hulkonniemi,  enquanto  que  uma  força  menor  os  atacaria  pelo  leste.  As forças  inimigas  que  estavam  dentro  da  aldeia  propriamente  dita  seriam  retidas  por  uma  série  de  pequenos ataques  durante  a  ofensiva  principal.  Se  tudo  saísse  de  acordo  com  os  planos,  a  163ª  Divisão  seria  dividida em  mottis  sucessivamente  menores,  o  que  tornaria  inevitável  a  sua  destruição.  O  ataque  foi  marcado  para  a manhã  de  26  de  dezembro.

Contudo,  quase  todo  o  planejamento  foi  desmoronado  por  um  violento  contra-ataque  russo,  apoiado  por bombardeiros  e  caças,  contra  todas  as  posições  finlandesas,  nos  dias  24  e  25.  Embora  esse  ataque  fosse contido,  ele  obrigou  Siilasvuo  a  adiar  o  seu  até  o  dia  27,  a  fim  de  que  seus  homens  pudessem  descansar. Apesar  das  duas  semanas  de  duro  combate  e  da  resultante  fadiga  dos  finlandeses,  o  ataque  começou  às primeiras  horas  do  dia  27  e  se  estendeu  por  dois  dias.  As  operações  ao  norte  da  aldeia  logo  romperam  a  linha de  frente  russa  e  dividiram  as  forças  inimigas  em  grupos  menores;  selvagens  contra-ataques  de  nada  lhe valeram,  além  de  maior  número  de  baixas.  Na  noite  de  27,    os  russos  estavam  aglomerados  numa  pequena área  com  pouco  suprimentos  e  menos  esperança  de  conseguir  uma  vitória.

Durante  o  primeiro  dia  da  batalha,  o  reconhecimento  aéreo  informou  estar  havendo  importantes  preparativos na  44ª  Divisão  para  romper  o  obstáculo  da  estrada  e  ajudar  a  163ª.  Esses  relatórios  causaram  considerável ansiedade,  até  que  um  novo  batalhão  chegou  mais  tarde  naquele  mesmo  dia  e  foi  despachado  para  reforçar  o obstáculo.  Com  grande  dificuldade  a  estrada  foi  defendida  contra  o  ataque  russo  do  dia  seguinte.

No  dia  28,  os  finlandeses  fizeram  uma  penetração  decisiva  nas  linhas  meridionais  inimigas  em  Hulkonniemi. Esse  acontecimento  causou  pânico  aos  russos,  que  empreenderam  a  fuga  pelo  gelo  do  lago  Kianta.  Outro pânico  foi  provocado  em  Suomussalmi  e  não  demorou  para  que  quase  toda  a  divisão,  exceto  um  terço  dela, que  estava  cercado  ao  norte  de  Hulkonjiemi,  estivesse  em  fuga  através  do  gelo  sob  a  proteção  dos  tanques que  lhes  restavam,  enquanto  os  finlandeses  a  perseguiam  em  esquis  e  a  metralhava  do  ar.  Somente  umas poucas  e  reduzidas  unidades  sobreviveram  a  essa  derrota.

No  dia  seguinte,  os  restos  da  163ª  receberam  o  mesmo  tratamento.  Contudo,  com  um  terço  da  divisão inimiga  ainda  passível  de  combate,  Siilasvuo  não  se  sentia  livre  para  mandar  mais  de  um  batalhão  para reforçar  o  obstáculo;  no  entanto,  continuou  resistindo.  Embora  cercados,  os  russos  restantes  da  163ª  fizeram um  esforço  inaudito  para  tentar  romper  o  sítio,  mas  apenas  alguns  destacamentos  espalhados  o  conseguiram.

Quando  o  dia  terminou,  a  163ª  Divisão  ucraniana  estava  completamente  destruída,  sem  qualquer  alternativa. No  campo  de  batalha  havia  espalhados  5.000  mortos  e  incontáveis  outros  sepultados  na  neve,  como  também foram  feitos  500  prisioneiros.  Os  despojos  foram  impressionantes  e  representavam  excelente  acréscimo  ao esforço  de  guerra  finlandês.  Incluíam  25  canhões  de  campanha,  11  tanques,  150  caminhões,  250  cavalos  e quantidades  enormes  de  fuzis  e  munição.

Embora  submetidos  ao  máximo  da  resistência  física  e  mental,  os  soldados  finlandeses  não  tiveram  trégua. Depois  de  algumas  horas  de  repouso,  retornaram  à  luta,  dessa  vez  contra  a  44ª  Divisão,  que  agora  sentiria  o peso  da  eficiência  da  tática  dos  mottis.

A  tática  dos  mottis  consistia  de  um  processo  tríplice:  reconhecimento  e  bloqueio,  seguido  de  ataque  e isolamento  e  por  fim  o  aniquilamento.  O  primeiro  estágio  fora  completado  enquanto  a  luta  urgia  em Suomussalmi.  Agora  com  sua  coluna  estendendo-se  por  mais  de  32  km  de  estrada,  indo  até  Raate,  a  44ª Divisão  era  um  alvo  excelente  para  os  segundo  e  terceiro  estágios.  Contudo,  o  emprego  do  processo  dos mottis  não  seria  tão  simples  como  parecia,  porque  os  russos  estavam  entrincheirados  em  ambos  os  lados  da estrada  a  fim  de  se  protegerem  contra  as  patrulhas  inimigas,  e  se  utilizavam  dos  tanques  para  manter  suas comunicações  desimpedidas.  Por  uma  extensão  de  400  metros  de  ambos  os  lados  da  estrada,  eles  haviam derrubado  árvores  para  formar  um  amortecedor  entre  eles  e  os  guerrilheiros  finlandeses  que  atacavam  dia  e noite  sob  a  proteção  das  florestas.  Os  russos  não  se  atreviam  a  se  afastar  muito  dos  seus  próprios  perímetros e  suas  patrulhas  raramente  penetravam  os  bosques.  Observou-se  na  época  que  os  russos  sofriam  de claustrofobia  quando  entravam  num  pequeno  bosquedo.  Devido  a  sua  falta  de  reconhecimento  pelos arredores,  os  russos  não  podiam  avaliar  o  tamanho  da  força  atacante;  obviamente  acreditavam  que  ela ultrapassava  a  realidade,  pois  se  abstiveram  de  fazer  grandes  esforços  no  intuito  de  se  livrarem  da  armadilha. Além  disso,  como  as  comunicações  entre  as  duas  divisões  inimigas  estavam  cortadas,  os  comandantes  da  44ª provavelmente  ignoravam  a  extensão  do  desastre  ocorrido  com  a  163ª  Divisão.

Para  a  realização  dos  objetivos  das  tropas  de  Siilasvuo,  o  terreno  e  suas  condições  eram  perfeitos.  Cerca  de  3 a  5  km  ao  sul  da  estrada  havia  um  comprido  lago  que  servia  de  rodovia  e  pelo  qual  eles  podiam  mover-se despercebidos  em  direção  às  posições  de  ataque  ao  longo  das  linhas  inimigas.  Do  lago,    precisavam atravessar  os  bosques  até  a  distância  de  ataque  das  posições  russas.  Assim,  apesar  de  1.20  m  de  neve  e  sob temperaturas  glaciais,  os  finlandeses  não  tiveram  qualquer  dificuldade  em  se  prepararem  para  o  ataque.

Na  véspera  do  Ano  Novo,  o  ataque  começou  por  um  assalto  contra  as  posições  inimigas  logo  atrás  da barricada.  O  objetivo  era  isolar,  bem  como  sondar  os  russos.  No  dia  2,  o  ataque  foi  renovado,  mas  enfrentou rigorosa  resistência,  especialmente  dos  tanques.  Felizmente,  o  restante  da    Divisão  chegou  naquele  dia, tendo  terminado  operações  de  limpeza  ao  norte  de  Suomussalmi.  Utilizando-se  dessas  forças  adicionais,  os finlandeses  puderam  completar  o  isolamento  do  grupo  avançado  do  inimigo,  do  resto  da  coluna.

No  dia  5,  teve  inicio  o  ataque  geral  por  toda  a  extensão  da  coluna  inimiga,  com  o  objetivo  de  dividir  os russos  em  mottis  manejáveis.  Derrubaram-se  árvores  e  construíram-se  abatis  sobre  a  estrada,  com  minas  e canhões  para  defendê-los.  Era  impossível  aos  tanques  se  desviarem  dos  obstáculos,  por  causa  da  potência  de fogo  dos  finlandeses,  da  neve  profunda  e  das  florestas  densas.  Os  tanques  lançados  contra  os  abatis  eram destruídos  e  acrescentado  ao  bloqueio.  Pelo  final  do  primeiro  dia  do  ataque  geral,  a  44ª  Divisão  foi  secionada em  vários  pontos,  de  modo  que  os  segmentos  individuais  eram  incapazes  de  se  ajudarem  mutuamente.  Pelos segundo  dia,  os  soldados  russos  davam  sinais  de  nervosismo,  e  quando  os  ataques  finlandeses  reiniciaram, eles  fugiram  para  as  matas,  sem  qualquer  tentativa  de  repelir  os  atacantes.  Aproveitando-se  da  vantagem,  os finlandeses  ocuparam  as  posições  russas  e  pelo  anoitecer  haviam  destruido  virtualmente  todos  os  mottis.  No dia  seguinte,  as  operações  finais  eliminaram  a  44ª  Divisão  e  somente  uns  poucos  destacamentos  espalhados escaparam  para  contar  a  história.

Quando  se  fez  um  levantamento  dos  resultados  desses  ataques,  verificou-se  que  o  despojo  incluía  43  tanques, 50  canhões  de  campanha,  25  armas  antitanques,  270  caminhões,  carros  e  tratores,  300  metralhadoras,  6.000 fuzis,  32  cozinhas  de  campanha  e  1.700  cavalos.  Não  se  pôde  contar  as  baixas  inimigas,  porque  os  corpos estavam  por  demais  espalhados  e  em  sua  maioria  achavam-se  sepultados  na  neve.  Os  prisioneiros  somavam 1.300.  As  baixas  finlandesas  em  Suomussalmi  e  na  estrada  de  Raate  foram  de  900  mortos  e  1.770  feridos.

A  destruição  das  163ª  e  44ª  Divisões  russas  foi  de  valor  decisivo  para  as  operações  inimigas  do  Norte. Durante  o  resto  da  guerra  não  se  fizeram  quaisquer  outras  tentativas  de  dividir  a  Finlândia  em  duas  partes. Assim,  os  finlandeses  puderam  transferir  muitas  da  unidades  do  Ártico  para  a  frente  da  Carélia.  Essas vitórias  foram  o  resultado  de  um  comando  arrojado  e  enérgico,  que  usou  as  tropas,  o  terreno  e  as  condições  e deles  retirou  a  melhor  vantagem  possível.  Nos  anais  da  guerra,  temos  de  procurar  nos  tempos  clássicos  os paralelos  para  esse  aniquilamento  de  tão  grandes  números  por  tão  poucas  unidades.

Enquanto  a  destruição  das  divisões  russas  em  Suomussalmi  estava  ocorrendo,  a  linha  de  defesa  em  Kuhmo conseguia  manter  a  54ª  Divisão  russa  num  impasse.  Depois  de  completar  as  operações  em  Suomussalmi,  a  9ª Divisão  finlandesa  foi  transferida  para  Kuhmo  a  fim  de  começar  ali  o  mesmo  processo.  Os  primeiros destacamentos  chegaram  a  26  de  janeiro.  Uma  vez  mais,  o  plano  de  batalha  era  cortar  as  colunas  inimigas  em grupos  isolados  pelo  uso  de  unidades  móveis  de  esquiadores  e  de  operações  de  golpes  de  mão,  provocando desse  modo,  um  clima  permanente  de  incerteza,  medo  e  depressão.

Como  a    Divisão  agora  se  preparava  para  as  operações  em  Kuhmo,  suas  experiências  em  Suomussalmi eram  de  valor  inestimável.  Do  norte  da  rodovia  principal  dominada  pelo  inimigo,  os  finlandeses  começaram a  promover  melhoramentos  numa  estrada  que  os  colocaria  numa  posição  logo  atrás  dos  russos.  Toda  essa atividade  passou  despercebida  pelos  russos,  pois  os  finlandeses  desenvolviam  seu  trabalho,  de  preferência  à noite.  Ao  longo  da  estrada  eles  armazenaram  suprimentos  e  instalaram  barracas  isoladas  e  preparadas  para abrigar  os  soldados  cansados  da  batalha  e  ansiosos  por  uma  cama  acolhedora.  Também  se  construíram alguma  trincheiras  como  medida  de  defesa.

A  28  de  janeiro,  o  golpe  foi  desfechado  por  uma  pequena  força  que  se  movia  contra  os  grupos  inimigos estacionados  mais  próximos  de  Kuhmo.  Os  russos  resistiram  obstinadamente  e  o  ataque  pareceu  um  tanto indeciso,  mas  foi  o  suficiente  para  impedir,  de  uma  vez  por  todas,  o  avanço  russo  contra  a  própria  cidade  de Kuhmo.

O  ataque  geral  contra  as  posições  russas  atrás  da  barricada  teve  inicio  no  dia  seguinte.  Um  batalhão,  dividido em  dois  grupos,  aproximou-se  do  norte,  enquanto  três  outros  batalhões,  movendo-se  em  duas  colunas, avançavam  pela  margem  sudeste  do  lago  Sauna.  As  duas  forças  atacantes  chegaram  à  estrada,  mas  o  grupo do  norte  foi  detido  antes  que  assumisse  o  controle  da  seção  que  lhe  estava  designado.  Sem  saber,  ela  topara com  o  posto  de  comando  avançado  russo,  cujas  defesas  não  pôde  romper.  As  duas  colunas  do  sudeste  se separaram:  um  batalhão  seguiu  para  o  sudeste  pela  estrada,  com  a  missão  de  bloqueá-la  naquela  direção;  os outros  dois  batalhões  dirigiram-se  para  o  noroeste,  com  o  objetivo  de  envolver  as  posições  russas  naquela direção.  O  trecho  da  estrada  entre  esses  dois  grupos  logo  ficou  livre  de  tropas  inimigas  e  as  comunicações entre  os  grupos  de  frente  e  de  retaguarda  da  coluna  inimiga  foram  interrompidas.

Contudo,  não  demorou  muito  para  que  os  dois  grupos  finlandeses  encontrassem  bunkers  construídos  pelos russos  e  que  foram  fortemente  defendidos  por  seu  ocupantes.  Além  disso,  surgiram  tanques  russos,  que vieram  criar  complicações  para  os  finlandeses,  mas  estes,  dessa  vez,  usaram  contra  os  tanques  os  canhões antitanques  russos  capturados.  O  maior  problema,  entretanto,  era  representado  pelos  bunkers  de  toras,  porque se  mostravam  quase  impenetráveis  aos  disparos  dos  lançadores  de  granadas  e  não  havia  canhões  suficientes para  destruí-los.  Os  finlandeses  realmente  usaram  os  canhões  antitanques  contra  os  pontos  fracos  dos bunkers,  mas  essa  tática  teve  sucesso  apenas  parcial,  sendo  por  isso  impossível  arrasar  por  completo  as posições  russas.

Mesmo  com  todos  esses  reveses,  os  finlandeses  conseguiram,  nos  dias  subsequentes,  dividir  a  coluna  russa em  dez  mottis,  numa  extensão  de  26  km  de  rodovias,  mas  esse  sucesso  ainda  os  deixava  e  meio  a  sérios problemas.  Uma  das  principais  dificuldades  consistia  na  nova  estrada  de  abastecimento  finlandesa,  vinda  do norte,  que  terminava  num  ponto  entre  dois  mottis,  separados  por  apenas  800  metros.  No  começo  de fevereiro,  os  russos  conseguiram  interceptar  a  estrada  de  abastecimento  e  dominá-la  por  alguns  dias,  e  só depois  de  dois  vigorosos  contra-ataques  é  que  os  finlandeses  puderam  recapturá-la  e  abri-la  novamente.  Ao mesmo  tempo,  os  russos  resistiram  tenazmente  aos  esforços  empreendidos  para  comprimi-los  em  posições mais  concentradas,  a  fim  de  aliviar  a  pressão  exercida  sobre  as  forças  finlandesas  que  estavam  operando  na estrada  entre  os  dois  mottis.  Finalmente,  elas  obtiveram  êxito,  quando  os  mottis  oriental  e  ocidental  cederam, a  25  e  27  de  fevereiro,  respectivamente.  Mas  esses  dois  grandes  mottis  nunca  foram  completamente aniquilados,  embora  sofressem  pesadas  baixas.

Nas  operações  em  Kuhmo,  os  finlandeses  não  foram  tão  bem  sucedidos  quanto  tinham  sido  em Suomussalmi,  mas  convém  lembrar  que  os  russos  foram  mais  belicosos  em  Kuhmo.  Alimento,  forragem, munição  e  gasolina  foram  lançados  de  avião  para  a  coluna  sitiada,  enquanto  que  expedições  de  ajuda  da  sua 23ª  Divisão,  apoiada  por  tanques  e  artilharia,  continuavam  sendo  ameaça  constante  para  as  operações finlandesas,  exigindo  muito  do  seu  tempo  e  energia  para  desviá-las.  Sem  aviões  para  dominar  os  ares  e  sem artilharia  suficiente  para  esmagar  os  bunkers,  os  finlandeses  não  podiam  efetivamente  realizar  seus  objetivos. Além  disso,  a  dificuldade  em  obter  suprimentos  era  tão  grande  para  os  finlandeses  quanto  para  os  russos.

