Setembro a
Dezembro de 1939
A
Guerra Esquisita
Expectativa:
Esquisita guerra.
Diariamente, trens passam
às dezenas, pela
margem direita do
Reno, a 500m
das armas francesas, postas na
ponte de Chalempe: as sentinelas
contam os vagões
e prestam conta...
Uma
enchente do rio
carrega algumas lanchas;
os estados-maiores procuram
uma linha reta
para fazê-las afundar pelas casamatas
da margem, sem
que os projéteis
atinjam a margem
alemã... Soldados alemães
trabalham a todo
risco, sob painéis, prometendo
que não atirarão
em primeiro lugar;
um Fieseler-Storch faz
a sua ronda,
com um ruído
de motocicleta rouca; alto-falantes gritam
que os ingleses
se baterão até
o último francês:
ninguém tenta dispersar
os trabalhadores, abater o
avião ou fazer
calar essa voz
destrutiva do moral.
Esquisita guerra! Exércitos
contendo centenas de milhares
de homens terminam
assim sua prestação
de contas cotidiana:
“Perdas para o
inimigo: nada. Perdas
por acidentes: tanto (muito
grande)”. No Grande
QG a seção
que desenvolve maior
atividade é a
do...teatro para os
soldados. Estranhíssima guerra!
O
front, se é
que se pode
empregar essa palavra
pomposa, caiu em
letargia. No dia
12 de setembro,
a ofensiva em favor
da Polônia foi
detida, porque já
não mais havia
Polônia. A 30
de setembro, decidiu-se
a retirada das
forças para o território francês.
Em 16 de
outubro, porque Hitler
ordenara libertar o
território alemão, as
retaguardas, deixadas em posições
conquistada, foram dispersadas, para
ficarem à altura,
os franceses evacuaram,
espontaneamente, o saliente
de Forbach, onde se
encontram suas mais
produtivas minas de
hulha. O primeiro
dogma de sua
religião militar estritamente defensiva era
não se bater
em duas frentes.
Consequentemente, tudo está
subordinado à defesa
da Linha Maginot, principal posição
de resistência, onde
a guerra será
ganha, contendo o
assalto inimigo.
À opinião
francesa, a Linha
Maginot inspira uma
confiança religiosa. Mas
o menos importante
oficial de estado-maior, em gozo
de um mínimo
de independência de
espírito, conhece os
defeitos desse imenso
covil de raposa.
É, realmente, “uma linha”,
isto é, uma
posição sem profundeza,
sobre a qual
só se pode
travar combate frontal.
Os fortes se
defendem mal e seus
construtores ignoraram a
existência da aviação.
Não tomaram em
consideração o bombardeio
de mergulho, que tanto
pode vencer os
couraçados terrestres quanto
os do mar,
nem o desembarque
de tropas aerotransportadas sobre
as superestruturas. O obstáculo
antitanques, constituído por
pedaços de trilhos,
é por demais
fraco; os parapeitos
da artilharia são vulneráveis; os
campos de tiro
podem ser obstruídos
por uma preparação
de artilharia; enfim,
o poder de
fogo das obras é
ínfimo em relação
à sua enormidade
e a seu
custo. A Linha
Maginot é um
magnífico abrigo, mas
um medíocre instrumento de
combate. Diga-se que
é impenetrável e
absurda. A prova
disso será feita
depois de 10
de maio de
1940. Nesse dia, os
alemães se apoderarão,
em 4 horas,
por meio de
um assalto aéreo,
do forte belga
de Eben-Emael. Os
oficiais do Estado-Maior francês,
reportando-se às suas
notas de campanha,
para apreciar o
acontecimento, lerão o
seguinte: “O forte couraçado
de Eben-Emael, pilastra
norte da defesa
de Liege, é
comparável às obras
mais poderosas de
nossas fortificações do Nordeste...”.
O
fato de que
a Linha Maginot
se detém em
Montmedy escapou menos
aos cérebros militares
franceses do que
a invenção do avião.
Foram elaborados projetos
para prolongá-la até
o mar e
reforçá-la numa segunda
linha, disputando o acesso
da Bacia Parisiense.
Foi necessário renunciar
a isso, não
somente por motivos
financeiros, mas principalmente porque o
acabamento e a
duplicação da Linha
Maginot absorveram o
Exército francês. As
fortificações têm por
objetivo economizar os efetivos
e é um
costume tão antigo
como a guerra
mantê-las por tropas
de valor secundário;
a Linha Maginot, contrariamente, exige
para suas guarnições
tropas numerosas e
especializadas. Em Saint-Cyr
as listas de promoções não
saem mais “na
Legião”, saem “dans
de béton” (na
arma de Engenharia). De
Basiléia a Sedan,
21 divisões de elite
se acumulam em
subterrâneos. Imóveis, por
destino, são desprovidas
de meios de
transporte e inutilizáveis fora
de sua concha. Triplicar a
extensão da Linha
teria estendido essa
paralisia a 2/3
das grandes unidades.
Mas
ainda não é
tudo. Feita para
defender, a Linha
tem necessidade de
ser defendida. A
cada uma das
divisões de fortaleza é
preciso sobrepor uma
ou duas ditas
de intervalo. A
destreza insuficiente, a fraca mobilidade
do Exército francês são
ainda reduzidas por
essa pesada servidão
- e, no
entanto, o dogma
da Linha Maginot
é imposto como
uma disciplina intelectual a
toda a hierarquia
militar. Aconteceu a
um general moderar
o entusiasmo do
Duque de Windsor,
de volta de
uma visita à Linha;
informado disso, pelo
Duque, por ocasião
de um almoço
em Vincennes, Gamelin
pousou o guardanapo
e foi ao telefone
exonerar o herético
do comando. Em média, a
Linha Maginot se
encontra a uma
dúzia de quilômetros
aquém da fronteira. Cada
divisão de intervalo
prolonga, para frente,
seu grupo de
reconhecimento e um
ou dois batalhões.