Durante  o  mês  de  fevereiro,  as  forças  finlandesas  resistiram  a  vários  contra-ataques  vigorosos  dos  russos, mas  ainda  assim  conseguiram  manter  os  mottis  isolados.  Felizmente,  nessas  ocasiões,  o  inimigo  também  não conseguiu  coordenar  seus  esforços.  Por  exemplo,  num  dos  ataques,  os  tanques  inimigos  conseguiram penetrar  as  linhas  finlandesas,  mas  em  vez  de  se  dividirem  em  dois  grupos  e  atacar  em  duas  direções simultaneamente,  toda  a  força  de  tanque  seguiu  uma  única  direção.  Assim,  os  finlandeses  puderam aproximar-se  rapidamente  pela  sua  retaguarda  e  obrigá-la  a  recuar.  Este  e  outros  esforços  para  fugir  ao  cerco resultaram  em  pesadas  baixas  para  os  russos.

Num  esforço  desesperado  para  enfrentar  os  finlandeses  em    de  igualdade,  os  russos  despacharam  uma brigada  de  esquiadores  da  estrada  setentrional  através  das  florestas,  pretendendo  com  isso  libertar  seus companheiros  prisioneiros.  Segundo  Kruschev,  essa  equipe  de  esquiadores  era  uma  das  melhores  que  a URSS  tinha  a  oferecer,  e  bem  poderia  ter  sido  mesmo  -  nas  planícies  russas;  nas  florestas  da  Finlândia,  no entanto,  sua  perícia  era  insuficiente.  Nas  florestas,  a  11  de  fevereiro,  eles  entraram  em  contato  com  uma patrulha  finlandesa  e  perderam  muitos  homens  na  escaramuça  que  se  seguiu,  incluindo  50  capturados. Ignorando  esse  revés,  a  brigada  de  esquiadores  avançou  pelos  bosques  até  as  posições  finlandesas  em Kiekinkoski,  na  estrada  norte  que  leva  a  Kuhmo.  Ela  sumiu  de  vista  por  algum  tempo,  mas  conseguiu  chegar à  área  da  nova  estrada  de  abastecimento  finlandesa  por  volta  do  dia  14.  Os  esquiadores  puderam  interceptar  a estrada  temporariamente,  porque  as  únicas  forças  que  os  finlandeses  dispunham  na  área  eram  tropas  de abastecimento  e  homens  que  descansavam  das  suas  lutas  na  frente  de  batalha.  Fracas  demais  para  deter  os russos  com  uma  tentativa  de  contra-ataque,  as  tropas  de  retaguarda    podiam  mesmo  era  deixar  que  os russos  se  instalassem  em  seus  acantonamentos.

Mas  uma  companhia  reforçada  de  esquiadores  finlandeses  logo  veio  atrás  do  inimigo.  Abatendo-se  sobre  os russos,  o  grupo  avançado  atacou  antes  que  o  resto  da  companhia  chegasse,  embora  o  inimigo  parecesse muito  superior  em  potencial  humano.  Essa  superioridade  foi  diminuída  pelo  fato  de  os  fuzis  semi- automáticos  dos  russos  não  terem  funcionado  no  frio  extremo,  porque,  como  se  soube  mais  tarde,  eles  não haviam  sido  muito  cuidadosos  na  sua  limpeza.  Quando  seus  fuzis  não  disparavam,  os  russos  investiam  contra os  finlandeses  a  baioneta  calada  ou  recorriam  às  próprias  mãos.  Contudo,  durante  a  batalha,  os  finlandeses descobriram  repentinamente  que  os  russos  haviam  tomado  posição  atrás  deles.  Nessas  circunstancias, aqueles  se  viram  defendendo  precariamente  a  sua  posição  durante  a  noite,  enquanto  aguardavam  a  chegada do  restante  da  companhia.

Quando  os  esperados  finlandeses  chegaram,  a  brigada  de  esquiadores  russos  foi  obrigada  a  romper  o  contato. Com  seu  caminho  até  os  compatriotas  sitiados  bloqueado,  parte  da  brigada  russa  dirigiu-se  para  noroeste,  e ali  foi  repelida.  Outra  parte  do  grupo  seguiu  para  o  norte,  onde  foi  atacada  de  dois  lados.  Os  russos,  bastante hostilizados,  agora  fugiam  para  o  leste,  procurando  escapar.  Cerca  de  100  homens  se  perderam  e  foram mortos.  A  força  principal  permaneceu  nos  bunkers  finlandeses,  onde  foi  destruída.  Lançando  granadas  de mão  e  conclamando  aos  russos  para  se  renderem,  os  finlandeses  desfecharam  ataque  total  aos  bunkers. Quando  este  falhou,  os  bunkers  foram  incendiados,  mas  o  inimigo  ainda  assim  recusou  render-se,  tentando, em  vez  disso,  romper  através  das  linhas  finlandesas.  Os  russos,  em  sua  maioria  morreram  nessa  tentativa. Quando  tudo  terminou,  havia  mais  de  300  mortos  na  frente  dos  bunkers  e  40  corpos  nas  ruínas  calcinadas. Apenas  4  homens  se  renderam.  Numa  estimativa  final,  encontraram-se  quase  1.50  esquiadores  russos  mortos nas  florestas  finlandesas.  Um  amigo  do  autor,  Coronel  A.K.  Marttinen,  que  era  Chefe  do  Estado-Maior  de Siilasvuo  na  época,  ofereceu  uma  nota  interessante  para  esse  episódio:  ele  disse  que  quando  se  recolheram  os esquis  russos,  verificou-se  que  eram  de  qualidade  tão  inferior  que    puderam  ser  usados  como  lenha.

Pelo  final  do  mês,  os  russos  da  44ª  fizeram  um  grande  esforço  para  escapar  da  sua  entalada.  O  fogo  da artilharia  pesada  estava  sendo  cada  vez  mais  dirigido  contra  as  posições  finlandesas  em  Kuusijoki.  Depois  de uma  série  de  batalhas,  os  finlandeses  se  retiraram  das  área  e  usaram  as  tropas  para  reforçar  o  motti  em Loytavaara.  Ali,  os  russos  tentaram  várias  vezes  escapar,  mas  em  todas  elas  foram  repelidos  e  a  situação permaneceu  inalterada  até  o  fim  da  guerra.

Ao  mesmo  tempo,  tentou-se  completar  a  destruição  do  motti  perto  do  lago  Sauna.  Mas  também  ali,  o  fim  da guerra  pôde  ser  visto  antes  que  terminasse  a  operações,  embora  uma  parte  das  forças  inimigas  fosse destruída.  Os  comandantes  finlandeses  na  área  acreditavam  que  se  a  guerra  tivesse  durado  mais  um  ou  dois dias,  todo  o  motti  teria  sido  aniquilado.

Embora  as  batalhas  em  Kuhmo  terminassem  sem  triunfo  total  conseguido  em  Suomussalmi,  não  pode  haver dúvidas  de  que  os  russos  haviam  sofrido  uma  derrota  contundente.  Mas  os  finlandeses  também  sofreram proporcionalmente  mais  em  Kuhmo  do  que  em  qualquer  outro  setor,  porque  a  perda  de  oficiais  foi  maior  que o  normal  nesses  ataques,  onde  o  exemplo  pessoal  muitas  vezes  decidia  o  resultado.

Mais  ao  norte,  acima  do  Círculo  Ártico,  em  Salla  e  Petsamo,  a  invasão  russa  também  foi  detida.  Em  Salla, duas  divisões  inimigas  haviam  expulsado  o  único  batalhão  de  defesa  da  aldeia  a  9  de  dezembro.  Esse  sucesso abriu  a  estrada  para  Kemijarvi  e  Pelkosenniemi  e  limpou  o  caminho  para  um  avanço  rumo  a  noroeste  e sudoeste,  onde  essas  divisões  poderiam  unir-se  às  colunas  invasoras  de  Petsamo,  Savukosi  e  Pelkosenniemi. Entretanto,  as  escassas  forças  finlandesas  haviam  sido  reforçadas  por  um  batalhão  de  ajuda.  Com  essas poucas  tropas,  os  finlandeses  tomaram  a  iniciativa  no  dia  18  e  decidiram  a  questão  por  um  ataque  de  flanco. Os  russos  fugiram  de  volta  para  Salla,  num  pânico  cego,  deixando  para  trás  10  tanques,  40  caminhões  e várias  armas  e  munição.

Depois  disso,  o  inimigo  entrincheirou-se  em  Salla  e  a  linha  de  frente  permaneceu  calma  durante  um  mês. Houve  dois  pequenos  ataques  às  posições  vermelhas  na  estrada  Salla-Kemijarvi,  nos  dias  2  e  3  de  janeiro, mas  essas  escaramuças  não  produziram  quaisquer  resultados  importantes.  Os  russos  foram  repelidos  de algumas  partes  da  estrada,  perdendo  cerca  de  200  homens.    então,  os  soldados  finlandeses  estavam  tão exaustos  que  não  foi  possível  encetar  outros  ataques.  Retornando  às  táticas  de  guerrilha,  os  finlandeses passavam  agora  a  hostilizar  os  russos  na  retaguarda,  desbaratando  suas  linhas  de  comunicação,  seu  tráfego rodoviário  e  destruindo  as  pontes.  Diante  desses  tormentos,  os  russos  se  entrincheiraram  ainda  mais profundamente,  construindo  bunkers  enquanto  seus  tanques  patrulhavam  a  estrada  juntamente  com  alguns pára-quedistas.

A  partir  de  meados  de  janeiro,  os  finlandeses  retornaram  à  ofensiva.  Esse  ataque  conseguiu  obrigar  os  russos a  recuar  para  posições  mais  fortes  em  Markajarvi,  para  o  sudoeste  de  Salla,  onde  ficaram  até  o  fim  da  guerra. Mais  tarde,  uma  força  russa  tentou  expulsar  uns  dois  fracos  batalhões  finlandeses  da  sua  posição  na  estrada Salla-Pelkosenniemi,  mas  ela  própria  é  que  foi  repelida.

A  26  de  fevereiro,  um  grupo  de  voluntários  suecos  chegou  e  foi  encarregado  de  conter  os  russos,  enquanto  os batalhões  finlandeses  eram  transferidos  para  o  campo  de  batalha  em  Viipuri.  Embora  os  finlandeses  fossem numericamente  fracos  demais  para  empregar  a  tática  do  motti  em  Salla  com  a  mesma  eficiência  com  que tinham  feito  em  Suomussalmi,  eles  resistiram  a  um  ataque  esmagador  e  se  mantiveram  firmes  em  suas posições.  Não  se  podia  esperar  mais  deles.

O  relato  das  operações  acima  do  Círculo  Ártico  estaria  incompleto  sem  uma  breve  descrição  das  ações  na área  de  Petsamo.  O  porto  de  Petsamo  está  livre  dos  gelos,  mas  distante  uns  400  km  da  ferrovia  mais  próxima e  ligado  ao  sul  da  Finlândia    por  uma  rodovia  estreita.  Portanto,  estava  tão  longe  do  principal  teatro  de guerra,  a  ponto  de  ficar  praticamente  esquecido  durante  o  conflito.  Naturalmente,  para  os  russos,  com  suas conexões  ferroviárias  com  Murmansk  e  com  sua  esquadra  do  Ártico  nas  águas  perto  de  Petsamo,  uma invasão  da  área  era  muito  viável.  O  interesse  russo  na  área  se  baseava  em  grande  parte  nas  minas  de  níquel ali  existentes,  e  que  se  situavam  entre  as  mais  ricas  da  Europa.

Quando  a  invasão  começou,  os  finlandeses  tinham  apenas  uma  companhia,  reforçada  por  uma  bateria  de artilharia  para  defender  toda  a  região  contra  uma  divisão  russa.  As  peças  de  artilharia  datavam  de  1887  e  as poucas  reservas  disponíveis  estavam  localizadas  em  várias  aldeias.  No  começo  da  guerra,  os  russos  logo ocuparam  a  Península  dos  Pescadores  e  então  avançaram  para  o  sul  em  três  colunas,  levando  tudo  de  roldão. Contudo,  o  clima  extremamente  rigoroso  e  as  táticas  tipo  guerrilha  finlandesa  detiveram  o  avanço.  Os  russos então  se  entrincheiraram,  com  seus  tanques  protegendo  o  perímetro  das  suas  defesas.  Por  volta  de  18  de janeiro,  a  frente  foi  estabilizada  em  Nautsi,  onde  permaneceu  até  o  fim  da  guerra.

A  Ofensiva  de  Fevereiro:

Depois  de  sofrer  tremendas  derrotas  no  Istmo  da  Carélia  durante  o  mês  de  dezembro,  os  russos permaneceram  relativamente  inativos  por  todo  o  mês  de  janeiro,  embora  se  esperasse  que  eles  lançassem imediatamente  tudo  o  que  tinham  num  novo  ataque  para  recuperar  seu  arrasado  prestígio.  Em  vez  disso, passaram  o  mês  transportando  grandes  quantidade  de  artilharia,  de  munição  e  de  equipamento,  juntamente com  várias  novas  divisões  para  suas  posições  de  retaguarda.  Ao  mesmo  tempo,  ampliaram  e  melhoraram  sua rede  de  comunicações  no  Istmo.  Outra  razão  para  a  calma  reinante  foi  a  mudança  de  comando  que  se  deu após  as  primeiras  derrotas.  K.E.  Voroshilov,  Comissário  da  Defesa,  foi  substituído  pelo  Marechal  Smeyon Timoshenko,  que  também  foi  nomeado  Comandante-Chefe  das  forças  vermelhas  que  operavam  no  Istmo. Timoshenko  era  um  comandante  meticuloso  e  sistemático  que  não  despendia  suas  energias  e  esforços inutilmente.  Também  é  verdade  que  os  estrategistas  russos  provavelmente  estavam  esperando  uma penetração  ao  norte  do  lago  Ladoga,  o  que  teria  representado  o  cerco  das  forças  finlandesas  no  Istmo  e  a interrupção  das  suas  ligações  ferroviárias  com  a  Suécia.

Durante  o  mês  de  janeiro,  os  russos  usaram  expedições  de  reconhecimento  e  balões  para  determinar  as posições  dos  embasamentos  de  artilharia  e  dos  bunkers  finlandeses,  e  a  informação  que  colheram  melhorou sensivelmente  a  precisão  da  sua  artilharia.  Durante  todo  o  mês,  as  posições  finlandesas  foram  submetidas  a bombardeios  de  terra  e  ar.  Atrás  das  linhas,  as  tropas  russas  eram  submetidas  a  treinamento  intensivo  para  o futuro  ataque;  parte  desse  treinamento  incluía  assaltos  a  vários  setores  das  linhas  finlandesas  e  esses  ataques práticos  eram  claramente  mais  bem  organizados  do  que  os  de  dezembro:  somente  depois  de  um  bombardeio intensivo  para  debilitar  as  posições  finlandesas  é  que  a  infantaria  avançava,  mas    em  estreita  cooperação com  unidades  blindadas.

Para  as  tropas  finlandesas  o  período  de  espera  foi  desmoralizante,  não    devido  à  incerteza  mas  também  por causa  dos  constantes  bombardeios  aéreo  e  de  artilharia.  As  comunicações  finlandesas  de  campanha  foram virtualmente  destruídas,  muitas  das  casamatas  de  concreto  foram  reduzidas  a    e,  durante  o  dia,  nenhum homem  sozinho  podia  aventurar-se  a  sair  sequer  atrás  das  linhas  devido  aos  ataques  aéreos.  Com  o  passar dos  dias,  tornou-se  cada  vez  mais  necessário  realizar  os  movimentos  e  atividades  à  noite.  Os  fogos  acesos nas  barracas  e  bunkers  tinham  que  ser  apagados  ao  anoitecer,  apesar  das  temperaturas  baixíssimas.  Ao mesmo  tempo  as  operações  da  artilharia  finlandesa  foram  seriamente  prejudicadas.

Em  ambos  os  lados,  o  reagrupamento  e  a  reorganização  foram  realizados  durante  o  período  de  espera.  Os finlandeses  retiraram  a    Divisão  da  linha,  substituindo-a  pela  6ª,  agora  rebatizada  como  a    Divisão.  Para  a 5ª  Divisão  foram  destacadas  várias  unidades  independentes  e  essa  força  tornou-se  a  reserva  principal.  A  21ª Divisão  foi  combinada  com  a    e  posicionada  ao  longo  da  extremidade  oriental  do  Istmo  como  a  reserva  da do  Comandante-Chefe.  Do  lado  russo,  Timoshenko  dividiu  suas  forças  no  Istmo  pelos    e  13°  Exércitos.  No norte,  os  9°,  14°  e  18°  Exércitos  russos  foram  combinados  num  único  grupo  de  exércitos,  sob  o  comando  do Marechal  Stern.

Quando  o  ataque  russo  começou,  a    de  fevereiro,  concentrou-se  principalmente  no  lado  ocidental  do  Istmo, sobretudo  contra  as  defesas  do  setor  de  Summa.  À  época,  as  forças  adversárias  estavam  deslocadas  da seguinte  maneira:  da  costa  do  Golfo  da  Finlândia  até  Suokanta,  a    Divisão  finlandesa  enfrentava  três divisões  russas:  as  43ª,  138ª  e  70ª;  de  Suokanta  até  a  ferrovia,  a    Divisão  se  opunha  às  123ª  e  90ª  Divisões  e a  40ª  Brigada  de  tanques  inimigas;  da  ferrovia  até  o  lago  Muola,  a    Divisão  finlandesa  confrontava  a  24ª Divisão  vermelha;  do  lago  Muola  até  Vuoksi,  a    Divisão  defendia  a  linha  contra  as  136ª  e  142ª  Divisões russas;  a    Divisão  finlandesa  defendia  posições  de  Vuoksi  até  Sakkola  contra  a    Divisão  russa,  mas provavelmente  também  havia  outros  contingentes  russos  nesse  último  local;  a    Divisão  defendia  o  Setor  de Sakkola  até  o  lago  Ladoga  contra  as  49ª  e  150ª  Divisões  soviéticas.  Atrás  das  linhas,  os  russos  tinham  como reserva  um  corpo  de  tanques  de  exército  e  pelo  menos  três  divisões  de  infantaria.  Contra  essas  forças,  os finlandeses    puderam  preparar  as    e  21ª  Divisões  como  reservas  estratégicas.

Às  primeiras  horas  de    de  fevereiro,  teve  inicio  a  mais  violenta  barragem  de  artilharia  desfechada  até então;  nos  céus,  cerca  de  500  bombardeiros  também  surgiram  para  o  ataque.  O  reconhecimento  aéreo finlandês  informou  que  os  russos  tinham  104  baterias  em  ação,  ou  cerca  de  400  canhões  de  campanha.  Os russos  estavam  tão  confiantes  de  que  a  força  aérea  e  a  artilharia  finlandesas  não  poderiam  prejudicá-los,  que nem  sequer  se  deram  ao  trabalho  de  camuflar  suas  posições  de  tiro.

Ao  meio  dia,  os  tanques  avançaram  para  as  linhas  finlandesas,  empurrando  rolos  à  sua  frente  para  fazer detonar  minas  e  rebocando  trenós  blindados  cheios  de  soldados  de  infantaria.  Aparentemente,  a  experiência os  ensinara  a  utilizar  com  mais  eficiência  a  versatilidade  inerente  do  tanque.  Eles  também  usaram  lança- chamas  pela  primeira  vez.  Outros  soldados  de  infantaria  vinham  a    atrás  dos  tanques,  ocultos  por  trás  de cortinas  de  fumaça  e  escudos  blindados.

Nesse  ataque,  os  tanques  inimigos  operaram  com  mais  cautela  do  que  anteriormente;  eles  não  tentaram  fazer penetrações  profundas  nas  linhas  finlandesas,  mas  concentraram  seus  esforços  em  isolar  os  bunkers  de concreto  e  os  ninhos  de  metralhadoras  e  em  bloquear  as  aberturas  pelas  quais  os  finlandeses  disparavam. Eles  deram  particular  atenção  às  armadilhas  para  tanques  e  aos  obstáculos  de  arame  farpado,  procurando destruí-los.    no  dia  anterior,  pára-quedistas  haviam  sido  lançados  atrás  das  linhas  finlandesas  para  essa mesma  finalidade.  Num  setor,  os  finlandeses  combateram  uma  unidade  aerotransportada  durante  todo  o primeiro  dia  da  batalha,  mas  não  se  fez  amplo  uso  de  pára-quedistas  no  decorrer  da  Guerra  de  Inverno.

A  batalha  prosseguiu  intensa  durante  todo  o  dia  e  noite  adentro.  Embora  os  russos  recebessem  suprimento constante  de  substitutos  para  os  que  tombavam,  os  ataques  foram  repelidos  ao  longo  de  toda  a  linha. Contudo,  não  podia  haver  dúvida  de  que  as  posições  finlandeses  tinham  levado  uma  surra.  Muitos  dos bunkers  de  concreto  foram  irreparavelmente  danificados;  embasamentos  de  artilharia  e  ninhos  de metralhadoras  foram  arruinados  e,  em  muitos  lugares  completamente  destruídos,  sendo  que  os  trabalhos  de reparo  durou  toda  a  noite,  apesar  do  bombardeio  quase  contínuo  e  que  estava  dirigido  especialmente  contra as  linhas  de  frente,  mas  que  também  atingiam  erraticamente  as  estradas  na  retaguarda.

Essa  batalha  representou  apenas  o  levantar  do  pano  para  os  ataques  que  viriam.  Houve  alguns  dias  de  relativa calma,  durante  os  quais  realizaram-se  pequenas  ações  de  sondagem,  mas  estas  foram  facilmente  repelidas. Contudo,  no  dia  5,  o  inimigo  passou  ao  ataque  e  tornou  a  concentrar  seus  esforços  principais  no  setor  de Summa.  Uma  vez  mais,  uma  canhonada  contínua  durante  a  noite  precedeu  o  ataque  e  quando  este  se realizou,  foi  com  toda  força,  mas  os  finlandeses  repeliram  o  invasor,  que  deixou  14  tanques  no  campo  de batalha.

No  dia  6,  o  ataque  se  generalizou  ao  longo  de  toda  a  frente,  mas  com  o  avanço  principal  ainda  contra Summa.  Durante  os  5  dias  seguintes,  os  finlandeses  agüentaram  tudo  que  vinha  dos  russos.  Bombardeados do  ar  e  pela  artilharia,  dia  e  noite,  e  sob  ataque  contínuo  da  infantaria  durante  o  dia,  o  finlandeses mantiveram  suas  posições  com  feroz  determinação.  Durante  um  período  de  24  horas,  os  russos  dispararam umas  300.000  granadas  contra  as  linhas  finlandesas.

Incapazes  de  romper  as  defesas  de  Summa,  os  russos  desviaram  seus  esforços  principais  para  o  setor  de Lahde,  no  dia  11.  Simultaneamente  foram  desfechados  ataques  intensivos  por  todo  Istmo  e  também  sobre  o gelo  do  Golfo  da  Finlândia  e  do  lago  Ladoga.  Estes  últimos  foram  uma  tentativa  de  fazer  recuar  os  flancos das  defesas  finlandesas.  Várias  brechas  foram  abertas  na  linha,  mas  com  a  ajuda  das  reservas  locais,  logo foram  fechadas.  O  uso  dessas  unidades  locais,  entretanto,  levara  o  comando  finlandês  a  depender  das    e  12ª Divisões  -  as  últimas  das  suas  reservas.

Foi  em  Lahde  que  ocorreram  os  piores  ataques.  Ali,  os  russos  haviam  concentrado  tanta  artilharia  pesada, que  os  bunkers  e  os  ninhos  de  metralhadoras  foram  pulverizados.  Por  volta  da  1:00  hora,  os  bunkers  mais avançados  foram  tomados  pelo  inimigo  e  foi  preciso  pedir  reforços  à    Divisão.  Naquela  tarde,  dois  canhões de  campanha  Bofors  da    Divisão  chegaram  ao  local,  mas  não  veio  nenhuma  tropa.  Por  volta  das  19:30 horas  os  tanques  e  a  infantaria  inimigos  despejaram-se  sobre  as  posições  finlandesas  e  penetraram  cerca  de 1.600  metros  até  as  posições  de  retaguarda.  Ao  mesmo  tempo,  as  levas  sucessivas  dos  atacantes  começaram a  fazer  recuar  as  defesas  finlandesas  dos  lados  da  brecha.  Entre  o  inimigo  e  Viipuri  estavam  apenas  uma poucas  reservas  fracas  do  II  Corpo  de  Exércitos.

A  arremetida  prosseguiu  ininterrupta  noite  adentro.  Uma  tentativa  de  contra-ataque  feita  naquela  noite  pela defesa  de  Lahde  fracassou  por  falta  de  reforços.  Somente  no  dia  seguinte  é  que  as  reservas  puderam  chegar àquela  zona,  mas  mesmo  estas  mostraram-se  inadequadas,  pois    havia  um  regimento  disponível.  O  resto das  unidades  de  reserva  teve  de  ser  desviado  para  o  setor  de  Summa  a  fim  de  sustentar  a  linha  local  que estava  vacilando.  Outra  brecha  foi  aberta  na  linha  a  nordeste  de  Merkki  naquela  noite  e  no  dia  seguinte,  e  o inimigo  começou  a  avançar  para  leste.  Esse  desenvolvimento  teria  sérias  ramificações  mais  tarde,  pois derrubou  a  pedra  angular  do  contra-ataque  finlandês  no  dia  seguinte.

Felizmente,  o  resto  da  linha  ainda  estava  resistindo  quando  a  noite  caiu.  mas  a  tensão  sobre  as  tropas  de  linha de  frente  começava  a  se  fazer  sentir.  A    Divisão,  na  linha    um  mês,  estava  tão  exausta  que  seus  homens mal  podiam  manter  os  olhos  abertos,  mesmo  diante  dos  tanques  que  avançavam.  Portanto,  a  divisão  foi substituída  pela    no  dia  13,  o  que  significava  que  não  havia  mais  quaisquer  reservas  estratégicas  atrás  da seção  de  Summa,  e  também  que  não  haveria  nenhuma  durante  uma  ou  duas  semanas,  até  que  os  homens  da 3ª  Divisão  estivessem  descansados.

No  dia  13,  os  russos  mandaram  tropas  descansadas  para  aumentar  a  brecha  na  frente  de  Lahde,  onde  os finlandeses    haviam  iniciado  seu  contra-ataque  naquela  manhã.  Parte  da  brecha  foi  fechada,  mas  como  não havia  mais  reservas  disponíveis,  o  que  se  ganhara  durante  o  dia  foi  perdido  naquela  noite.  Um  fator  que complicou  a  operação  finlandesa  foi  a  presença  de  esquiadores  russos,  cuja  localização  era  difícil  e  que também  serviam  para  aumentar  a  confusão  da  batalha.

No  local  da  brecha,  os  russos  concentraram  tantos  soldados  e  apareceram  tão  depressa  que  os  defensores próximo  do  Merkki  foram  esmagados  em  seus  bunkers  quando  o  inimigo  começou  a  vencê-los  pelos  flancos. Embora  sofressem  baixas  terríveis,  os  russos  continuaram  a  atacar  o  setor  com  tanques  e  infantaria  até  que, pelo  fim  da  tarde,  os  bunkers  se  achavam  completamente  inutilizados.  Do  lado  leste,  a  linha  foi  rasgada  e  a infantaria  russa,  liderada  por  50  tanques,  se  despejou  pelo  buraco  aberto.  Os  finlandeses  lançaram  seus últimos  batalhões  de  reservas,  mas  estavam  virtualmente  indefesos  contra  os  tanques  e  o  número  esmagador de  russos.

A  ruptura  das  linhas  obrigou  os  finlandeses  a  cancelar  seu  contra-ataque  e  a  recuar  para  posições  ao  norte  do lago  Summa.  Naquele  setor,  os  russos  haviam  reforçado  e  ampliado  muito  seu  ataque.  Era  evidente  que  a batalha  estava  favorável  para  o  inimigo.  Mesmo  os  obuseiros  pesados  e  os  veículos  de  tropas  na  área  tinham sido  perdidos.  Embora  os  obuseiros  fossem  antigos,  tendo  servido  na  guerra  russo-japonesa,  sua  perda  fora séria  para  os  finlandeses.

Durante  a  noite,  os  russos  penetraram  ainda  mais  nas  linhas  finlandesas  até  estarem  a  cerca  de  3  km  atrás  das posições  principais.  Nesse  ponto,  a  infantaria  russa  que  estava  na  brecha  ainda  não  estava  bastante  forte  para capitalizar  sobre  a  situação,  mesmo  com  o  apoio  dos  tanques.  Por  outro  lado,  os  finlandeses  não  tinham  os efetivos  para  repeli-la.  No  dia  14,  os  russos  aumentaram  a  brecha  em  Lahde  e  ameaçaram  fazer  recuar  toda  a linha  de  defesa  de  Summa.  As  tropas  na  área  imediatamente  ameaçada  foram  retiradas  para  posições secundárias  a  alguma  distância  na  retaguarda.

Não  havia  dúvida  de  que  o  inimigo  ampliaria  o  bolsão  na  linha  no  dia  seguinte  e  os  comandantes  finlandeses enfrentavam  a  difícil  decisão  entre  ordenar  uma  retirada  geral  para  uma  linha  secundária  ou  não. Mannerheim  foi  ate  a  frente  no  dia  14  para  consultar  os  seus  comandantes-de-campanha;  depois  de  muita discussão,  resolveu-se  retirar  todas  as  tropas  para  a  extremidade  ocidental  do  Istmo,  para  as  linhas secundárias,  muito  embora  essas  posições    tivessem  uns  poucos  pontos  bem  fortificados.

Enquanto  isso,  estava-se  arranjando  reservas  em  todas  as  frentes  possíveis  e  até  mesmo  a  marinha  foi chamada  a  enviar  dois  regimentos  para  a  frente  perto  de  Summa.  O  62°  RI  da  21ª  Divisão  que  estava  perto  de Taipale  recebeu  ordens  de  ir  para  a  extremidade  ocidental  do  Istmo,  no  dia  13.  Mas,  devido  às  incursões  de bombardeio,  essas  tropas,  que  viajavam  em  carros  abertos  numa  temperatura  de  -30°C,  atrasaram-se  na ferrovia  e    chegaram  no  dia  14.  Um  batalhão  do  Corpo  de  Defesa  formado  quase  que  inteiramente  de jovens,  havia  sido  reunido  em  Viipuri  e  estava  a  caminho  da  frente  em  automóveis,  mas    chegou    depois de  se  ter  dado  a  retirada.  Mais  tarde,  a  23ª  Divisão,  recentemente  despachada  para  a  frente  de  Kollaa,  foi chamada  de  volta  ao  Istmo.  Enquanto  os  russos  manejavam  divisões,  os  finlandeses  manipulavam  batalhões.

No  dia  15,  os  ataques  inimigos  prosseguiram  contra  o  setor  de  Lahde;  os  russos  logo  venceram  as  defesas restantes  e  então  avançaram  para  o  norte.  À  medida  que  a  situação  piorava,  durante  o  dia  outra  brecha  foi aberta  nas  linhas  na  estrada  Kamara;  era  evidente  a  necessidade  de  uma  retirada  total  da  costa  para  o  lago Muola  e  a  ordem  de  retirada  foi  dada  às  3:30  horas.

Felizmente,  os  russos  não  desfecharam  quaisquer  grandes  ataques  durante  os  dias  seguintes,  o  que  permitiu aos  finlandeses  chegar  às  novas  posições  em  boa  ordem.  Não  obstante,  a  estrada  para  Viipuri  agora  estava aberta  ao  inimigo.  Obsedados  por  esta  sombria  realidade,  os  comandantes  finlandeses  pesavam  na  questão mais  proeminente  no  seu  espírito;  durante  quanto  tempo  seus  homens  esgotados  resistiriam  nas  novas posições?  Contudo,  independente  da  gravidade  da  situação  no  centro  da  linha,  suas  extremidades  haviam resistido  e  toda  tentativa  do  inimigo  de  envolver  as  defesas  finlandesas  pelas  extremidades  fora  frustrada.  Na costa  do  Golfo  da  Finlândia,  as  baterias  costeiras,  especialmente  as  situadas  em  Koivisto,  haviam  provado seu  valor,  obrigando  os  russos  a  recuar  através  do  gelo.  Agora,  mesmo  essas  posições  teriam  de  ser abandonadas  nos  próximos  dias.

A  retirada  apresentava  alguns  problemas  muito  difíceis,  pois  a  maior  parte  teria  de  ser  feita  à  luz  do  dia, expondo  assim  os  homens  a  incursões  aéreas  e  ataques  de  tanques.  Mas  pelo  dia  18,  a  maioria  dos  soldados já  estava  em  suas  novas  posições.  Somente  Koivisto  e  as  ilhas  que  a  cercavam  ainda  estavam  guarnecidas  e enviou-se  um  regimento  adicional  para  reforçar  as  tropas    no  local,  pois  as  baterias  de  Koivisto  eram importantes  para  a  proteção  da  ala  direita  da  linha  finlandesa  durante  a  retirada.  No  dia  21,  as  tropas  foram retiradas  de  Koivisto.  A  linha  de  defesa  ia  então  desde  a  ilha  Lasi  na  baía  de  Viipuri,  dirigindo-se  quase  para leste  até  a  ferrovia,  onde  se  desviava  para  sudeste,  em  direção  à  extremidade  norte  do  lago  Muola  e,  dali, para  o  canal  Vuoksi.

Cabia  à    Divisão  a  responsabilidade  de  defender  o  setor  mais  próximo  da  costa,  que  mostrou  ser  a  mais crítica  nos  dias  seguintes.    na  noite  de  17,  o  inimigo  travou  contato  com  as  novas  posições.  No  ataque  do dia  seguinte,  os  russos  realizaram  pequena  penetração  em  Yla-Somme,  a  pouca  distância  para  o  interior,  que lhes  permitiu  ocupar  alguns  prédios  de  pedra,  de  onde  foi  muito  difícil  desalojá-los.  Nessa  aldeia,  como  em Summa,  os  obstáculos  para  os  tanques  haviam  sido  colocados  muito  longe  da  linha  de  tiro,  para  serem realmente  eficazes.

Durante  dois  dias,  o  10°  RI  resistiu  a  toda  a  força  do  ataque  inimigo,  que  era  acompanhado  por  fogo extremamente  preciso.  Como  resultado,  o  regimento  sofreu  pesadas  baixas  e  teve  de  ser  substituído  no  dia 20.  Seus  sucessores  também  sofreram  sérias  perdas,  pois  os  russos  martelavam  continuamente  as  posições  na aldeia.  Finalmente,  abriu-se  um  buraco  na  linha  logo  a  leste  da  aldeia,  mas  soldados  da  defesa,  apesar  da  sua exaustão,  se  reuniram  e  repeliram  os  russos.