Frágil cobertura que se
subdivide em uma
linha de segurança.
Por fim, só
esses grupos estão
em contato, algumas
vezes em completa quietude,
outras em condições
bastante severas. Dois
ou três setores,
como o de
Apach, perto da
fronteira luxemburguesa, ou a
região atormentada ao
sul de Forbach,
fazem exceção à
trégua tácita que
os exércitos francês
e alemão se permitiram.
Os alemães fazem
rápidas incursões de
vaivém, com cobertura
do fogo de
metralhadoras e de morteiros e,
freqüentemente, tomam de
assalto os postos.
Os franceses limitam-se
a armar emboscadas,
nas quais se deixa
prender, de quando
em quando, um
inimigo desafortunado. Com
tal jogo, enquanto
os franceses fazem
100 prisioneiros, os alemães
fazem 3.000. O
Comando explica que
não deseja deixar-se
arrastar na engrenagem
de uma luta nos
postos avançados. Só
se combate em
uma posição.
|
O
impressionante é o
deserto que se
estende entre os
destacamentos de cobertura
e a Linha.
Toda a população
foi evacuada - embora
os alemães tenham
deixado seus civis
nas vizinhanças da
fronteira. Nas aldeias,
vergonhosamente pilhadas - falência
da disciplina -,
mal se encontra
um pequeno elemento
da engenharia encarregada
de fazer o
jogo das destruições. Da
mesma maneira que
as aldeias, as
cidades foram evacuadas,
inclusive Estrasburgo, transformada em cidade
do silêncio e
severamente protegida por
barragens de gendarmes,
- de tal
maneira se teme
que ela seja
saqueada. Contidos no Sudoeste
da França, os
alsacianos e os
lorenos acumulam um
velho rancor contra
franceses que não
podem admitir que franceses
falem alemão.
E
a chuva cai.
E as perguntas
se multiplicam. Essa
guerra sem guerra
não será um
mal-entendido? No dia
6 de outubro, em
um discurso ao
Reichstag, Hitler fizera
uma proposta de
paz: a França
e a Inglaterra
as repeliram, mas
a trégua total nos
combates dão a
impressão de que
as conversações secretas
estão em curso.
De resto, consolidara-se nos espíritos a
idéia de que
a Linha Maginot
e a Linha
Siegfried eram inexpugnáveis e de que
o exército que
se arriscasse a tomar
a ofensiva seria
destruído. Assim, o
conflito só pode
revestir-se das formas
de uma luta
ideológica e econômica.
Seria a propaganda e
pelo bloqueio que
Hitler iria ser
posto de joelhos.
Nascida
da dúvida e
do tédio, uma
imensa preguiça toma
conta do Exército
francês. As sondagens
feitas pelo controle postal pintam
homens dóceis mas
inertes e convencidos
de que serão
desmobilizados antes de
haverem combatido. Os acantonamentos são
em geral deficientes, mas
a alimentação, regulamentar ou
suplementar, é abundante.
O Exército francês come
e bebe. Os
oficiais, que o
regulamento alemão põe
no regime do
Goulashkanon, da cozinha
rolante, vivem no luxo
alimentar. Os QG
são os últimos
a ter autoridade
para censurá-los: disputam-se
os chefes dos
grandes restaurantes
parisienses e enviam
seus carros de
ligação a buscar
trutas nos Vosges
ou rodovalho em
Boulogne. Uma das
mais importantes cozinhas do
GQG, arrastará sua
adega pelas estradas
da derrota e
a esvaziará, depois
do armistício, em Montauban.
A
desculpa desse sibaritismo
sob as armas
era que o
sangue não corria.
Mal recuperada da
hemorragia 1914-18, a nação
ficava reconhecida, por
isso, ao Comando.
Essa segunda guerra
de posição não
repete as matanças
absurdas, as lutas de
gigantes por pedaços
de terra. Mas
o Exército francês
deveria empregar a trégua que
lhe concediam para
se reforçar e se
endurecer. Mas foi
o contrário que
aconteceu: o Exército
francês perdia a
têmpera e amolecia.
No
entanto, teve, para
instruí-lo, uma lição
gratuita. A Wehrmacht
deu-lhe, na Polônia,
uma exibição de
seus processos de combate.
Lição preciosa. Lição
perdida!
Depois
de outubro o
Deuxieme Bureau empreendeu,
espontaneamente, um estudo
crítico da campanha
da Polônia. Prisioneiro do
conformismo militar francês,
atento para não
se chocar, muito
diretamente, com as
idéias dos grandes
chefes, não se elevou
à simplicidade e
à força das
conclusões formuladas no
outro campo, através
de estudos análogos:
falência completa da defesa
linear, preponderância da
rapidez sobre a
ação do fogo,
etc. Não obstante,
enumerou com exatidão todas as
características da nova
guerra à maneira
alemã. Mostrou que
a vitória, na
Polônia, havia sido
trabalho quase exclusivo das
divisões blindadas, cooperando
com a aviação.
Fez ressaltar que
não havia apenas
um, mas, na
realidade, dois exércitos alemães:
um de infantaria-artilharia e
um de tanques-aviação, cada
qual operando com
velocidade própria e independentemente do
outro. Entrando em
pormenores, o Deuxieme
Bureau demonstrou a
manobra das duas
divisões Panzer: a 3ª
forçando o ferrolho
de Mlawa, mudando
de rumo para
varrer as margens
do Narew, antes
de descer para tomar
Varsóvia pela retaguarda;
a 5ª desembocando da
Eslováquia, a 300
km de sua
base de partida,
depois girando 120° para
se abater, ela
também, sobre Varsóvia.