Na  costa,  a  área  a  ser  defendida  era  extensa  por  causa  das  ilhas  e  enseadas  que  tinham  de  ser  vigiadas,  se  não ativamente  defendidas.  Durante  os  primeiros  dias  da  retirada,  somente  o  12°  RI  e  as  baterias  costeiras mantiveram  a  defesa  de  toda  a  área.  Quando  os  russos  deram  inicio  às  operações  ao  longo  da  costa  no  dia  18, conseguiram  logo  vencer  vários  pontos  importantes  e  obrigaram  os  adversários  a  recuar  para  Pullinniemi  e Maisala  no  dia  seguinte.  Durante  algum  tempo,  essas  posições  resistiram,  apesar  dos  furiosos  ataques  e  das comunicações    muito  instáveis  com  as  forças  principais.  Por  outro  lado,  na  ilha  de  Koivisto,  as  tropas finlandesas  estavam  virtualmente  isoladas,  tinham  pouca  ou  nenhuma  comunicação  com  o  continente  e estavam  ameaçadas  de  uma  situação  pior,  se  Pullinniemi  caísse.  À  medida  que  as  coisas  pioravam  no continente  e  os  russos  conquistavam  posições  de  onde  poderiam  submeter  a  face  leste  da  ilha  à  sua  artilharia, era  evidente  que  a  situação  se  tornava  muito  mais  grave  do  que  um  regimento  podia  controlar.

A  22  de  fevereiro,  a  ilha  de  Koivisto  foi  abandonada  depois  de  disparadas  todas  as  granadas,  de  inutilizados todos  os  canhões  e  destruídas  as  instalações  de  defesa.  Levando  o  que  podiam,  os  soldados  iniciaram  uma jornada  de  40  km  pelo  gelo  da  baía  de  Viipuri  até  Sakkijarvi,  onde  chegaram  no  dia  seguinte.  Pelo  menos uma  vez  os  deuses  da  guerra  sorriram  para  as  esgotadas  tropas  finlandesas:  quando  começaram  a  flanquear  o inimigo  desabou  uma  forte  nevasca  que  as  ocultou  aos  olhos  do  inimigo.

A  ilha  Lasi  foi  atacada  pelos  russos  na  manhã  de  23  e  capturada  antes  do  meio-dia.  Esse  acontecimento ameaçou  a  retaguarda  de  toda  a  linha  secundária,  porque  abria  caminho  para  Lihaniemi  e  a  baía  de  Viipuri. Como  a  ilha  era  por  demais  importante  para  o  sistema  de  defesa  finlandês,  tentou-se  recapturá-la  naquela noite,  mas  sem  êxito,  embora  os  finlandeses  conseguissem  defender  o  lado  norte  da  ilha  durante  algum tempo.

A  linha  secundária  não    estava  ameaçada  pelo  seu  lado  oeste  como  também  pelo  leste,  onde  os  russos quase  que  imediatamente  haviam  rompido  as  posições  defendidas  pelas    e  23ª  Divisões.  A  brecha  ocorreu numa  área  dominada  por  pequenas  colinas  e  pântanos,  situada  entre  a  estrada  principal  para  Viipuri  e  a ferrovia.  No  dia  17,  fez-se  a  primeira  brecha  em  Postilampi,  mas  essa  logo  foi  concertada,  mesmo  com alguma  dificuldade.  Outra  penetração  ocorreu  um  pouco  mais  tarde  na  costa  leste  do  lago  Naykki.  Passo  a passo,  os  russos  avançaram  contra  a  obstinada  resistência  finlandesa,  abrindo  um  buraco  ainda  maior  na linha.  Pelo  dia  23  de  fevereiro,  o  inimigo    estava  quase  a  campo  aberto  e  pronto  para  rumar  na  direção  de Viipuri.

  então  os  comandantes  na  frente  preocupavam-se  cada  vez  mais  com  o  fato  de  que  as  posições  secundárias não  poderiam  resistir  por  muito  mais  tempo.  Apresentaram  seus  pontos  de  vista  a  Mannerheim,  no  dia  18, mas  tiveram  ordem  para  defender  a  linha  o  mais  tempo  que  pudessem.  Esta  resposta  irritou  um  pouco  os comandantes,  mas  o  Marechal  não  lhes  dissera  que  os  mediadores  da  paz  estavam  em  campo  e  que  quanto mais  tempo  a  linha  resistisse,  melhores  as  oportunidades  de  recorrer  a  termos  razoáveis.  Apesar  da  sua irritação,  os  comandantes  cumpriram  as  ordens  e  a  linha  foi  defendida  por  mais  10  dias.

No  dia  25  de  fevereiro,  os  russos  alargaram  a  brecha  em  Honkaniemi  ao  longo  da  ferrovia  e  ficaram  em posição  de  avançar  sobre  Viipuri  e  cercar  o  inimigo  pela  retaguarda.  No  dia  seguinte,  este  último  tentou  um contra-ataque  com  o  auxílio  de  15  tanques  Vockers  adquiridos  antes  da  guerra,  mas  que    agora  recebiam seus  armamentos.  O  aparecimento  de  tanques  por  trás  causou  muita  confusão  e,  em  alguns  casos,  pânico entre  as  posições  de  retaguarda  finlandesas  e  no  tráfego  de  abastecimento  na  estrada.  Além  disso,  o  ataque foi  apenas  parcialmente  bem  sucedido,  pois  os  tanques  tiveram  dificuldades  de  se  movimentar  na  neve  e eram  leves  demais  para  combater  os  tanques  russos  de  28  toneladas.  Somente  metade  dos  tanques finlandeses  retornou  às  suas  bases.  Esse  acontecimento  assinalou  o  fim  da  linha  secundária.  No  dia  27  as tropas  receberam  ordens  de  recuar  para  as  linhas  nos  arredores  de  Viipuri.  Estas  iam  desde  Viipuri  até  Tali,  e onde  se  estendiam  para  Vuolsalmi  no  canal  Vuoksi.

Para  facilitar  a  defesa  de  Viipuri  e  aliviar  um  pouco  do  fardo  do  comandante  do  II  Corpo  de  Exército, Mannerheim  dividiu  o  Corpo  nos  I  e  II  Corpos  de  Exército.  O  I  Corpo  consistia  das    e    Divisões,  que defendiam  a  linha  desde  a  ferrovia  até  o  canal  Vuoksi.  O  II  Corpo  de  Exércitos,  formado  das  3ª,  4ª,    e  23ª Divisões,  concentraria  seus  esforços  na  defesa  de  Viipuri.

Com  essas  mudanças  na  organização  de  comando  e  com  as  fortes  posições  de  defesa  que  Viipuri  oferecia,  o Alto  Comando  finlandês  esperava  manter  o  inimigo  em  xeque  até  que  os  negociadores  a  paz  tivessem completado  a  sua  tarefa.  As  possibilidades  de  defender  as  linhas  em  torno  de  Viipuri  eram  muito  maiores  do que  as  das  posições  secundárias,  pois  as  primeiras  eram  mais  permanentes  e  os  civis  haviam  trabalhado durante  toda  a  guerra  para  construir  maior  numero  de  posições  e  reforçar  as    existentes.  Diante  das  novas fortificações  e  dos  fossos  e  fortificações  de  pedra  mais  antigos,  bem  como  de  armadilhas  de  tanques  mais bem  construídas,  o  inimigo  encontraria  uma  barreira  cerrada,  ao  tentar  o  assalto  à  cidade.

 A  retirada  para  as  posições  de  retaguarda  não  foi,  em  sentido  algum,  uma  fuga  ou  mesmo  uma  retirada  feita às  pressas,  apesar  de  os  russos  os  perseguirem  de  perto.  Ela  foi  realizada  em  ordem,  gradativamente,  e  os russos  pagaram  caro  por  cada  palmo  de  terreno  conquistado.  Na  costa  da  baía  de  Lihaniemi,  a  retirada sistemática  foi  ameaçada  por  forte  pressão  inimiga,  mas  mesmo  ali,  a  retaguarda  cumpriu  seu  dever  sem vacilar.  Contudo    a  29  de  fevereiro,  os  russos  entraram  em  contato  com  os  postos  avançados  da  linha  de retaguarda  em  Nuoraa  e,  a    de  março,  chegaram  na  frente  da  ala  direita  da    Divisão.  Para  leste  desta última,  a    Divisão  foi  retirada  em  boa  ordem,  mas  foi  obrigada  a  mover-se  com  mais  rapidez  do  que  o planejado  quando  o  inimigo  penetrou  as  linhas  defendidas  pela  23ª  Divisão  à  sua  esquerda.  A  penetração russa  da  posição  da  23ª,  no  dia  28,  foi  resultado  de  um  ataque  maciço  de  tanques,  que  rechaçou  o  inimigo  até as  posições  de  retaguarda  por  volta  de    de  março.  O  fogo  de  artilharia  dos  canhões  capturados  em Suomussalmi  finalmente  conteve  o  avanço  russo  em  Ukonmaki.  pelo  dia  1°,  a  retirada  se  completara  e  o palco  estava  preparado  para  o  último  ato  da  guerra.

O  último  ato:

Os  homens  exaustos  que  tomaram  suas  novas  posições  em  torno  de  Viipuri  não  teriam  trégua  alguma.  Mal  os últimos  homens  da  retaguarda  haviam  sido  retirados,    o  inimigo  estava  martelando  aquelas  posições.  A  essa altura,  havia  sérias  discussões  de  paz  em  andamento  entre  Helsinque  e  Moscou  através  de  Estocolmo.  Por informações  recebidas,  era  evidente  que  o  Kremlin  estava  decidido  a  tomar  o  máximo  de  território  possível da  Finlândia.  Por  esta  razão,  a  batalha  pela  posse  de  Viipuri  assumiu  maior  importância  para  ambos  os  lados, o  que  explica  também  os  selvagens  ataques  a  que  o  II  Corpo  de  Exércitos  e  o  Grupo  Costeiro  foram submetidos  nos  últimos  dias  da  guerra.

Nas  imediações  da  própria  cidade,  as    e    Divisões  defendiam  a  linha  desde  Karemaenlathti  até Tammisuo.  Nesse  setor,  os  russos  enfiaram  uma  cunha  na  linha  em  Huthtiala  a  2  de  março  e  no  dia  seguinte, após  esse  sucesso,  desfecharam  um  golpe  que  expulsou  todas  as  sentinelas  finlandesas  das  sua  posições avançadas  situadas  atrás  das  suas  posições  principais,  exceto  em  Tammisuo,  onde  os  finlandeses permaneceram  numa  pequena  colina.  No  dia  4  de  março,  o  inimigo  atacou  em  toda  a  extensão  da  frente,  mas sem  sucesso.  Contudo,  ao  anoitecer  daquele  mesmo  dia,  houve  indícios  de  que  a  linha  poderia  ser  rompida  e foi  preciso  mandar  para    um  regimento  de  reserva  da    Divisão.  Outro  dos  batalhões  de  reserva  da    teve que  ser  enviado  para  a  costa  norte  da  baía  de  Viipuri  em  auxilio  às  forças  que  lutavam  para  impedir  um desembarque  russo  ali.

Os  russos  continuaram  assediando  as  defesas  da    Divisão  no  dia  5,  ameaçando,  por  um  momento,  esmagar a  linha  em  Lintumus.  Em  Tammisuo,  dois  ataques  de  tanques  sucessivos  foram  repelidos.  Durante  o  dia seguinte,    houve  ligeira  atividade  por  todo  o  setor,  embora  as  barragens  de  artilharia  prosseguissem  com  a mesma  intensidade  e  um  pequeno  ataque  em  Lintumus  tivesse  que  ser  rechaçado.  No  dia  7,  fez-se  uma pequena  brecha  em  Huthiala  e  como  os  finlandeses  não  tiveram  condições  para  fechá-la,  no  dia  seguinte  a situação  era  crítica.  Quase  todas  as  reservas  à  disposição  do  II  Corpo  de  Exércitos  tinham  sido  despachadas para  combate,  inclusive  as  unidades  de  abastecimento  e  de  construção,  e  todas  as  unidades  de  reserva disponíveis  do  I  Corpo  de  Exércitos  estavam  a  caminho  da  área  de  Viipuri,  mas  sua  chegada  ainda  demoraria muitas  horas.

No  dia  10,  a  bem  da  segurança  dos  efetivos  das  suas  forças,  o  Comando  do  Exército  no  istmo  decidiu  que  a linha  da    Divisão  deveria  ser  encurtada,  mediante  um  recuo  para  a  extremidade  sul  de  Viipuri.  Contudo,  as ordens  para  ser  efetuado  esse  recuo  foram  canceladas  e  a  frente  permaneceu  onde  estava.  De  sua  parte,  os russos  não  aliviaram  a  pressão,  e  sim  aumentaram-na.  No  dia  11,  duas  outras  brechas  foram  abertas  no  setor da    Divisão  e  o  Comando  do  Istmo  teve  permissão  de  retirar  suas  tropas  para  a  extremidade  da  cidade. Nesse  ponto,  Mannerheim  interveio  e  ordenou  que  a    defendesse  a  linha  onde  estava,  pelo  menos  até  a noite  seguinte,  por  motivos  de  política  externa.  Na  ignor6ancia  do  que  estava  acontecendo,  os  comandantes da  linha  de  frente  ficaram  profundamente  irritados,  mas  cumpriram,  sombrios,  aquelas  ordens.

Durante  a  noite  de11  de  março,  os  russos  penetraram  as  linhas  finlandesas  entre  Kesamaa  e  a  ilha  de  Porkka, a  sudoeste  da  cidade,  num  ponto  onde  a  ala  direita  da    Divisão  se  encontrava  com  a  ala  esquerda  das  forças que  defendiam  a  baía.  Essa  ruptura  criou  um  problema  para  todo  o  sistema  de  defesa,  que  Ohquist  pensou  em ordenar  uma  retirada.  mas  como  a  ordem  de  Mannerheim  ainda  estava  em  vigor,  encontrou-se  um  batalhão incompleto  que  foi  enviado  para  escorar  a  linha  vacilante,  e  esta  então  resistiu.

 Pela  manhã,  o  inimigo  iniciou  o  mais  pesado  ataque  realizado  até  então  ao  longo  de  todas  as  linhas  da    e  5ª Divisões.  Pelo  anoitecer,  várias  brechas  grandes  haviam  sido  abertas  nas  linhas  finlandesas  entre  Karjala  e Tammusuo,  mas  não  havia  possibilidade  alguma  de  um  contra-ataque:  os  homens,  esgotados,  mal  podiam defender  as  posições.  No  ponto  da  maior  ruptura,  perto  de  Tammsuo,  os  russos  começaram  a  ampliar  a brecha  para  oeste  e  sudoeste,  ameaçando  engolfar  a    Divisão.  Uma  vez  mais,  Ohquist  pediu  permissão  para retirar  todas  as  suas  forças  para  as  proximidades  de  Viipuri,  mas    lhe  permitiram  retirar  a    Divisão  até Patterimaki.  Quando  se  iniciou  a  retirada,  os  russos  vieram  logo  atrás,  mas  os  finlandeses  conseguiram incendiar  os  arredores  ao  sul  da  cidade  para  atrasar  a  marcha  do  inimigo.

Mais  tarde,  naquela  noite,  a    Divisão  conseguiu  pôr  sob  controle  a  situação  em  Tammisuo,  e  isolou  os tanques  inimigos  da  sua  infantaria.  Esse  sucesso  deu  aos  finlandeses  uma  boa  possibilidade  de  meter  os russos  num  saco  e  fechá-lo.  Não  obstante,  a  situação  continuava  crítica,  pois  não  havia  garantia  de  que  o  saco permaneceria  fechado  quando  as  operações  se  reiniciassem  no  dia  seguinte.  Contudo,  depois  que  os costumeiros  ataques  matinais  tiveram  inicio  e  foram  repelidos  no  dia  seguinte,  os  canhões  se  calaram  e  a  paz retornou,  para  grande  surpresa  de  defensores  e  atacantes.

Enquanto  as    e    Divisões  vinha  lutando  na  frente  de  Viipuri,  a  23ª  Divisão  finlandesa  defendia  a  linha leste,  desde  Tali  até  Vuosalmi,  no  canal  Vuoksi.  A  retirada  para  as  posições  de  retaguarda  na  extremidade leste  da  linha  fora  feita  em  boa  ordem,  com  poucos  ataques  inimigos  na  retaguarda  das  tropas  durante  a operação.  Somente  no  dia  3  de  março  é  que  os  russos  fizeram  o  primeiro  contato  importante  com  a  nova posição  na  área  de  Tali,  embora,  mais  a  leste,  as  tropas  russas  aparecessem  um  pouco  antes,  à  frente  das linhas  finlandesas  em  Mustalathi.  No  dia  4,  o  inimigo  tornou  a  atacar  e  foi  repelido  com  grande  dificuldade, e  no  dia  seguinte,  as  tropas  russas  penetraram  a  linha  a  sudoeste  de  Tali.

Durante  o  dia  6,  as  forças  russas  procuraram  aprofundar  sua  penetração,  ao  mesmo  tempo  que  abriam  outro buraco  nas  linhas  logo  à  direita  da  primeira  brecha.  Os  finlandeses  tentaram  inundar  a  área,  mas  o  plano fracassou  porque  a  água  não  demorou  a  congelar  e  quando  subiu  ao  nível  das  armadilhas  de  tanques  até facilitou  o  avanço  dos  tanques  inimigos.  Ao  mesmo  tempo,  a  23ª  Divisão  descobriu  suas  capacidades,  na transferência  de  um  batalhão  das  suas  fileiras  para  a  margem  norte  da  Baía  de  Viipuri.

A  partir  do  dia  8,  os  russos  martelaram  incessantemente  as  posições  finlandesas  até  o  último  minuto  da guerra.  Durante  o  dia  8,  as  posições  avançadas  em  torno  de  Tali  foram  totalmente  perdidas  e  os  homens  se retiraram  para  uma  linha  de  retaguarda  bem  nas  proximidades  da  aldeia.  Um  contra-ataque  foi  desfechado algumas  horas  depois,  mas  nada  de  bom  resultou,  causando,  pelo  contrário,  grande  número  de  baixas. Durante  a  noite,  os  russos  lançaram  tropas  descansadas  na  batalha  da  parte  ocidental  das  posições  de  Tali, reunindo-se  assim  em  torno  de  toda  a  aldeia.  O  simples  número  de  soldados  russos  provocou  o  único  pânico real  que  o  II  Corpo  de  Exércitos  sofreu  durante  toda  a  guerra.  De  um  modo  ou  de  outro,  correu  o  boato  de que  os  tanques  russos  haviam  rompido  as  linhas.  Isto  não  poderia  acontecer,  pois  para  isso  eles  teriam  de cruzar  o  caudaloso  rio  Pero  sem  quaisquer  preparativos  prévios;  não  obstante,  um  batalhão  que  estava  na linha  entrou  em  pânico  e  fugiu,  o  mesmo  acontecendo  com  outros  soldados  também  dominados  pelo  medo. Contudo,  assim  que  chegou  a  notícia  de  que  tudo  aquilo  não  passou  de  boatos,  os  homens  retornaram  aos  eus postos.

À  meia-noite  veio  a  permissão  para  mudar  o  posto  de  comando  da  23ª  Divisão  mais  para  a  retaguarda supondo-se  que  a  situação  na  frente  de  Tali  se  estabilizara.  Disto  quase  resultou  um  erro  desastroso,  pois  na manhã  seguinte,  enquanto  o  oficial-comandante  e  seu  estado-maior  dirigiam-se  para  o  novo  posto,  houve  um ataque  e  a  frente  começou  a  se  desmoronar.  Um  oficial  de  estado-maior,  o  único  que  ainda  permanecia  no velho  posto  de  comando,  não  conseguia  entrar  em  contato  com  seu  superior.  Quando  finalmente  o comandante  foi  informado  do  acontecido,  entre  9:00  e  10:00  horas  daquele  dia,    estava  muito  longe  para poder  dirigir  a  operação  eficientemente.  Então,  o  oficial-comandante  do  13°  RI  foi  encarregado  dessa missão.

A  confusão  predominou  durante  horas,  mesmo  com  a  mudança,    que  o  13°  RI  estava  muito  longe,  ao  sul  da brecha.  E  para  complicar  ainda  mais  as  coisas,  os  fios  telefônicos  tinham  sido  cortados,  e  assim  o  contato com  os  vários  postos  de  comando  de  regimentos  e  de  batalhão  estava  interrompido.  Não  obstante,  iniciaram-se  preparativos  para  um  contra-ataque  a  fim  de  tapar  a  brecha,  e  para  isso  uma  companhia  do  13°  RI  foi despachada  às  pressas  para  o  setor  em  perigo  e  um  batalhão  de  reserva  ficou  alerta.

Pelo  meio-dia  de  9  veio  a  explicação  do  que  acontecera.  Uma  companhia  russa  de  elite  atravessara  o  rio cheio,  às  vezes  vadeando,  ou  mergulhando  até  o  peito  na  água  gelada,  e  atacara  imediatamente  apesar  do  frio extremo.  É  claro  que  o  contra-ataque  tinha  de  ser  realizado  o  mais  cedo  possível,  antes  que  a  companhia russa  tivesse  tempo  de  obter  reforços  e  tanques.  Naquela  noite,  o  comandante  da  23ª  Divisão  voltou  e  logo  se encarregou  da  tarefa,  mas  a  esse  tempo  suas  tropas    estavam  avançando.  Dentro  em  pouco  chegaram  as boas  novas:  uma  parte  da  área  entre  os  lagos  Karstila  e  Leitimo  fora  retomada.  Assim,  apesar  do  fato  de  que Repola  e  Tali  estavam  nas  mãos  russas,  a  frente  em  quase  toda  a  sua  extensão  fora  estabilizada.

Contudo,  a  situação  permanecia  num  certo  marasmo  e  evidentemente  sofreria  grandes  modificações  assim que  os  russos  trouxessem  os  tanques  e  a  artilharia  para  a  margem  do  rio.  No  dia  10,  os  russos  chegaram  ao lado  sul  do  lago  Leitimo  e,  logo  no  dia  11,  deram  inicio  ao  ataque,  usando  tanques.  Uma  vez  mais,  a  linha finlandesa  vacilou  e  pouco  se  pôde  fazer.  Ao  anoitecer,  os  russos    haviam  aberto  três  buracos  nas  linhas finlandesas  em  torno  do  lago  Leitimo.  A  23ª  Divisão  empregara  suas  últimas  reservas  e  agora  tinha  de  pedir reforços  do  I  Corpo  de  Exércitos,  que    pôde  enviar  um  fraco  batalhão.

Com  o  amanhecer  do  dia  12,  os  finlandeses  se  viram  repelidos  cerca  de  4  km  das  posições  em  que  se achavam  a  6  de  março.  Naquele  dia  todo  o  setor  desfrutou  de  relativa  calma,  enquanto  os  russos  se reagrupavam  para  a  fase  seguinte  das  operações.  Mas,  tal  como  acontecera  antes,  quando  os  russos começaram  com  o  ataque  final,  que  poderia  ter  rompido  as  linhas  finlandesas  permanentemente  e  aberto  o caminho  para  uma  invasão  direto  ao  coração  da  Finlândia,  soaram  as  11:00  horas  e  ambos  os  lados depuseram  as  armas.  Nunca  se  saberá  se  os  russos  poderiam  ter  conseguido  fazer  um  bom  ataque  de  Tali para  o  oeste,  passando  pelo  sistema  do  lago  Saimaa,  com  seus  pântanos  inundados  pelo  degelo  da  primavera. Mas  é  certo  que  teriam  dificultado  muito  as  coisas.

Enquanto  isso,  no  outro  extremo  da  linha  de  defesa,  desde  a  ferrovia  até  o  canal  Vuoksi,  o  I  Corpo  de Exércitos  defendia  a  linha  de  frente,  e  foi  na  aldeia  de  Vuosalmi  que  se  realizou  a  principal  batalha  deste seção.  O  próprio  terreno  em  Vuosalmi  formava  uma  posição  de  defesa  natural.  Na  margem  sudoeste  do  canal havia  um  ressalto  abrupto  que  dobrava  o  terreno  que  o  23°  RI  finlandês  se  aboletou  com  as  quatro  peças  de artilharia  que  haviam  chegado  no  último  minuto  que  precedeu  a  batalha.  Atrás  dele  estava  o  canal, inteiramente  congelado  e  tendo  aquele  treco  cerca  de  100m  de  largura,  com  uma  ilha  logo  abaixo  da extremidade  nordeste  do  ressalto.  A  ilha  também  se  achava  ocupada  pelos  finlandeses.

As  tropas  finlandesas  mal  se  haviam  entrincheirado,  a  29  de  fevereiro,  quando  o  inimigo  chegou  à  cena  e  deu inicio  a  um  assalto  imediato.  O  primeiro  ataque,  que  era  basicamente  uma  expedição  de  reconhecimento,  foi facilmente  repelido.  Mas  com  o  passar  das  horas,  os  russos  trouxeram  os  tanques  e  a  artilharia  para  minar  as forças  das  posições  finlandesas  alojadas  no  ressalto.  Em  toda  a  essa  ação,  a  ilha  não  escapou  à  atenção  dos russos,  mas  os  finlandeses  abriram  sulcos  no  gelo  que,  embora  congelassem  quase  que  imediato,  impediram a  passagem  dos  tanques  durante  algum  tempo.

Somente  no  dia  2  é  que  o  inimigo  conseguiu  fazer  sua  primeira  brecha  nas  linhas.  Esta  ocorreu  na  área  da barcaça,  quando  quase  todo  um  batalhão  de  soldados  inimigos  chegou  à  margem.  Os  soldados  finlandeses presos  na  área  atraíram  o  fogo  da  sua  própria  artilharia  para  cima  deles  mesmos  e  do  inimigo.  Quando  a fumaça  se  dissipou,  os  russos  haviam  desaparecido  e  os  finlandeses  surgiram  ilesos  do  seu  bunker.

No  dia  4,  os  russos  realizaram  sua  primeira  penetração  bem  sucedida,  à  esquerda  da  linha  inimiga,  e repeliram  os  finlandeses  de  volta  para  a  ilha.  Um  contra-ataque  finlandês  na  manha  seguinte  fora  finalmente cancelado,  pois  as  baixas  aumentavam.  Outro  ataque  foi  desfechado  por  uma  unidade  despachada  da  8ª Divisão,  mas  este  não  conseguiu  fazer  o  inimigo  recuar.  O  único  resultado  é  que  os  finlandeses  ficaram reduzidos  a  umas  600  granadas  para  a  sua  artilharia,  para  enfrentar  uma  segunda  divisão  inimiga  que  se aproximava.

No  dia  seguinte,  os  russos  aumentaram  a  pressão,  concentrando-se  sobretudo  na  ilha,  acabando  por  dominá- la,  e  as  unidades  finlandesas  recuaram  para  a  margem  oposta.  Embora  os  finlandeses  ainda  ocupassem algumas  posições  na  margem  sudoeste  do  canal,  na  melhor  das  hipóteses  elas  eram  fracas.  No  dia  6,  os finlandeses  fizeram  um  heróico  esforço  para  recapturar  a  ilha,  mas  foram  repelidos  sob  pesadas  baixas.

Durante  o  resto  do  dia,  as  posições  finlandesas  sediadas  defronte  à  ilha  fora  submetidas  a  violento bombardeio;  os  soldados,  sem  bunkers,  podiam  apenas  ficar  na  neve,  esperando  o  final  do  combate.

Uma  tentativa  de  travessia  do  canal  do  dia  7  foi  repelida  por  um  contra-ataque,  protegido  pela  noite.  No  dia 8,  os  russos  pediram  um  bombardeio  aéreo  contra  as  posições  e  linhas  de  abastecimento  finlandesas,  além  de uma  barragem  de  artilharia  pesada.  Novo  ataque  começou  depois  dessa  operação  para  debilitar  as  forças contrárias  e,  pelo  anoitecer,  o  inimigo  abrira  13  buracos  nas  linhas  finlandesas.  Uma  vez  mais,  os  finlandeses contra-atacaram  mas  não  conseguiram  desalojar  os  russos.  O  primeiro  grupo  de  reforços  da  21ª  Divisão chegou  pouco  depois  e  os  exaustos  soldados  da  linha  de  frente  foram  mandadas  para  a  retaguarda.

Por  volta  de  9  de  março,  os  russos  tinham  três  divisões  contra  as  posições  em  Vuosalmi;  aquele  dia  também viu  outra  penetração  russa,  que  desconcertou  os  esgotados  finlandeses;  contudo,  estes  logo  recuperaram  o equilíbrio  e  fecharam  a  brecha,  mas  na  margem  sudoeste,  suas  unidades  restantes  conseguiram,  se  algum modo,  resistir  a  um  maciço  ataque  russo.  Durante  todo  o  dia  10,  a  artilharia  russa  martelou  as  posições finlandesas  em  preparativo  para  um  ataque  geral  no  dia  seguinte.  Este  ataque  deu  mais  800  m  de  terreno  para os  russos  e  outra  ruptura  das  linhas  finlandesas  parecia  iminente.  Contudo,  mais  reforços  chegaram  ao anoitecer  e  o  avanço  inimigo  foi  detido.  Naquele  mesmo  dia,  as  últimas  posições  na  margem  sudoeste  foram abandonadas.

A  batalha  prosseguiu  furiosa  durante  todo  o  dia  12  de  março,  com  uma  linha  indo  e  vindo  segundo  a conveniência  das  forças  adversárias.  Pelo  anoitecer,  os  finlandeses  estavam  numa  situação  tão  ruim  que  se pensou  seriamente  em  recuar  para  uma  posição  ainda  menos  favorável  na  retaguarda.

Para  os  finlandeses  em  Vuosalmi,  o  dia  13  amanheceu  sob  o  rugir  de  violenta  e  ainda  incessante  canhonada, enquanto  os  bombardeiros  voavam  em  suas  surtidas  sobre  a  área.  Todas  as  linhas  telefônicas  foram  cortadas e  não  era  possível  qualquer  comunicação  entre  os  postos  de  comando,  nem  mesmo  por  estafetas,  devido  ao intenso  fogo  de  artilharia  russo.  Então,  repentinamente,  os  canhões  russos  se  calaram,  mas  ninguém  entre  os finlandeses  sabia  por  quê.  Finalmente,  um  oficial  de  infantaria  chegou  e  disse  simplesmente:  “A  paz  foi celebrada”.  Assim  terminou  a  batalha  de  Vuosalmi.

Enquanto  isso,  em  Taipale,  na  extremidade  oriental  do  Istmo,  os  russos  fizeram  um  esforço  de  última  hora para  romper  a  resistência  finlandesa,  mas  a  guerra  terminou  antes  de  realizar  seu  intento.

Enquanto  o  II  Corpo  de  Exércitos  mantinha  o  Exército  Vermelho  em  xeque,  houve  uma  das  mais  ferozes lutas  da  Guerra  de  Inverno  no  gelo  e  nas  ilhas  do  Golfo  da  Finlândia,  na  baía  de  Viipuri.  Para  cuidar eficazmente  da  situação,  Mannerheim  pôs  as  tropas  que  defendiam  o  golfo  e  a  baía  sob  um  novo  comando  a 1°  de  março.  A  nova  organização,  chamada  Grupo  da  Costa,  ficou  sob  a  experiente  liderança  do  Chefe  do Estado-Maior-Geral,  Tenente-General  K.L.  Oesh.  Suas  tropas  consistiam  da    Divisão  e  de  vários  batalhões e  baterias  independentes,  sendo  estas  últimas  apenas  parcialmente  treinadas  e  mal  equipadas.  Além  disso, havia  um  batalhão  da  Lapônia  que  chegara  em  fins  de  fevereiro.

O  inverno  de  1939-40  foi  um  dos  mais  rigorosos  de  que  se  tem  notícia,  mas  até  fevereiro  ele  fora  um  valioso aliado  dos  atribulados  finlandeses.  Agora,  quando  a  primavera  deveria  tê-los  ajudado  rompendo  o  gelo,  o inverno  prosseguia,  para  vantagem  dos  russos;    então,  o  gelo  estava  bastante  forte  para  resistir  ao  peso  dos tanques  e  os  sulcos  abertos  no  gelo  congelavam  imediatamente.

Quando  se  completou  a  retirada  para  as  posições  de  retaguarda,  duas  ilhas,  Tuppura  e  Uuras,  ainda  estavam ocupadas  pelos  finlandeses,  embora  estivessem  fora  das  novas  linhas.  Essas  ilhas,  que  guardam  a embocadura  da  Baía  de  Viipuri,  haviam  sido  essenciais  para  a  proteção  das  forças  em  retirada.  Uma  vez atingidas  as  posições  de  retaguarda,  os  finlandeses  se  viram  com  mais  29  km  para  defender  por  causa  do  gelo na  baía,  de  modo  que  as  ilhas  continuaram  sendo  importantes,  especialmente  diante  das  quatro  divisões, junto  com  suas  unidades  blindadas,  que  o  inimigo  reunira  no  sudoeste  de  Uuras

Tuppura  foi  atacada  no  dia  2  de  março  e  acabou  sendo  tomada  depois  de  vários  assaltos  terem  sido  repelidos. Passados  os  primeiros  fracassos,  os  russos  desenvolveram  uma  tática  de  grande  sucesso  para  tomar  a  ilha. Eles  a  bombardearam  de  terra  e  ar  e  então  cercaram-na  com  tanques,  isolando  do  continente  os  elementos  da defesa;  os  tanques  então  apertaram  o  cordão  e  funcionaram  como  base  de  tiro  sobre  o  gelo,  depois  do  que,  a infantaria  avançou.  Essa  tática  foi  usada  em  todas  as  operações  de  ilha  em  ilha.  No  dia  seguinte,  a  guarnição finlandesa  abriu  caminho  à  força  pelo  anel  de  tanques  e  recuou  para  Sakkijarvi,  do  outro  lado  da  baía.

Embora  a  perda  de  Tuppura  não  fosse  assim  tão  séria,    que  não  afetou  vitalmente  a  situação  geral,  a  perda da  ilha  de  Teikari,  que  está  situada  diante  de  Vilaniemi,  foi  mais  importante.  Ela  não    protegia  as  rotas  de aproximação  da  costa  norte  da  baía,  como  também  as  que  iam  para  o  flanco  oeste  das  forças  que  defendiam  a ilha  de  Suonio  -  a  pedra  angular  no  sistema  de  defesa  da  baía.  Duas  tentativas  de  recapturar  a  ilha  a  2  de março  fracassaram.  A  perda  de  Teikari  teria  sérias  conseqüências  para  todo  o  rumo  da  batalha  pela  posse  de Viipuri.  Naquele  mesmo  dia,  os  russos  usaram  a  ilha  como  base  para  desembarque  na  costa  norte  da  baía  de Viipuri  em  Vilaniemi  e  Haranpaanniemi.