Os efeitos do
bombardeio de mergulho,
sobre o moral
das tropas, o
uso dos pára-quedistas, a
paralisia dos movimentos
militares causada pelas
multidões de refugiados
que enchiam as
estradas, nada de essencial
falta a esse
importante documento. A
lentidão de escoamento
dessa papelada militar
fará com que
ele chegue, a certos
estados-maiores, durante a
batalha de maio,
a tempo de
que possam confirmar
seu fundamento. Só
terá essa utilidade.
O
Comando francês recusa-se
a dar importância
a esses ensinamentos da
campanha da Polônia
- Kriegspiel, na realidade. Os
oficiais que empreenderam seus
estudos estão discretamente desencorajados. O
Troisieme Bureau,
autoridade decisiva, declara
que não se
poderia tomar o
que se passara
na Polônia como
base de instrução
do Exército francês durante
o inverno. As
condições são por
demais diferentes. Na
Polônia, a Alemanha
enfrentara um exército primitivo, mediocremente comandado,
mediocremente equipado, constrangido a
guarnecer frentes desproporcionadas, em terreno
desprovido de qualquer
organização defensiva. Na
França, está enfrentando
um exército moderno,
comandado por um discípulo
de Joffre, soberbamente equipado,
instalado num campo
de batalha bem
dividido e bem
isolado, apoiado no sistema
de fortificações mais
poderoso jamais construído:
a Linha Maginot.
A
maior prova de
que nada existe
de comum entre
as duas situações
é que Hitler
não ataca. Ele
se atirara sobre
a Polônia. Diante da
França, espera.
A
chuva põe Hitler
em xeque:
A
primeira ordem de
ataque contra o
exército comandado, equipado,
instalado, fortificado, “maginotado”, fora
assinada a 27 de
outubro, pelo Fuhrer.
A ofensiva deveria
se iniciar a
12 de novembro,
15 minutos antes do
sol nascer.
A
decisão de derrotar
a França ainda
em 1939 havia
sido tomada antes
mesmo do fim
da guerra na
Polônia. Quando Hitler a
anunciou aos principais
chefes da Wehrmacht,
a 27 de
setembro, Varsóvia ainda
resistia. Os generais
recusaram a tomar a
sério uma intenção
que lhes parecia
desproporcional aos meios
de que dispunham.
Foram necessárias muitas reuniões na
nova Chancelaria, a
instrução n° 6
sobre a condução
da guerra e,
por fim, a
ordem de 27
de outubro, para convencê-los de
que o Fuhrer
cogitava mesmo de
se atirar sobre
a França, transportando para
o Oeste os
métodos de combate que
no Leste haviam
sido tão brilhantemente bem
sucedidos.
|
Regressando da
Polônia, pelas ferrovias
ou rodovias, os
exércitos alemães se
concentravam no Reno.
Brauchitsch, conscienciosamente,
visitou os QG.
A unanimidade reinava
neles: a ofensiva
desejada pelo Fuhrer
era uma impossibilidade e a
ordem de ataque,
para 12 de
novembro, uma loucura.
Brauchitsch considerou que
era seu dever
de comandante-chefe opor-se a
elas.
O
dia 5 de
novembro era uma
data importante: devia-se
decidir, ao meio-dia,
se a ordem
de ataque seria
ou não mantida. Brauchitsch
apresentou-se, pela manhã,
à nova Chancelaria
e pediu para
ser recebido, a
sós, pelo Fuhrer.
Hitler cedeu, de má-vontade.
Brauchitsch começou pela
leitura de um
memorando em que
reunira as considerações militares
que desaconselhavam uma ofensiva
a oeste. O
Exército francês era
forte demais. O
Exército alemão ainda
não havia adquirido bastante resistência. Faltava-lhe
artilharia pesada; faltavam-lhe as
munições necessárias para
atacar as fortificações francesas. Alcançada
sobre um adversário
fraco, a vitória
da Polônia não
devia iludir ninguém.
Devia ser utilizada
a vantagem política que
ela dava à
Alemanha, para ser negociada, em
boas condições, a
paz geral.
Hitler,
de início, escutara
em silêncio profundo.
A explosão veio
quando o Coronel-General aludiu
aos defeitos morais que
a campanha da
Polônia fizera aparecer
no novo Exército
alemão, nascido do
nazismo. “A Infantaria
- disse Brauchitsch - não
demonstrou o mesmo
espírito ofensivo que
teve na guerra
precedente. Mesmo em certas
divisões da ativa,
atos de indisciplina foram
assinalados...”.
Brauchitsch nada
mais leu. Entrou
na ante-sala parecendo
que ia desmaiar.
Hitler havia tomado
o documento de
suas mãos, o rasgou
e o pisoteou
no chão. Depois
chamara Keitel -
“Lakeitel”, Keitel, o
lacaio - e,
através da porta,
ouviram-no rugir contra a
estupidez e a
covardia dos generais.
Quando
Keitel saiu, era
meio dia em
ponto. O coronel
do estado-maior Warlimont
esperava à porta
do Fuhrer. Advertiu que o
momento fixado para
a confirmação da
ofensiva já tinha
passado. No calor
da indignação, Hitler
e seu general doméstico haviam
se esquecido disto.