Um  contra-ataque  finlandês  realizado  naquela  noite  conseguiu  repelir  o  inimigo  para  o  gelo,  mas  no  dia seguinte,  este  retornou  em  grande  número  para  restabelecer  seu  ponto  de  apoio  e,  ao  mesmo  tempo,  avançar para  Ristibiemi,  na  desembocadura  da  baía,  onde  as  baterias  costeiras  pesadas  estavam  localizadas.  Uma  vez mais,  os  russos  foram  rechaçados  com  a  ajuda  de  reforços.  Segundo  o  informes  dos  defensores,  os  russos  não tinham  usado  apoio  blindado  nos  dias  2  e  3,  o  que,  em  grande  parte,  explicou  seu  fracasso  em  conquistar  um ponto  de  apoio  firme.  É  um  mistério  eles  não  terem  usado  tanques  e    se  pode  imaginar  que  não  os  tenham levado  a  tal  distância  por  temerem  que  o  gelo  cedesse,  ou  então  o  assalto  fora  apenas  de  reconhecimento.  Dai por  diante,  os  veículos  blindados  vermelhos  passaram  a  participar  regularmente  em  todos  os  combates  no lado  norte  da  baía  e  na  própria  baía;  além  disso,  seu  número  de  efetivos  aumentava  com  o  passar  dos  dias.

Contudo,  a  presença  dos  tanques  não  era  um  problema  tão  sério  quanto  à  primeira  vista  parecia  ser,  porque os  tanques  leves  que  os  russos  usavam  mais  comumente  não  eram  muito  eficientes  no  tipo  de  terreno  em  que tinham  de  operar.  Devido  aos  grandes  afloramentos  de  granito  na  costa  e  às  inclinações  íngremes  das  praias, os  tanques  tinham  grande  dificuldade  em  sair  do  gelo.  Eles  tinham  de  procurar  pontos  baixos  e  nivelados  na costa  e,  quando  os  encontravam,  muitas  vezes  atolavam  na  neve.  Todavia,  com  o  passar  do  tempo  os motoristas  dos  tanques  adquiriram  experiência,  tornando-os  bastante  hábeis  e  engenhosos  em  se  adaptarem às  condições  da  baía  e  da  costa.

O  método  comum  usado  pelos  russos  para  atacar  o  continente  era  escolher  um  ponto  de  desembarque  que avançasse  pela  baía,  chegar  até  ele  com  seus  tanques  de  ambos  os  lados  e  ali  estabelecer  como  base  de  tiro para  envolver  os  elementos  responsáveis  pela  defesa  num  fogo  cruzado.  Sendo  esses  pontos  normalmente muito  rochosos  e  íngremes,  os  tanques  ficavam  no  gelo  até  que  a  infantaria  tivesse  desembarcado,  e  então subiam  as  enseadas  até  o  fim,  onde  normalmente  havia  uma  aldeia  e  uma  estrada  pela  qual  podiam  subir  para terra  firme.  Uma  vez  completada  essa  operação,  os  tanques  se  espalhavam,  isolavam  os  defensores  na extremidade  do  local  e  também  tentavam  avançar  para  o  interior.

Pelo  dia  5,  as  ilhas  mais  afastadas  foram  abandonadas  diante  das  desvantagens  esmagadoras.  Vários  contra- ataques  audaciosos  desfechados  nos  dias  2  e  3  reduziram  as  fileiras  das  unidades  a  tal  ponto  que  tiveram  de ser  enviadas  para  a  retaguarda,  para  descanso  e  recuperação.

Um  ataque  geral  contra  todas  as  posições  finlandesas  começou  no  dia  4,  quando  até  mesmo  as  formações inimigas  cruzaram  o  gelo  do  Golfo  da  Finlândia,  avançando  desde  suas  bases  nas  ilhas  de  Suur,  Lava  e Someri,  na  direção  de  Kotka  e  Hamina.  Essas  infiltrações  foram  detidas  pela  artilharia  de  costa,  que  causou grande  devastação  nas  colunas  inimigas,  quando  as  granadas  rompiam  o  gelo,  afogando  muitos  homens  e causando  pânico  entre  os  sobreviventes.  Estes  ataques  não  afetaram  a  situação  geral,  embora  causassem muita  preocupação  no  Alto  Comando  finlandês,  que  temia  ser  a  costa  sul  ocupada  e  flanqueados  os defensores  em  Viipuri.  Um  batalhão  de  jovens  e  de  homens  com  idade  demais  para  o  serviço  militar  foi reunido  e  enviado  para  a  costa,  como  reforço.

O  que  causava  maior  preocupação  era  o  poderio  da  força  atacante  na  Baía  de  Viipuri,  que  punha  em  perigo as  defesas  de  Viipuri.  Os  russos  dirigiam  seu  fogo  pesado  contra  a  extremidade  superior  da  baía,  em Vilaniemi  lançando  um  regimento  de  infantaria  e  um  batalhão  de  tanques  contra  a  defesa.  Eles  logo conquistaram  um  ponto  de  apoio  na  aldeia,  e  com  duas  divisões  vindo  atrás  deles,  ao  anoitecer,  a  situação  ao longo  do  setor  Haranpaanniemi-Vilajoki-Vilaniemi  agravava-se  cada  vez  mais.  Durante  a  noite,  no  entanto,  o 9°  RI  da    Divisão  foi  despachado  para  ali,  a  fim  de  amparar  as  defesas  vacilantes.

Enquanto  isso,  mais  abaixo  na  costa,  outro  grupo  russo  estava  ocupado  no  preparo  de  um  ataque  à  ilha  de Suonio  da  ilha  de  Uuras,  que  acabara  de  ser  evacuada.  Os  ataques  inimigos  em  outros  pontos  da  baía  haviam sido  repelidos  com  grande  dificuldade.  Até  então,  o  Grupo  de  Costa  conseguira  resistir,  mas  não  tinha esperanças  de  poder  continuar  nessas  condições  durante  muito  mais  tempo,  sem  qualquer  ajuda.  Um  pedido enviado  ao  comandante  do  II  Corpo  de  Exércitos  enunciava  a  situação  muito  sucintamente:  todas  as  reservas estão  na  linha  de  fogo  e  as  baterias  de  artilharia  precisavam  desesperadamente  de  granadas.  O  próprio comandante  do  II  Corpo  de  Exércitos  estava  seriamente  atribulado.  Ele    tinha  600  granadas  disponíveis  em seus  estoques,  quantidade  reduzidíssima,  levando-se  em  conta  as  necessidades  urgentes  do  Grupo  de  Costa  e suas  três  divisões,  todas  também  sob  constante  ataque.

Durante  a  noite  chegaram  informes  contraditórios  sobre  os  acontecimentos  em  Vilaniemi.  A  princípio,  que os  russos  haviam  sido  repelidos  para  o  gelo;  depois,  que  ainda  estavam  ocupando  posições  em  terra  forme; mais  tarde,  que  14  tanques  tinham  sido  capturados  em  Vilajoki  e,  por  último,  que  este  informe  era  falso. Com  efeito,  em  alguns  pontos,  o  inimigo  fora  repelido  para  o  gelo,  mas  pela  manhã  do  dia  5  os  russos estavam  firmemente  instalados  na  costa  norte  da  baía.

Durante  os  ataques  daquele  dia  de  março,  os  russos  assaltaram  todas  as  posições  ilhoas  até  a  ilha  de  Kulp, bem  à  frente  de  Viipuri.  Os  finlandeses  abriram  sulcos  no  gelo  diante  da  ilha  e  em  outros  pontos,  mas  estes logo  congelavam  e  os  tanques  avançavam  por  ali  sem  qualquer  impedimento.  A  infantaria  atacante  usou pilhas  de  blocos  de  gelo  como  anteparo  para  atirar  contra  a  defesa  adversária.

  então,  o  inimigo  estava  atacando  na  área  da  baía  com  três  das  quatro  divisões  ali  existentes,  e  16  divisões estavam  operando  contra  toda  a  frente  de  Viipuri,  desde  a  baía  até  Vuksi,  enquanto  que  outras  10  divisões operavam  dali  até  o  lago  Ladoga.  Os  finlandeses  tinham  o  Grupo  de  Costa  e  6  divisões  estacionados  na frente  de  Viipuri  até  Vuosalmi,  mas  suas  forças  de  reserva  achavam-se  quase  que  inteiramente  deslocadas, enquanto  que  as  munições  e  os  suprimentos  diminuíam  perigosamente  cada  vez  mais.  Em  contrapartida,  os russos  contavam  com  uma  fonte  ilimitada  de  suprimentos  e  homens.  Até  mesmo  o  transporte  de  suprimentos para  os  locais  de  maior  necessidade  estava  sendo  também  motivo  de  grande  preocupação  para  os comandantes  finlandeses.  Nos  primeiros  estágios  da  batalha  de  Viipuri,  usava-se  o  sistema  rodoviário  no lado  norte  da  baía  para  abastecer  o  Grupo  de  Costa  dos  depósitos  de  suprimento  do  II  Corpo  de  Exércitos, mas  com  a  batalha  em  crescente  violência,  as  estradas  ficavam  entupidas  de  refugiados  e  tráfego  de abastecimento.  Os  problemas  pioraram  com  as  incursões  aéreas.  Quando  os  russos  conquistaram  um  ponto de  apoio  na  costa  norte  da  baía,  tornou-se  praticamente  impossível  manobrar  a  situação  do  abastecimento.

Apesar  dessas  dificuldades,  os  finlandeses  nada  mais  podiam  fazer,  senão  continuar  lutando,  e  os  russos  não aliviavam  a  pressão.  Ele  tinham  a  iniciativa  e  aproveitavam-se  dela  o  máximo  que  podiam.  No  dia  6, algumas  tropas  soviéticas  tomaram  uma  parte  da  aldeia  do  Nisolahi,  enquanto  que  outro  grupo  rompia  em Niskapohja.  Pelo  meio-dia,  estabeleceram  uma  cabeça-de-ponte  entre  a  ilha  de  Turki  e  Majapohja  e,  pouco depois,  tomaram  a  posição  do  lado  sudoeste  de  Majapohja.  Pelo  anoitecer,  as  circunstâncias  eram  tais  que  o comandante  da    Divisão  seriamente  considerou  que  se  recuasse  ainda  mais  a  ala  leste,  estaria  expondo perigosamente  a  ala  direita  da    Divisão,    bastante  enfraquecida  porque  suas  reservas  tinham  sido desviadas  para  Vilaniemi.  O  comandante  também  pediu  ajuda  para  reforçar  a  defesa  da  ilha  de  Neula,  pois receava  uma  penetração  do  inimigo  por  ali.  Mas,  infelizmente,  em  atenção  àquele  pedido,  somente  uma  parte do  regimento  de  reserva  da    Divisão  pôde  ser  destacada  para  defender  aquela  ilha.

Estava  mais  do  que  claro  que  as  linhas  de  frente  das  ilhas  se  aproximava  de  uma  tremenda  crise,  e igualmente  óbvio,  é  haver  disponível  bem  pouca  ajuda  material  ou  humana  para  vencer  as  dificuldades  do momento.  Dentro  em  pouco,  todo  o  sistema  de  defesa  das  ilhas  entraria  em  colapso  e  as  tropas  seriam obrigadas  a  recuar  para  a  costa  norte.  Quando  isto  acontecesse,  estariam  em  perigo  toda  a  ala  oeste  do  II Corpo  de  Exércitos  bem  como  as  linhas  de  abastecimento  que  transitavam  de  norte  para  oeste  em  torno  de Viipuri.

Durante  todo  o  dia  7  de  março,  os  russos  iam  avançando  implacavelmente  ao  mesmo  tempo  que  a  artilharia  e os  aviões  martelavam  sem  tréguas  as  posições  e  as  linhas  de  abastecimento  finlandesas.  A  estrada  Viipuri- Hamina  foi  interceptada  em  Vilaniemi,  obrigando  a  contornar  as  linhas  todo  e  qualquer  reforço  que  os finlandeses  pudessem  mandar  para  algum  ponto  ameaçado.  Na  mesma  noite,  era  evidente  que  as  defesas, desde  a  ilha  de  Suonio  até  Majapohja,  estavam  perigando  e  os  homens  foram  retirados  dali  no  dia  seguinte, depois  de  travadas  renhidas  batalhas.

Uma  a  uma,  as  ilhas  foram  abandonadas  e  os  finlandeses,  em  sua  maioria,  agora  lutavam  no  continente, excetuando  a  ilha  de  Piispa,  onde  uma  pequena  força  ainda  resistia  heróica  e  inutilmente.  Entre  Vilaniemi  e Nisalahti,  não  ocorreram  quaisquer  modificações  de  grande  importância,  apesar  da  ferocidade  da  luta.

Um  ataque  ainda  mais  violento  teve  inicio  no  dia  9.  O  reconhecimento  aéreo  finlandês  informou  ter  visto uma  coluna  de  11  km  de  tropas  e  tanques  russos  cruzando  o  gelo  entre  Pullinniemi  e  Vilaniemi  e  se  dirigindo para  noroeste.  Isto  significava  que  toda  uma  divisão  de  soldados,  em  boas  condições  físicas  seria  lançada  em combate  na  estrada  Viipuri-Hamina,  atrás  de  Vilaniemi,  onde  se  calculava  que    havia  duas  divisões lutando.

Enquanto  isso,  o  comandante  da    Divisão  finlandesa  preocupava-se  terrivelmente  ao  ver  suas  tropas correndo  perigo  na  ilha  de  Piispa,  pois  ele  temia  que  fosse  aberta  uma  brecha  nas  suas  linhas  no  continente. Mesmo  com  a  ajuda  dos  reforços  que  recebera  pouco  antes,  ele  não  acreditava  que  pudesse  defender  suas posições.  Naquela  noite,  a  ilha  foi  abandonada  e  os  homens  mudaram-se  para  Koivuniemi.  Isto  facilitou  aos russos  que  se  fizesse  uma  abertura  nas  linhas  entre  as  forças  do  Grupo  de  Costa  e  do  II  Corpo  de  Exércitos,  e para  fechá-la,  antes  que  as  forças  de  retaguarda  fossem  completamente  envolvidas  na  catástrofe,  foi despachado  o  14°  RI,  como  reforço  de  um  fraco  batalhão  enviado  pela    Divisão.

No  dia  seguinte,  os  russos  tentaram  fazer  recuar  as  defesas  finlandesas  sediadas  em  Majapohja  e, simultaneamente,  atacaram  a  ilha  de  Porkka,  a  única  que  ainda  permanecia  em  mãos  finlandesas.  Apesar  da exaustão  que  os  invadia,  os  soldados  da    Divisão  iniciaram  um  contra-ataque  que  a  princípio  foi  bem sucedido  mas  que  por  fim  resultou  em  completo  fracasso.  Naquela  noite,  os  russos  ficaram  de  posse  das  duas posições.

Enquanto  a  batalha  prosseguia  feroz  mais  para  dentro  da  baía,  em  Vilaniemi  os  russos  punham  em  ação  suas tropas,  com  bons  resultados.  Onde  quer  que  se  abrisse  um  buraco  na  linha,  os  russos  avançavam  para  além  da rodovia,  conquistando  palmo  a  palmo  uma  frente  com  novas  tropas  e  sua  posição  mais  firme,  os  russos  não empregaram  o  ímpeto  necessário  para  fazer  os  finlandeses  recuar  para  leste  ou  oeste,  como  pretendiam.

Apesar  de  toda  a  sua  superioridade  em  material  bélico  os  russos  estavam  avançando  menos  rapidamente  do que  esperavam.  Depois  de  10  dias,  eles  tinham  chegado  apenas  até  a  costa  norte  da  baía  e  estavam  tendo dificuldades  em  sua  tentativa  de  expulsar  a  defesa  finlandesa  da  retaguarda.  Contudo,  a  situação  para  os finlandeses  estava  à  beira  do  colapso  total,  se  qualquer  ponto  cedesse  completamente.  Independente  do desastre  que  os  confrontava,  os  finlandeses  resistiram  e  o  avanço  russo  em  direção  à  costa  norte  para  chegar a  Viipuri,  foi  detido.  No  dia  11,  o  inimigo  tornou  a  encetar  novo  avanço,  mas  encontrou  uma  valente resistência.  também  no  dia  12,  eles  tentaram  mais  uma  penetração,  entre  a    Divisão  e  o  II  Corpo  de Exércitos,  o  que  obrigou  a  defesa  a  recuar  para  a  área  entre  Ahokas  e  Rasalahti.  No  dia  13,  os  russos continuaram  atacando  até  o  momento  em  que  foi  dada  a  ordem  de  cessar-fogo.  Aparentemente,  eles esperavam  penetrar  e  avançar  até  a  captura  de  Viipuri.

Quando    não  se  ouvia  mais  o  troar  dos  canhões,  os  russos  dominavam  apenas  uma  parte  de  Viipuri  e  isto jamais  seria  considerada  uma  vitória  conquistada  para  o  exército  de  Stalin.  Os  finlandeses  portaram-se heróica  e  valorosamente  e  não    dúvida  de  que  em  termos  de  moral  a  vitória  foi  sua.  Mas  eles  não alimentavam  qualquer  esperança  de  obter  aquele  potencial  humano  treinado  para  a  defesa  de  suas  linhas. Muito  embora  tivessem  recebido  materiais  e  suprimentos  suficientes  para  prosseguir,  de  qualquer  maneira teriam  sido  esmagados  numa  questão  de  semanas.