Keitel
voltou à cova
do leão. Dali
saiu logo depois,
dizendo que a
ordem para 27
de outubro fora
confirmada. Quando
Warlimont telefonou essa
ordem ao Estado-Maior de
Brauchitsch, o oficial
que recebeu a
mensagem manifestou surpresa. “Mas -
disse ele -
o Coronel-General foi
expor ao Fuhrer
por que a
ofensiva é impossível...” “O
Coronel-General - respondeu Warlimont -
não conseguiu convencer o
Fuhrer...”
Brauchitsch pediu
demissão. Hitler negou e
ele teve que
permanecer no posto, para
preparar planos que
desaprovava. O plano da
ofensiva de 12
de novembro fora
preparado pelo Estado-Maior do
Exército (OKW), a
19 de outubro.
O Exército alemão deveria
penetrar nos três
países cuja neutralidade, um
mês antes, Hitler
prometera respeitar: Holanda, Bélgica e
Luxemburgo. O centro
de gravidade, o
Schwerpunkt, era a
região de Liege.
A ala a marchar, formada
pelos grupos de Von
Bock (grupo B),
devia conquistar as
costas do mar do
Norte, a fim
de proporcionar à
Marinha e à
Força Aérea uma base
de operações aeronavais
contra a Inglaterra.
Um papel ofensivo
menor estava determinado
ao grupo de exércitos de
Von Rundstedt (grupo
A), que devia
atravessar as Ardenas
e forçar passagem
pelo Mosela. Um
terceiro grupo (grupo C),
comandado por Von
Leeb, manteria a frente
pacífica, de Luxemburgo
à Suíça.
Hitler
estava parcialmente satisfeito.
“Eles calçaram as
botas de Schlieffen”
- dissera a
seus dois palacianos
- Keitel e Jodl.
Haviam-lhes explicado que
o efeito de
surpresa produzido em
1914, pela extensão
da ala direita
alemã não podia repetir-se. Desta
vez, o Comando
francês esperava o ataque pela
Bélgica. A fina-flor
de suas forças
estava disposta das Ardenas
ao mar do
Norte - e
seria a uma
batalha frontal que
uma reedição do
Plano Schlieffen se
arriscaria a chegar.
Entretanto, Hitler
deixou passar o plano da
OKH. Embora dotado
de verdadeira intuição
estratégica, não tinha,
disse o general francês
Koeltz, “a formação
superior de Estado-Maior que
lhe permitisse expressar
plena e imediatamente a
idéia da manobra, nascente
em seu pensamento”. Na
realidade, não era
somente Hitler chefe de
guerra, era Hitler,
como general, que engendrava
suas idéias em
estado de nebulosa
e depois as
precisava numa alternância
de meditações solitárias
e de conversações descosidas.
A intuição da
penetração de Sedan
lhe veio muito
cedo, mas ficou
por muito tempo
em gestação, sob forma
fluida, em torno
de hipóteses instáveis.O
ultraje a Brauchitsch
foi seguido, a
23 de novembro,
por violenta repreensão aos
comandantes de Exércitos,
reunidos na Chancelaria. Conta
Halder: “Hitler ladrou
contra os generais:
não posso expressar-me de
outra maneira”.
Mesmo
assim , alguns
mantiveram sua oposição,
e um deles,
Leeb, chegou até
a propor uma
greve do Alto-Comando, para matar
o projeto da
ofensiva. Mas o
hábito de obediência
e o fatal
juramento de fidelidade
prestado ao Fuhrer acorrentaram a
imensa maioria desses
soldados.É o céu
que se encarrega
de adiar a
ofensiva a oeste.
Hitler exige bom tempo
para que o
rendimento da força
aérea e dos
blindados seja digna
do que foi
durante o luminoso
verão polonês. Ora, o
outono de 1939
é execrável. Novembro
traz chuvas torrenciais. Os
rios enchem e
as inundações estendem,
pelas planícies, grandes obstáculos
aos tanques. As
previsões meteorológicas anunciam
muitas nuvens, vindas
do Atlântico, prometendo dilúvios
para os dias
seguintes.
No
dia 7, Hitler
transfere para dia
9 a decisão
relativa ao ataque.
E, novamente, para
dia 13, depois
para 16, depois para
20. Uma suspeita
apodera-se do Fuhrer:
exige que os
boletins bicotinados sejam
fixados pela Luftwaffe,
uma vez que os
generais de terra
lhe parecem capazes
de subornar os
meteorologistas. Mas os
homens-barômetro da aviação
não são menos pessimistas
do que os
da terra. Os
adiamentos da ofensiva
se sucedem: 27 e 29
de novembro; depois
4, 6 e
12 de dezembro...
|
Estranha guerra.
A chuva cai,
torrencialmente. Em seus
péssimos acantonamentos, da
Alsácia e das
Ardenas, os homens se
encharcam, sob a
tempestade que não
tem fim. A palha
para os colchões
apodrece nas granjas.
Atingidos por misteriosa doença
ou vítima da
negligência dos seus
condutores, os cavalos
da artilharia morrem
aos milhares. A
intempérie é boa razão
para que se
cancelem os exercícios
e para que
sejam suspensos os
trabalhos de organização
do terreno. Os homens
se unem nos
botequins das aldeias
e se entediam
...
No
mar, guerra nada
esquisita:
Um
argumento vem apoiar
aqueles que sustentam
que a Segunda
Guerra Mundial seria
mais econômica e generalizada do
que uma guerra
européia: enquanto as
hostilidades terrestres são
nulas, as hostilidades navais
começaram desde o primeiro
dia e prosseguiram vigorosamente. Após
o dia 3
de setembro, às
21 horas, apenas
10 horas depois
da proclamação do Estado
de guerra, uma
explosão destruiu o
navio inglês Athenia,
de 13.500 toneladas,
que fazia sua viagem
para Nova Iorque.
Houve 112 vítimas,
das quais 28
passageiros americanos. A
Segunda Guerra Mundial
tem seu Lusitânia desde
o primeiro dia.
No
dia seguinte, o
“Volkischer Beobachter” acusa:
fora Churchill quem
afundara o Athenia,
com a ajuda
de uma máquina infernal,
sem dar importância
a 1.500 vidas
humanas, para criar
um incidente entre
a Alemanha e
os Estados Unidos. Churchill
(que acabara de
voltar a seu
posto de 1914:
Primeiro-Lorde do Almirantado) protesta,
sem conseguir convencer totalmente.
No entanto o
“Volkischer” mente: não
fora Churchill, mas
o tenente Lemp,
comandante do U
30, quem afundara o
Athenia. Seria preciso,
porém, esperar os
documentos do processo
de Nuremberg para
se ter certeza.
A Kriegsmarine falsifica o
diário de bordo,
faz com que
toda a tripulação
jure segredo, infringe
sanção disciplinar a
Lemp, culpado de haver
aberto as hostilidades, ao
torpedear um navio,
sem advertência.
Um
segundo navio, o
Royal Spectre, afunda
2 dias depois.
Desta vez, o
comandante do U
48, o jovem
tenente Herbert Schultze, avisa
diretamente a Churchill.
Estes dois navios
abrem a lista
de 2.603 navios
que, de 1939
a 1945, foram destruídos pelos
U-Boote de Hitler.
Mais
ainda do que
os chefes do
Exército, os chefes
da Marinha acham
que a guerra
é prematura. A
Alemanha só possui uma
fraca frota de
superfície: 3 couraçados
de bolso, Admiral
Graf Spee, Admiral
Scheer e o
Deutschland, construídos sob as
limitações (10.000 toneladas)
do Tratado de
Versalhes, 2 cruzadores
de guerra, de
26.000 toneladas (Scharnhorst e
Gneisenau), 1 cruzador
pesado (Prinz Eugen),
5 cruzadores leves e
22 destróieres. Está
terminando a construção dos
couraçados de 35.000
toneladas (Bismark e
Tirpitz) e começando
dois outros barcos,
provisoriamente denominadas
H e J.
Ao total, uma
frota cuja reconstituição mal
começa e que
não pode apresentar-se candidata
ao domínio dos mares.
Por
sua vez, a
arma submarina só
ressuscitara em 1935,
quando o capitão
de fragata Karl
Doenitz criou a
flotilha Weedingen,
composta de 3
pequenos submarinos. Em
1939, o número
de submarinos construídos
eleva-se a 57,
mas a metade compõe-se
de canoes, de
menos de 250
toneladas, não utilizáveis
no Atlântico, e
muitos ainda não
haviam concluído sua experiências. Várias
semanas se passarão
até que a
Alemanha possa ter
nos mares, simultaneamente, mais de
3 ou 4
submarinos.
Do
lado aliado, a
majestosa frota britânica
de 1914, 8
esquadras de 8
navios de linha,
já não existe.
Um programa de rearmamento naval
está em curso,
mas os couraçados
da série King
George V, assim
como os porta-aviões do
tipo Illustrious só começarão
a sair do
estaleiro em 1941.
Enquanto espera, a
frota de alto
bordo se compõe
de 13 veteranos
da Primeira Guerra, 10
couraçados e 3
cruzadores de guerra,
mais 6 porta-aviões, dos
quais 5 são
velhos couraçados
adaptados e, ainda,
dos dois únicos
navios de linha
construídos depois de
1919, o Nelson
e o Rodney.
O
efetivo dos barcos
ingleses de menor
tonelagem continua impressionante: 15
cruzadores com canhões
de 8 polegadas, 49
cruzadores com canhões
de 6 polegadas,
184 destróieres, 38
corvetas, etc. Mas
a Inglaterra deve
guardar caminhos marítimos que,
sob o pavilhão
inglês, se marca
pela presença cotidiana, no mar,
de 2500 navios
mercantes.
Se
a Itália tivesse
entrado na guerra,
a Inglaterra deveria
levar em conta
uma força naval
poderosa e moderna:
4 couraçados, dos quais
dois de 35.000
toneladas, novos em
folha, o Vittorio
Veneto e o
Littorio, 7 cruzadores
pesados, 12 cruzadores leves,
59 destróieres, 69
vedette torpedeiras, 105
submarinos. A não-beligerância de
Mussolini neutraliza essa armada
mediterrânea, permite que
se junte à
luta contra a
Alemanha a totalidade
de uma frota
francesa que, ao
contrário do Exército, se
renovara totalmente. Além
de 3 couraçados
antigos, conta com
2 grandes navios
de 26.000 toneladas,
o Dunkerque e o
Strasbourg, que os
ingleses classificam como
cruzadores de guerra,
e termina, em
seus arsenais, o Richelieu
e o Jean-Bart,
de 35.000 toneladas,
que devem ser
os barcos mais
poderosos de sua
geração. Dezoito
cruzadores pesados, todos
modernos, constituem uma
força homogênea e
os 28 destróieres
(mais 24, em
construção) são considerados pelos
ingleses como cruzadores
leves. A continuidade nas
construções, a habilidade
do falecido Ministro
da Marinha, Georges Leygues,
a capacidade do
chefe de Estado-Maior François
Darlan, explicam por
que, no momento
mais intenso de seus
crepúsculo militar, a
França possua a
força naval mais
poderosa que já
tivera, depois da
Monarquia.
Uma
surpresa técnica, porém,
atinge a Inglaterra.
Ao longo das
costas, nos estuários,
navios são destruídos
de uma maneira misteriosa.