Os  gigantes  atentos:

Nenhum  relato  da  Guerra  de  Inverno  estaria  completo  se  não  incluísse  alguns  comentários  sobre  a importância  na  esfera  internacional.  Quando  a  Rússia  se  voltou  contra  a  Finlândia,  a  Europa    estava tecnicamente  em    de  guerra.  De  muitas  maneiras,  o  futuro  papel  da  União  Soviética  na  Segunda  Guerra firmou-se  pelos  acontecimentos  decorrentes  de  sua  batalha  de  três  meses  com  a  Finlândia.  O  arrastamento  da Polônia  dera  ao  mundo  a  revelação  da  máquina  bélica  pertencente  aos  nazistas  mas  até  então  nada  ocorrera para  comprovar  a  capacidade  militar  da  Rússia.  Segundo  todos  os  critérios  normais,  a  URSS  era  considerada uma  grande  potência,  mas  até  dezembro  de  1939,  não  havia  nenhum  modo  adequado  para  medir  sua eficiência  militar.  Assim,  foi  com  enorme  interesse  que  as  outras  grandes  potências  assistiram  ao  desenrolar do  drama  representado  sob  a  aurora  boreal.

Embora  provavelmente  nenhum  país  observasse  o  vacilante  gigante  mais  interessada  e  analiticamente  do  que a  Alemanha,  esta  era  forçada  a  ser  neutra  por  Tratado  e  observou  lealmente  as  suas  obrigações.  Todo  pedido do  governo  finlandês  de  ajuda,  diplomática  ou  material,  foi  recusado  pelo  Reich.  A  Alemanha  chegou  ao

ponto  de  impedir  o  embarque,  para  a  Finlândia,  de  aviões  italianos  que  haviam  chegado  a  uma  de  suas  bases no  Norte.

Mais  pertinente  ao  assunto  são  as  atitudes  e  os  pontos  de  vista  da  Inglaterra  e  da  França,  os  únicos  outros estados  suficientemente  poderosos  e  em  boas  condições  para  dar  ajuda  valiosa  aos  finlandeses.  Os  dois países  estavam  em  guerra  com  a  Alemanha  e  ambos  visavam  às  múltiplas  vantagens  que  adviriam  do conflito  Russo-finlandês:  um  alivio  da  pressão  sobre  a  frente  francesa  pela  abertura  de  novo  teatro  de operações  contra  a  Alemanha  no  Norte;  a  interrupção  de  embarques  vitais  de  minério  de  ferro  da  Suécia  para a  Alemanha;  um  golpe  contra  o  bolchevismo;  o  cumprimento  das  obrigações  morais  em  grande  parte ignorados  desde  1919.  Por  conseguinte,  os  aliados  tiveram  um  interesse  muito  mais  sério  nos  apuros  da Finlândia,  mas  não  se  comprometeram  imediatamente.  Eles  tinham  de  esperar  e  ver  se  a  Finlândia sobreviveria  ao  ataque  inicial,  para  depois,  então,  se  necessário,  pensar  seriamente  em  dar-lhe  qualquer  ajuda concreta.

Naturalmente,  o  interesse  militar  aliado  na  Escandinávia  não  era  coisa  do  momento.  Durante  a  Primeira Guerra,  os  britânicos  haviam  minado  as  águas  norueguesas  e  estavam  pensando  agora  em  repetir  o  feito. Além  disso,  o  Almirantado  britânico,  estimulado  por  Winston  Churchill,    começara,  em  setembro  de  1939, a  preparar  um  plano  para  forçar  a  passagem  no  mar  Báltico  para  isolar  a  Alemanha  dos  seus  suprimentos  de minério  de  ferro  sueco.  A  resolução  da  Liga  das  Nações  pedindo  a  todos  os  países  que  ajudassem  a  Finlândia deu  o  fundamento  lógico,  enquanto  que  o  sucesso  das  forças  finlandesas  ofereceu  os  motivos  práticos,  para  a execução  da  intervenção  aliada  franca  na  Escandinávia.  Ostensivamente,  a  intervenção  seria  dirigida  contra  a Rússia,  mas  quem  culparia  os  aliados  se,  no  processo,  houvesse  um  confronto  aberto  com  a  Alemanha? Naturalmente,  nos  primeiros  estágios,  o  governo  escandinavo  não  foi  consultado  se  concordaria  em  oferecer um  campo  de  batalha  para  as  grandes  potências.

De  sua  parte,  o  governo  finlandês  estava  pronto  e  ansioso  por  aceitar  ofertas  de  ajuda  de  qualquer  parte,  por mais  que  isso  incomodasse  seus  vizinhos.  Contudo,  a  distante  posição  da  Finlândia  a  tornava  dependente  dos estados  escandinavos,  particularmente  da  Suécia,  na  obtenção  de  grande  parte  do  seu  material  bélico  e suprimentos  de  alimentos,  bem  como  da  boa  vontade  da  Suécia  e  da  Noruega,  se  quisesse  que  uma  boa quantidade  de  tropas  aliadas  chegasse  à  frente  finlandesa.

É  neste  contexto  que  se  deve  avaliar  as  ofertas  de  ajuda  aliadas.  Sem  dúvidas,  a  idéia  de  mandar  tropas  para  a Finlândia  entusiasmou  mais  ao  governo  francês  do  que  ao  britânico.  Quando  se  levantou  a  questão  no Supremo  Conselho  Aliado,  a  19  de  dezembro  de  1939,  o  Primeiro-Ministro  Daladier  da  França,  expressou seu  desejo  de  despachar  incontinente  uma  força  expedicionária  para  a  Finlândia.

De  sua  parte,  os  ingleses  adotaram  uma  atitude  mais  cautelosa,  querendo  evitar  uma  ruptura  franca  com  a URSS,  antes  de  avaliar  todos  os  fatos.  Finalmente  se  concordou  em  ajudar  a  Finlândia  por  meios  indiretos, primeiro  com  técnicos  e  suprimentos,  e  discutir  a  questão  da  travessia  através  da  Noruega  e  da  Suécia,  com seus  respectivos  governos.

Aqueles  governos  foram  de  fato  sondados  quanto  aos  direitos  de  trânsito,  a  27  de  dezembro,  a  4  de  janeiro  de 1940,  os  dois  governos  responderam  favoravelmente,  mas  com  a  condição  de  que  os  suprimentos  fossem embarcados  como  compras  finlandesas  feitas  no  exterior.  Alguns  dias  depois,  a  Finlândia  teve  permissão  de recrutar  voluntários  no  Reino  Unido  e  o  governo  britânico  tomou  a  si  a  tarefa  de  obter  direitos  de  trânsito pela  Escandinávia  para  as  unidades  voluntárias.  Nem  a  Noruega  nem  a  Suécia  fizeram  quaisquer  objeções  a essas  medidas.

Entrementes,  a  questão  da  intervenção  aliada  oficial  no  conflito  ainda  estava  pendente.  Vários  planos  foram estudados  com  atenção,  e  entre  eles  destacou-se  o  que  teria  dirigido  um  ataque  contra  os  russos  através  de Petsamo.  Para  este  fim,  três  destróieres  e  dois  submarinos  poloneses  que  haviam  sido  incorporados  à  marinha britânica  zarparia  para  Petsamo,  para  bloquear  o  porto,  e,  simultaneamente,  isolar  as  divisões  russas  que estavam  operando  no  Ártico.  O  general  Sikorski,  chefe  do  governo  polonês  no  exílio,  aprovou  o  plano,  mas os  britânicos  o  vetaram,  porque  a  posição  isolada  de  Petsamo  e  as  dificuldades  de  transporte  dali  para  o principal  teatro  de  guerra  tornavam-no  impraticável.  Os  franceses  propuseram  o  plano  para  um  ataque  pela Turquia  e  o  mar  Negro,  o  que  teria  obrigado  os  russos  a  transferir  grande  número  de  tropas  para  o  sul  para proteger  o  Cáucaso,  que  é  rico  em  petróleo,  mas  também  esse  plano  foi  abandonado.

O  fato  de  os  aliados  terem  pensado  seriamente  nesses  planos  indica  a  importância  apenas  secundária  que dava  à  guerra  finlandesa  propriamente  dita.  O  principal  interesse  neste  caso  era  abrir  uma  segunda  frente  e cada  um  dos  planos  poderia  ter  indicado  isso  -  à  custa  da  Finlândia  -,  mas  os  pontos  de  invasão  estavam muito  distantes  do  Continente,  para  afetar  de  imediato  o  esforço  de  guerra  alemão.  O  que  se  precisava  era  de um  plano  contendo  ameaças  mais  diretas  à  Alemanha,  obrigando-a  a  desviar  imediatamente  grande  número de  divisões  da  fronteira  francesa.  Para  este  fim,  a  área  mais  viável  era  a  Península  Escandinava  -  em particular,  Narvik  e  a  ferrovia  que  ligava  essa  cidade  a  Lulea.  Um  movimento  ali  resultaria  uma  tríplice finalidade:  primeiro,  Narvik,  o  porto  de  inverno  usado  no  embarque  de  minério  de  ferro  para  a  Alemanha seria  efetivamente  interditado  aos  alemães;  segundo,  a  ferrovia  que  passava  pelas  minas  de  ferro  suecas,  não mais  teria  permissão  para  transportar  minério  para  a  Alemanha  pelo  mar  Báltico;  terceiro,  com  suas conexões  com  a  Finlândia,  a  ferrovia  seria  o  meio  mais  rápido  e  fácil  de  levar  tropas  até  a  frente  finlandesa. As  duas  primeiras  etapas  foram  calculadas  para  abrir  a  segunda  frente  contra  a  Alemanha  e,  como  todos  os planos  operacionais  indicariam,  esse  continuou  sendo  o  mais  importante  objetivo  para  os  estrategistas aliados.

Embora  a  decisão  final  de  ocupar  Narvik    fosse  tomada  a  5  de  fevereiro,  os  planos  contingentes  para  a medida    estavam  prontos  em  dezembro.  Contudo,  os  planos  finais  eram  mais  ambiciosos,  indicando claramente  o  propósito  mais  amplo  dos  aliados,  que  exigia  a  ocupação  não    de  Narvik  mas  também  de Trondheim.  Bergen  e  Stavanger,  bem  como  o  treinamento  de  tropas  para  operações  destinadas  a  impedir  a intervenção  militar  alemã  na  Suécia.

Todo  o  planejamento  e  problemas  que  acompanharam  a  expedição  aliada  foram  reconhecidos  pelos finlandeses  que,  na  realidade,  sabiam  que  havia  pouca  esperança  de  a  ajuda  chegar  a  tempo  ou  em quantidade  suficiente  para  mudar  o  rumo  da  guerra.  Mas  também  reconheciam  o  valor  psicológico  muito  real de  tais  preparativos  para  levar  os  russos  à  mesa  de  negociações.  Além  disso,  as  propostas  poderiam  ser calculadas  para  provocar  mais  ação  e  obter  maior  apoio  da  Suécia  e  da  Noruega  em  favor  da  Finlândia.

Por  conseguinte,  com  a  ofensiva  de  fevereiro  tomando  impulso  no  Istmo,  o  governo  finlandês  empreendeu uma  dupla  política.  Por  um  lado,  procurou  estabelecer  contato  com  o  Kremlin  através  de  Estocolmo,  visando a  terminar  a  guerra.  Por  outro,  buscou  as  ofertas  aliadas  de  ajuda.  A  ameaça  de  intervenção  aliada  foi  usada num  esforço  para  moderar  os  termos  de  paz  russos  e,  esperançosamente,  fazer  a  Alemanha  pressionar Moscou  para  que  terminasse  a  guerra.  A  possibilidade  de  paz  foi  empregada  para  obter  mais  ofertas  de  tropas dos  aliados.

Quando  se  anunciou  o  plano  aliado  de  ajudar  a  Finlândia  em  fevereiro,  a  proposta  era  tão  vaga  que  nem mesmo  se  podia  dar  a  data  esperada  da  partida.  Nessa  época,  Londres  e  Paris  indicavam  estar  preparados para  pôr  de  lado  as  sutilezas  diplomáticas  e  simplesmente  deixar  que  os  transportes  de  tropas  aparecessem em  Narvik  sem  qualquer  consulta  prévia  a  Oslo  e  Estocolmo.

Por  volta  de  27  de  fevereiro,  a  proposta  aliada  foi  um  pouco  mais  específica;  pelo  menos  uma  data  -  15  de março  -  foi  dada  para  a  partida  dos  transportes  de  tropas,  esperando-se  a  chegada  a  Finlândia  por  volta  de  15 de  abril.  Contudo,  não  se  declarara  o  número  de  tropas  e  a  quantidade  de  suprimentos  e  armas.  Mannerheim tinha  a  impressão  de  que  o  número  de  homens  que  chegariam  a  Finlândia  seria  bem  pequeno,    que  a  maior parte  do  contingente  ficaria  na  Noruega  e  na  Suécia  como  guarnição.  Contrariamente  às  declarações anteriores,  os  finlandeses  foram  informados  de  que  seria  preciso  obter  os  necessários  direitos  de  trânsito  para as  tropas  de  Oslo  e  Estocolmo.  Quando  os  dois  governos  foram  procurados  sobre  a  questão  uns  dois  dias mais  tarde,  estes  rejeitaram-na  de  imediato,  tal  como  haviam  negado  todos  os  pedidos  anteriores  de intervenção  ativa  na  guerra  ou  permissão  de  transportar  qualquer  coisa  que  não  fossem  voluntários  através  de seus  territórios.

Entrementes,  conversações  indiretas  de  paz  haviam  sido  iniciadas  entre  Helsinque  e  Moscou,  cujos  termos  os russos  deixaram  claro  que  suas  exigências  territoriais  agora  eram  muito  maiores  do  que  as  do  outono anterior.  O  Kremlin  queria  todo  o  Istmo  da  Carélia  e  um  arrendamento  de  30  anos  do  cabo  Hango  para  ser instalada  ali  uma  base  naval;  além  disso,  insinuou-se  que  as  exigências  aumentariam,  se  os  finlandeses  não aceitassem  os  termos  imediatamente.

Quando  se  soube  que  Moscou  estava  sendo  sondado  para  assinar  a  paz,  os  aliados  então  fizeram  propostas mais  positivas.  A  paz  teria  sido  desvantajosa  para  os  aliados,  porque  representaria  o  fim  da  destruição  da economia  da  Rússia  e  o  cumprimento  das  suas  obrigações  comerciais  para  com  a  Alemanha.  No  dia  28,  o Ministro  britânico  credenciado  em  Helsinque,  Gordon  Vereker,  informou  ao  governo  finlandês  que  os britânicos  estavam  preparados  para  lhe  mandar  cerca  de  13.000  homens  em  meados  de  abril,  além  das  tropas que  ficariam  na  Noruega  e  na  Suécia.  Os  detalhes  da  execução  do  plano  e  o  tipo  de  forças  envolvido  não foram  enunciados,  mas  foi  garantido  aos  finlandeses  que  as  tropas  permaneceriam  na  Finlândia  até  o  acordo final  de  paz.

No  dia  29,  quando  se  soube  que  se  estava  tomando  providências  definitivas  para  terminar  a  guerra  e  que Mannerheim  aconselhara  categoricamente  ao  seu  governo  para  celebrar  a  paz  de  imediato,  os  aliados  fizeram nova  oferta.  Charles  Magny,  o  Ministro  francês  em  Helsinque,  afirmou  que  uma  força  anglo-francesa  de 20.000  homens  estava  pronta  para  partir  imediatamente  para  a  Finlândia;  ele  insistiu  para  que  os  finlandeses continuassem  a  guerra  e  advertiu  que,  se  não  o  fizessem,  a  Finlândia  teria  de  assumir  total  responsabilidade por  quaisquer  amputações  territoriais  e  perdas  econômicas  que  viesse  a  sofrer  como  resultado  de  um  tratado de  paz.  A  informação  e  as  afirmações  de  Magny  convenceram  os  finlandeses  de  que  os  aliados  estavam  mais interessados  em  abrir  uma  segunda  frente  contra  a  Alemanha  do  que  realmente  em  ajudar  seu  país,  e  também que  os  aliados  não  estavam  coordenando  sua  política,    que  havia  tamanha  disparidade  entre  as  propostas britânica  e  francesa.  Por  conseguinte,  decidiu-se  assinar  a  paz  o  mais  breve  possível.

Naquela  noite,  o  ministro  finlandês  em  Paris,  Harri  Holma,  informou  que  Daladier  prometera  enviar  50.000 homens  para  a  Finlândia,  que  eles  partiriam  a  12  de  março  e  que  os  aliados  resolveriam  o  problema  dos direitos  de  trânsito  pela  Escandinávia.  Mas  essa  promessa  dependia  da  aprovação  em  Londres.  Além  disso, um  requisito  prévio  à  ajuda,  era  que  Helsinque  interrompesse  todas  as  negociações  com  Moscou,  pois  do contrário  todo  o  projeto  seria  abandonado.

A  oferta  francesa  era  tentadora,  mas  também  colocava  o  governo  finlandês  num  sério  dilema:  se  devia  fazer a  paz  com  os  russos  em  termos  tão  desfavoráveis,  mas  pelo  menos  salvar  o  que  restava  do  país,  ou  aguardar  a ajuda  aliada,  na  esperança  de  que  o  degelo  da  primavera  viesse  logo  e  detivesse  o  avanço  russo  o  bastante para  os  aliados  terem  tempo  de  chegar  à  Finlândia.  O  governo  finlandês  decidiu  pedir  maiores esclarecimentos  dos  últimos  termos  soviéticos  e,  ao  mesmo  tempo,  assegurar-se  da  esperada  data  de  chegada da  força  anglo-francesa.  Eles  também  pediram  aos  aliados  que  enviassem  imediatamente  100  bombardeiros com  armas  e  tripulações.