Seis cargueiros explodem,
um após outro, no
Tâmisa, e o
encouraçado mais poderoso
da esquadra, o Nelson,
fica imobilizado durante
várias semanas. Uma
tarde, fumando, nervosamente, o
seu curto cachimbo,
o First Sea Lord
Almirante Sir Dudley
Pound, vem comunicar
a Churchill que
ao alemães possuem
um engenho secreto,
que provoca essas perdas
angustiantes. Não se
poderia cogitar de
qualquer defesa enquanto
esse engenho permanecesse desconhecido.
|
Passam-se alguns
dias de ânsia.
A 22 de
novembro, chega uma
informação de Southend-on-the-Sea, entrada
do Tâmisa: um avião
alemão, atacado na
entrada do Tâmisa
por uma bateria
DCA, aliviara-se precipitadamente de
vários objetos luminosos, dos
quais, um, caído
sobre um banco
de lama de
Shoeburynesse, é percebido
na maré baixa.
Dois oficiais
especialistas em minas,
Ouvry e Lewis,
partem imediatamente de
Woolwich, em plena
neblina. Localizam o engenho,
instalam uma iluminação
de emergência e,
dentro de uma
noite glacial, sobre
o banco de
lama, batido pelo
vento, empreendem sua desmontagem. Todos
os transes de
O Salário do
Medo se apegam
diante do trabalho
dos dois homens tateando perigosas
protuberâncias, com o
tempo medido pelo
fluxo da maré
enchente. A sorte,
cúmplice necessária desses suspenses, fez
com que a
tripulação do avião
alemão, sob tensão
diante do fogo
que o enquadrava,
se esquecesse de armar
o dispositivo de
explosão. Ouvry e
Lewis são bem
sucedidos: levam para
Southend uma mina
magnética - a
primeira arma secreta de
Hitler. Agora só
resta organizar a
desmagnetização dos navios,
para que seu
caso metálico não
mais atraia as máquinas
infernais, semeada nas
águas pouco profundas.
Dir-se-ia que
a guerra de
1914-18 jamais cessara.
A principal missão
da Navy consiste,
de novo, em
proteger a passagem, no
continente, da British
Expeditionary Force: isso
aconteceu sem que
um único homem
ou um único
veículo fosse perdido. Cuida-se,
depois, de estabelecer
o bloqueio da
Alemanha. É iniciada
a reconstituição dos
imensos campos de minas
ancoradas em 1918,
entre a Escócia e
a Noruega. Reformam-se
a patrulha Fantasma,
os navios transformados em cruzadores
auxiliares, montando guarda
nas águas tormentosas
do paralelo 60°.
No dia 23
de novembro, ao
cair da noite, um
desses mobilizados, o
Rawalpingi, distingue a
8000 jardas a
silhueta de um
grande navio de
guerra. Um momento depois, ele
afunda sob as
salvas do Scarnhosrst, após
uma desesperada defesa.
A
guerra submarina recomeça,
à maneira de
1916. Reaparecem os
comboios - rebanhos
de navios conduzidos
por 1 a 2
pastores, couraçados ou
cruzadores - enquanto
destróieres, barcos armados
ou corvetas rondam
em torno deles,
como cães. Não obstante,
as perdas já
são pesadas: 41
navios, em setembro,
27 de outubro,
21 em novembro,
25 em dezembro, num total
de 114 navios
e 420.000 toneladas,
só em uma
parte de 1939,
ocupada pela guerra.
Ou seja: um
ritmo de destruição igual
ao de 1916.
Os navios de guerra não
são poupados. No
dia 17 de
setembro, no canal
de Bristol, o
U 29, comandado por
Schuhart, surpreende o
Courageous no momento
em que este
vira, ao vento,
para uma manobra
de carga. Quinze minutos
depois a marinha
inglesa pode deplorar,
pela primeira vez
a perda de
um porta-aviões.
Em
14 de outubro,
registra-se uma façanha
excepcional. Aos 59
minutos do dia,
o couraçado Royal
Oak, ancorado na baía
de Scapa Flow,
é abalado por um choque.
Despertado, o comandante
pensa numa ligeira
explosão e desce
ao porão para investigar.
Durante esse tempo,
a menos de
2 milhas, o
U 47, do
tenente naval Gunther
Prien, torna a
carregar seus tubos de
torpedos, para recomeçar
o ataque. A
operação desenvolve-se à
superfície, no meio
do porto adormecido,
sob um céu claro,
em tal quietude
que o oficial
de bordo Von
Varendorff passeia pela
ponte, para desentorpecer as
pernas, e é asperamente repreendido, com
voz abafada pelo
seu comandante. Vinte
e oito minutos
depois da primeira,
à 1:27 horas, nova
salva rasga o
Royal Oak. Enquanto
ele afunda, arrastando
à morte 24
oficiais e 809
marinheiros, o U 47 retorna
seu caminho silencioso, desliza,
novamente, entre os
dois navios afundados,
que obstruem -
e mal -
o estreito de
Kirk, faz-se ao largo
e toma o
rumo da Alemanha,
onde justa glorificação aguarda
Prien e seus
comandados.
Uma
das coisas que
fazem com que
esse começo de
guerra naval se
assemelhe aos grandes
dias de 1914
é o fraco papel
representado pela aviação.
Uma ordem do
Gabinete britânico interditou
o bombardeamento dos
navios alemães nos portos,
mas o autoriza
em alto-mar. Contigentes
de Wellington e
de Blenheim, utilizam
esta faculdade, ao
largo de Wilhelmshaven, mas
só conseguem arranhar
o Admiral Scheer.
Inversamente, a Luftwaffe,
atacando Scapa Flow,
registra como resultado total
o fracasso do
ex-navio capitânia de
Jellicoe, o velho
Iron Duke, convertido
em bateria flutuante.
O comandante chefe da
Home Fleet, Almirante
Sir Charles Forbes,
tira disso a
conclusão de que
a ameaça aérea
foi exagerada. Pagar-se-á caro
este julgamento precipitado.
Última
semelhança com 1914:
os Raiders (navios
corsários). A caça
ao Graf Spee
ressuscita todas as
emoções que marcaram, 25
anos antes, a perseguição ao
Konigsberg e ao
Emden.
O
Almirantado soube que,
no dia 1 o
de outubro, o
Admiral Graf Spee
se encontrava no
Atlântico e que
afundou o vapor Clément, ao
largo do Brasil.
Vinte dias depois,
os sobreviventes do
vapor norueguês Lorentz
Hansen chegam às
Orcades e comunicam que
seu navio fora
destruído pelo Deutschland. Dois
couraçados de bolso
estão, pois, em
ação - um no
Atlântico Norte, outro
no Sul. Temíveis
navios, obras primas
da construção naval:
canhões de 11
polegadas, blindagem de 10
cm, maquinas dando
28 nós, acumulados
num deslocamento de
10.000 toneladas, graças
à economia de
peso, realizada pela substituição da
solda pelo rebite. É
uma ameaça que
a qualquer preço deve
ser eliminada dos
mares.
Os
dois navios são
idênticos, mas seus
comandantes diferem. O do Deutschland
dá prova de
excessiva prudência e regressa
a Willhelmshaven, desde
11 de novembro,
com magro quadro
de caça. O
do Graf Spee,
Langsdorff, aplica-se,
obstina-se. De resto,
sua conduta é
irrepreensível: nenhum navio
é afundado antes
de ser completamente evacuado;
os comandantes
prisioneiros são recebidos
com consideração, o
menos mal possível,
no Altmark, que
acompanha o couraçado na
qualidade de reabastecedor. Langsdorff
se felicita por
ainda não ter
feito correr uma
só gota de
sangue.
Contra
os dois corsários,
depois contra o solitário Graf
Spee, as frotas
aliadas deslocam forças
imensas. Oito divisões navais, compostas
de couraçados, de
cruzadores e de
porta-aviões, são designadas
para setores que
vão do Ceilão
às Antilhas. No dia
22 de outubro, um
SOS do SS
Tevanion faz esperar
que um torno
se aperte sobre
o couraçado solitário. Mas passam-se
os dias e as
semanas. O Graf
Spee não está
em parte alguma,
na imensidão do
mares.
Para
despistar os perseguidores, Langsdorff
fez vasto desvio
no Oceano Índico.
Regressa ao Atlântico,
parcialmente satisfeito
com seu cruzeiro.
Seus recursos esgotam-se
e, a partir
de 30 de
setembro, ele só
destruíra 9 cargueiros, perfazendo um
total de 50.000
toneladas, coisa bem
modesta para um
navio tão poderoso
como o seu.
Ele quer, antes
de voltar à Alemanha,
melhorar seu quadro
de combate nas
águas agitadas de tráfico
do Rio da
Prata.
|
Às
6:08h, quando o
Graf Spee está
a 150 milhas
de Montevidéu, seus
vigias descobrem uma
fumaça. Langsdorff
aproxima-se pela proa,
convencido de que
se trata de
nova vítima. Oito
minutos depois, reconhece
um barco de
guerra. Suas ordens lhe
prescrevem evitar combate,
mas a fuga
é difícil, na
manhã de um
longo dia de
verão, e Langsdorff
se considera bastante forte
para impor-se, rapidamente, ao
cruzador leve cuja
superestrutura se desenha
no horizonte. Instantes depois,
dois outros navios
se tornam visíveis,
por sua vez
- e é
tarde demais para
fugir. O alemão
tem o sol nos
olhos, mas a
visibilidade é excelente,
com vento moderado
e ligeira corrente
marítima, vinda do
nordeste.
O
primeiro cruzador avistado
pelo Graff Spee
é o Ajax,
com canhões de
6 polegadas. O
segundo, da mesma
força, é o Achilles,
da Marinha neozelandesa. O
terceiro é o
Exeter, armado de
canhões de 8
polegadas. Eles constituem,
sob o comodoro Harwood,
a força G
- uma das
menores, pois não
conta com couraçados
e nem com
porta-aviões. Além disso,
o quarto navio da
divisão, o cruzador
Cumberland, se reabastece
nas Falkland. Sozinho
contra três, Langsdorff
possui, no entanto, grande
superioridade sobre os
adversários. Tem as
melhores chances de
destruí-los, um após
o outro, sem
que o Graf Spee
sofra avarias.
Às
6:14h começa o
combate. A distância
entre o Graf
Spee e seus
adversários é de
19 km. Hora
e meia depois,
a ação está terminada.
O Exeter, com
3 torres, de
suas 4, demolidas,
pesadamente adernado a
bombordo, interrompe a
luta e tenta, penosamente, voltar
à Port Stanley.
Os dois cruzadores
ligeiros batem-se com
extraordinária teimosia, atraindo,
a curta distância, um
adversário cuja artilharia
secundária se iguala
à principal deles.
Aproveitam-se do duelo
entre o Graf Spee
e o Exeter,
para atingir, repetidamente, o
couraçado inimigo. Mas
também sofrem danos
- leves, o
Achilles; graves, o Ajax.
Ficam sozinhos diante
de um poderoso
navio cuja força
combativa está intacta;
sós, sem outra
superioridade senão
ligeira vantagem em
velocidade. O Graf
Spee pode forçá-los
a fugir.