Os  dias  seguintes  foram  caóticos;  a  única  certeza  surgida  da  confusão  era  que  o  Exército  finlandês  estava  à beira  da  exaustão  total  e  que  os  aliados  não  conseguiam  decidir  entre  si  o  tamanho  exato  das  força  proposta nem  como  obteriam  os  direitos  diante  das  objeções  suecas  e  norueguesas.  O  Primeiro-Ministro  sueco advertira  Tanner  que  se  os  aliados  tentassem  forçar  a  passagem  para  a  Finlândia,  os  suecos  entrariam  na guerra  ao  lado  da  Rússia.  A  2  de  março,  os  aliados  prometeram  enviar  imediatamente  os  bombardeiros  e declararam  que  a  expedição  zarparia  a  15  de  março.  No  dia  seguinte,  Vereker  declarou  que  somente  6.000 soldados  britânicos  seriam  enviados,  mas  que  partiriam  no  dia  11,  se  a  Finlândia  fizesse  um  pedido  oficial ate  o  dia  5.  No  dia  6,  os  franceses  informaram  que  uma  força  inicial  de  18.000  franceses  e  12.000  britânicos embarcaria  dentro  de  uma  semana,  acompanhada  de  72  bombardeiros.  Mesmo  que  essa  forças  fossem atacadas  pelos  alemães,  o  número  de  soldados  destinados  à  Finlândia  não  diminuiria.  Além  disso,  os franceses  estavam  certos  de  que  os  suecos  não  se  oporiam  à  passagem  das  tropas.

A  crescente  disparidade  entre  os  ambiciosos  planos  franceses  e  as  propostas  inglesas,  mais  modestas,  deu  aos finlandeses  motivo  para  maior  discussão.  Depois  da  devida  consideração,  eles  decidiram  que  a  única  solução era  a  paz,  e  enviaram  uma  delegação  a  Moscou  para  negociá-la.  Esta  era  a  única  decisão  racional  a  ser tomada  nas  atuais  circunstâncias,    que  a  nação  estava  ameaçada  de  desastre  total  se  o  exército  entrasse  em colapso,  pois  as  exigências  russas  aumentariam  em  proporção  ao  sucesso  dos  Exércitos  vermelhos.  Contido, os  finlandeses  não  fecharam  totalmente  as  portas  dos  aliados;  eles  pediram  uma  dilatação  do  prazo  de  pedido de  ajuda  até  o  dia  12.

As  tentativas  anglo-francesas  de  manter  os  finlandeses  na  guerra  continuariam  até  o  fim.  No  dia  7,  os  aliados prometeram  despachar  15.500  homens  para  Narvik  no  dia  15  de  março,  seguindo  mais  42.000  homens  assim que  o  transporte  ferroviário  o  permitisse.  Então,  no  dia  8,  Daladier  enviou  um  comunicado  pelo  qual  insistia para  que  o  governo  finlandês  aceitasse  a  oferta  anglo-francesa  ou  então  assumisse  total  responsabilidade pelas  conseqüências  de  uma  paz  com  a  Rússia.  Essa  declaração,  parecida  com  a    feita  por  Magny,  revela tanto  a  falta  de  compreensão  e  simpatia  do  francês  pela  Finlândia  em  sua  hora  de  aflição  e  perigo,  bem  como o  seu  desejo  de  estabelecer  uma  segunda  frente  contra  a  Alemanha.  Não  pode  haver  dúvida  de  que  qualquer ajuda  aliada  teria  sido  muito  pequena  e  tardia  demais  para  salvar  a  Finlândia  e  que  Paris  por  certo  deveria saber  disso.

Apesar  da  enormidade  das  exigências  soviéticas,  os  finlandeses  decidiram  assinar  o  tratado.  O  que  os  russos agora  exigiam,  e  receberam,  era  cerca  de  10%  do  território  da  Finlândia  -  todo  o  Istmo  da  Carélia,  incluindo Viipuri,  o  território  ao  norte  do  lago  Ladoga,  que  incluíam  as  comunas  de  Sorvatala  e  Kuusamo,  e  as  ilhas finlandesas  na  extremidade  oriental  do  Golfo  da  Finlândia,  incluindo  a  ilha  Suur.  A  Finlândia  também concordou  em  arrendar  o  cabo  Hango  à  URSS,  como  base  naval,  durante  30  anos,  e  construir  uma  ferrovia de  Salla  até  Kemijarvi  e  assinar  um  pacto  de  defesa  com  a  Rússia.  Como  resultado  dos  cortes  territoriais,  a Finlândia  perdeu  cerca  de  12%  da  sua  base  econômica  e  teve  de  reinstalar  os  habitantes  dos  territórios cedidos,  a  maioria  dos  quais  preferiu  mudar-se  para  dentro  das  novas  fronteiras  a  viver  no  regime  soviético. O  número  total  de  pessoas  a  serem  reinstaladas  era  de  uns  450.000,  ou  aproximadamente  10%  da  população finlandesa.

Para  a  Finlândia,  as  agruras  da  guerra  estavam  terminadas.  Para  seu  crédito  imorredouro,  o  que  ela  fez, realizou  virtualmente  sem  ajuda,  sozinha.  Em  retrospecto,  após  os  acontecimentos  de  maio  e  junho  de  1940, as  ofertas  aliadas  de  ajuda  pareceram  quiméricas.  Ainda  assim,  os  finlandeses  não  podem  ser  acusados  de usar  essas  ofertas  o  melhor  que  podiam  para  impedir  que  os  russos  ocupassem  todo  o  país.  Embora  não  haja muita  evidência  para  prová-lo,  não  pode  haver  muita  dúvida  de  que  o  interesse  anglo-francês  no  conflito influenciou  o  Kremlin  a  assinar  a  paz.  Apesar  do  fato  de  que  a  URSS  era  aliada  da  Alemanha  na  época,  era muito  provável  que  Stalin  não  quisesse  uma  ruptura  franca  com  o  Ocidente  e,  como  os  acontecimentos vieram  a  provar,  sua  decisão  foi  sensata.

Para  os  estados  escandinavos,  especialmente  a  Suécia,  o  fim  da  guerra  foi  um  grande  alívio.  Na  política internacional,  a  soberania  e  a  ação  independente  dos  estados  pequenos  com  muita  freqüência  são  reduzidas  e circunscritas  pelos  interesses  nacionais  e  internacionais  dos  seus  vizinhos  poderosos.  Assim  era  o  caso  da Suécia.  Pressionado  interna  e  externamente,  o  governo  sueco  estivera  numa  posição  cada  vez  mais  incômoda durante  os  três  meses  anteriores.  Por  um  lado,  a  imensa  popularidade  e  apoio  pela  causa  finlandesa  na Suécia,  oriunda  das  velhas  associações  culturais  e  históricas  entre  os  dois  países,  bem  como  a  tendência humana  natural  de  se  aliar  ao  oprimido,  colocara  o  governo  sueco  numa  posição  política  embaraçosa  e, talvez,  basicamente  insustentável,  sobretudo  quando  os  aliados  solicitaram  direitos  de  trânsito  para  a Finlândia  a  suas  tropas.  Por  outro  lado,  a  coerção  e  coação  diplomáticas  sutis  e  não  tão  sutis  a  que  a  Suécia foi  submetida  pela  URSS  e  pela  Alemanha  atuaram  ativamente  contra  o  apoio  vivo  e  franco  da  Finlândia.  À parte  questões  morais,  a  Suécia  adotou  uma  atitude  calculada  sobretudo  para  preservar  sua  própria independência  e  assim  fazendo  pôde  enviar  ajuda  material  à  Finlândia  após  a  guerra.

O  significado  da  guerra:

Uma  análise  do  impacto  da  Guerra  de  Inverno  sobre  os  acontecimentos  posteriores  tem  de  começar  com  um exame  de  como  a  Alemanha  avaliou  aquele  conflito  porque,  como  o  centro  da  tempestade  européia,  suas ações  e  atitudes  determinaram  em  grande  parte  o  futuro  curso  dos  acontecimentos.  Hitler  e  seus  líderes militares  dificilmente  ficaram  descontentes  com  os  reveses  sofridos  pelo  Exército  Vermelho.  Se  tanto,  a Guerra  de  Inverno  estimulou  seu  complexo  de  superioridade  germânica  sobre  os  eslavos.  Mas  sua  convicção de  superioridade  também  os  deixou  cegos  às  realidades  do  que  a  experiência  representou  para  o  comando militar  soviético  e  a  influência  que  ela  teve  na  reorganização,  no  treinamento  e  na  equipagem  das  tropas russas.  A  subestimação  do  potencial  militar  soviético  por  parte  de  Hitler  e  sua  decisão  de  invadir  a  Rússia antes  de  derrotar  a  Inglaterra  foram,  em  parte,  o  resultado  da  Guerra  de  Inverno.

Se  examinamos  apenas  as  estatísticas  das  perdas  russas  em  homens  e  material,  torna-se  clara  a  razão  por  que Hitler  acreditava  que  a  URSS  era  um  gigante  abalado,  incapaz  de  resistir  à  máquina  bélica  alemã.  Quando  a guerra  terminou,  as  forças  vermelhas  concentradas  contra  a  Finlândia  totalizavam  45  divisões;  se  incluirmos as  unidades  especiais  e  os  escalões  de  retaguarda,  as  forças  atingiam  aproximadamente  um  milhão  de homens.  Um  cálculo  conservador  é  que  pelo  menos  200.000  destes  morreram  e  um  número  ignorado  deles foi  ferido.  Em  contraste,  as  baixas  finlandesas  foram  de  68.480,  dos  quais  24.923  foram  mortos  e considerados  desaparecidos,  e  43.557  feridos.  A    atuação  das  forças  blindadas  russas  e  as  sérias  perdas que  essas  unidades  sofreram  teriam  convencido  a  qualquer  um  da  incompetência  dos  militares  soviéticos. Contra  os  finlandeses,  os  russos  lançaram  3.200  tanques,  leves,  médios  e  pesados,  dos  quais  aqueles capturaram  ou  destruíram  1.600,  sem  falar  dos  3.000  a  4.000  especialistas  treinados  que  pereceram  ou  foram capturados.  A  Força  Aérea  vermelha  não  se  saiu  melhor,  tendo  perdido  mais  de  900  aviões  na  guerra.

Mas  os  números  não  revelam  as  causas  das  baixas  soviéticas  ou  o  que  os  russos  fizeram  mais  tarde  para eliminá-las.  O  exército  soviético,  esperando  lutar  uma  guerra  convencional  com  a  Finlândia,  entrara  em combate  com  um  exército  treinado  para  guerrear  num  palco  ambiental  e  geográfico  muito  diferente.  Ele  não estava  preparado  para  a  temperatura  subártica  e  não  analisara  a  topografia  ou  o  tipo  de  defesas  que  poderia enfrentar,  embora  a  Divisão  de  Inteligência  deva  ter  tido  informações  a  esse  respeito.  A  163ª  Divisão ucraniana,  por  exemplo,  foi  tirada  diretamente  das  planícies  e  enviada  para  Suomussalmi,  sem  ser  reequipada nem  treinada  novamente  para  o  tipo  de  guerra  que  a  aguardava.  Teria  sido  fácil  treinar  esses  homens  em combate  na  floresta  no  distrito  militar  de  Moscou  ou  na  Carélia  russa,  especialmente  porque  a  invasão  foi planejada  pelo  menos  com  alguns  meses  de  antecedência.

Operando  numa  estratégia  militar  convencional,  os  russos  não  eram  páreo  para  as  táticas  de  tipo  guerrilha finlandesas;  vezes  sem  conta,  eles  mostraram-se  incapazes  de  inovações  imaginativas  diante  de  situações difíceis.  Até  mesmo  no  Istmo  da  Carélia,  quando  obrigaram  os  finlandeses  a  recuar,  os  comandantes  do Exército  Vermelho  não  demonstraram  qualquer  habilidade  especial  em  capitalizar  um  sucesso  inicial.  Assim, os  finlandeses  puderam  recuar  a  salvo  em  todas  as  ocasiões.  Esta  falta  de  imaginação  foi  uma  das  razões básicas  para  as  tremendas  perdas  sofridas  pelas  forças  russas.

Contudo,  o  que  os  militares  alemães  não  lograram  levar  em  consideração  ou  deixaram  de  observar  sobre  os russos  na  Guerra  de  Inverno,  foi  sua  capacidade  de  se  entrincheirarem  e  construir  bunkers  que  podiam resistir  a  tudo,  exceto  a  um  tiro  certeiro,  bem  como  sua  perícia  na  luta  de  casa  em  casa  nas  aldeias.  Em Stalingrado,  essa  capacidade  seria  vantajosa  para  os  russos.  Outro  fator  na  guerra  e  que  os  alemães  não levaram  em  conta  foi  o  ambiente  estranho  onde  os  russos  estavam  lutando.  Quando  a  Alemanha  atacou  a Rússia,  os  soldados  soviéticos  lutaram  em  ambientes  familiares  e  lutaram  pelos  seus  lares.  Se,  a  princípio,  os Exércitos  Vermelhos  baquearam  ante  o  ataque  nazista,  sua  resistência  em  Stalingrado  os  redimiu. Finalmente,  os  nazistas  não  sabiam  que  os  comissários  políticos  adidos  a  cada  unidade  do  Exército  Vermelho tinham  um  efeito  debilitante  na  tomada  de  decisão  dos  comandantes  militares.  Esse  sistema  de  duplo comando  afetou  seriamente  a  eficiência  do  exército,  mas,  aparentemente  como  resultado  da  guerra,  o  sistema foi  abolido  em  agosto  de  1940.  Assim,  os  comandantes  militares  tiveram  a  oportunidade  de  reorganizar  as forças  armadas  sem  o  tipo  de  interferência  política  cuja  experiência    tiveram  antes.  Depois  da  invasão  de Hitler  em  1941,  os  comissários  políticos  foram  novamente  anexados  a  todas  as  unidades,  mas  em  1943  sua influência  foi  reduzida,  se  não  totalmente  anulada.

Como  resultado  da  guerra,  as  forças  armadas,  sob  a  liderança  do  Marechal  Timoshenko,  submeteram-se  a uma  reorganização  de  alto  a  baixo.  A  patente  de  general  e  outras  foram  reintroduzidas,  com  a  maioria  dos privilégios  a  elas  conferidos.  Deu-se  maior  ênfase  ao  treinamento  e  ao  equipamento  adequado.  Embora  a reorganização  não  estivesse  completa  quando  Hitler  pôs  seus  exércitos  em  marcha,  o  Exército  Vermelho estava  em  melhor  forma  do  que  estava  sem  a  experiência  da  Guerra  de  Inverno.  Certa  vez,  Timoshenko observou  para  o  Adido  Militar  finlandês  que  os  russos  tinham  adquirido  grande  experiência  na  guerra  com  a Finlândia.

Embora  seja  improvável  que  Hitler  pretendesse  cumprir  à  risca  o  seu  tratado  com  a  Rússia,  a  Guerra  de Inverno  aparentemente  fê-lo  decidir  atacar  a  URSS  o  mais  breve  possível.  Em  julho  de  1940,  ele  deu  ordens para  a  invasão  e,  por  volta  de  dezembro,  o  plano  estava  quase  em  sua  forma  definitiva.  Durante  o  mês  de setembro,  os  finlandeses  e  os  alemães  entraram  num  acordo  que  permitia  às  tropas  alemães  atravessar  a Finlândia  indo  e  vindo  para  as  bases  alemães  no  norte  da  Noruega.  Em  dezembro,  o  General  Heinrichs,  do Estado-Maior  de  Mannerheim,  fez  uma  palestra  para  o  Estado-Maior  Militar  alemão  sobre  as  técnicas  da guerra  ártica.  Quando  a  invasão  da  Rússia  começou,  em  junho  de  1941,  os  finlandeses,  embora  jamais fossem  oficial  ou  formalmente  aliados  do  Reich,  participaram  da  luta  para  recuperar  seus  territórios  perdidos. E  os  recuperaram,  apenas  para  tornar  a  perdê-los  no  Fim  da  Segunda  Guerra  Mundial.

A  Guerra  de  Inverno  também  atraiu  o  interesse  da  Alemanha  para  a  Noruega.  Como  resultado  dos  planos aliados  de  transportar  tropas  pelo  território  norueguês  até  a  Finlândia,  Hitler  decidiu  que  a  Noruega  teria  de ser  ocupada  o  mais  depressa  possível.    em  dezembro  de  1939,  ele  conversara  com  Vidkun  Quisling,  um nazista  norueguês,  sobre  a  criação  de  um  regime  nazista  na  Noruega.  Naturalmente,  os  aliados  não  haviam perdido  seu  interesse  na  Noruega  nem  mesmo  depois  que  os  finlandeses  capitularam.  O  plano  de  minar  as águas  costeiras  norueguesas  estava  de    e  no  dia  da  ocupação  nazista  os  navios  britânicos  zarparam  para  a Noruega  para  aquele  objetivo.

Finalmente,  e  de  modo  mais  sucinto,  não  devemos  ignorar  o  efeito  moral  e  psicológico  da  Guerra  de  Inverno sobre  o  esforço  de  guerra  aliado.  Num  clima  de  ilegalidade  internacional,  os  finlandeses  haviam  sido obrigados  a  recorrer  às  armas  para  proteger  sua  integridade.  Sua  esplêndida  coragem  e  arrojo  diante  das dificuldades  inauditas  foi  um  exemplo  para  todo  o  mundo.  Embora  o  custo  fosse  elevado,  os  finlandeses estiveram  dispostos  a  pagar  o  preço  da  sua  liberdade.  O  fato  de  ter  perdido  a  guerra  torna-se  insignificante quando  lembramos  que  seu  país  saiu  do  conflito  com  seu  direito  à  liberdade  comprovada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Segunda Guerra Mundial - 1940 Janeiro A Maio - Vigília de Armas

Janeiro a Maio de 1940 Vigília de Armas Tópicos do capítulo: Quadro do Exército francês: Os efetivos O armamento Discussão sobre a ar...