Mas
é o couraçado
que foge!:
As
suas avarias são
importantes, embora não
o ponham em
perigo. As cozinhas
estão destruídas; o
casco, furado; parte da
artilharia, inutilizada; o
barco está cheio
de feridos. Um
espírito menos fanático
do que Langsdorff
se faria ao
largo, tentaria uma evasão,
desaparecendo nos espaços
desertos do oceano.
Mas o humanitário
comandante do Graf
Spee, que considera absurda
a guerra, só
sonha encontrar uma
angra para reparar
seu navio e
desembarcar seus feridos.
Montevidéu está próximo: lança-se
para lá. É
uma armadilha. Os
dois pequenos cruzadores
vitoriosos unem-se contra
ele, no limite
das águas territoriais uruguaias
e, voltando apressadamente das
Falkland, o Cumberland
dá-lhes reforço, no
dia seguinte.
Os
três dias que
se seguem inflamam
o mundo, o
Almirantado inglês alardeia
o glorioso combate
dos três cruzadores. A curiosidade
pública espera, avidamente,
a peripécia seguinte.
Hitler, sufocado de
raiva, bombardeia Langsdorff
com telegramas, acusa-o de
covarde, põe-no sob
suspeita de traição.
Quer que tire
o Graf Spee
de Montevidéu e
o afunde, com o
pavilhão hasteado. Mas
Langsdorff recusa sacrificar
seus homens, resiste
ao Embaixador alemão
no Uruguai e
aos agentes nazistas que
acorreram de Buenos
Aires. As 72
horas de prazo
que obtivera do
Governo uruguaio esgotam-se. Torna-se necessário
que ele deixe
Montevidéu ou que
aceite o internamento, terminantemente vetado
pelo Fuhrer.
No
dia 17 de
dezembro, às 18h,
imensa multidão aflui
ao cais de
Montevidéu. O Graf
Spee parte. Nenhum
reforço aliado chega ao
Achilles, ao Ajax
e ao Cumberland,
a bordo dos
quais ressoa o
toque de combate.
Mas Langsdorff desembarcou a
maior parte de
sua tripulação e
é um grupo
de afundamento que
conduz o magnífico
navio ao meio
do estuário, na glória
do sol poente.
Ouvem-se duas a
três explosões ensurdecedoras. O
Graf Spee deixa-se
afundar lentamente em águas
tão pouco profundas,
que por muito
tempo seus destroços
serão vistos à
flor d’água.
Langsdorff foi
o último a
abandonar seu navio.
No dia seguinte,
mata-se.
Um
temor, ligado ao
ocorrido, apodera-se do
supersticioso Hitler: o
que acontecera ao
Graf Spee poderia
ter acontecido ao Deutschland. O
mundo, divertido, teria
visto a Alemanha
afundar ignominiosamente. Dá
ordem para que
se rebatize, com o
nome de Lutzow,
o decano dos
couraçados de bolso.
O
Exército Soviético entra
em cena na
Finlândia:
Entrementes, acontecimentos de
profundo alcance se
desenrolam a leste.
A Rússia explorou
com rapidez, sua
aliança com Hitler. Ex-províncias do
Império czarista, três
pequenos Estados corajosos
estendem-se ao longo
do Báltico: a minúscula
Estônia (capital, Tallin),
a vigorosa Letônia
(capital, Riga), a
rústica Lituânia (capital,
Kovno). Análogas e diferentes, essas
três sentinelas da
Europa, abençoavam o
dia em que
se haviam libertado
da Rússia e
consideravam a Alemanha como
guardiã de sua
independência. Hitler submeteu-as
a seu jugo.
Depois
do 28 de
setembro, a Rússia
impõe à Estônia
um tratado de
assistência mútua. O
mesmo termo falaz
serve, no dia 5
de outubro, para
a Letônia, e,
a 11 de
outubro, para a
Lituânia. Os governos
procuram resistir, estudam
as condições, embalam-se na
ilusão de que
pelo menos salvarão
sua autonomia interna.
Mas não podem
escapar à ocupação
militar. As ilhas de
Dago e de
Osee, os portos
de Windau e
de Libau são
convertidos em bases
soviéticas. Pela primeira
vez, o Exército vermelho
entra em cidades
ocidentais transbordantes de
riquezas. Um relatório
faz rir os
serviços de informações aliados: em
Riga, as mulheres
dos oficiais russos
haviam ido a
um espetáculo de
gala, na Ópera,
usando camisola de dormir,
que haviam tomado
como traje a
rigor!
Resta,
porém, um país
báltico - meio
báltico, meio escandinavo
- que ainda
não aceitou as
condições russas: a Finlândia. É
um país um
pouco mais importante
que os outros
três: 4 milhões
de habitantes e
um vasto território
que se abre sobre
o oceano Ártico.
Possui longa experiência
dos russos e
uma capacidade hereditária
de se fazer
respeitar: província czarista, estendendo-se até
os subúrbios de
São Petersburgo, sempre
conservara sua liberdade
política e seus
privilégios militares.
Mais tarde, após
a independência, desenvolveu-se, na
Finlândia, profundo desprezo
pelo russo bolchevizado - simultaneamente a
um irredentismo que
reivindica a Carélia
e sustenta que
o “Império finês”
só termina nos
Urais. Ora, a URSS
pede a esse
altivo país a
cessão de parte
de seu litoral
ártico, uma base
naval na península
de Hango e
o recuo da fronteira, para dar
expansão a Leningrado.
|
Se
o governo só
tivesse ouvido a
nação, teria dito
um não, sem
grandes frases. Mas
também ouviu a
razão, aceitou sacrificar algumas
ilhas, encontrou um
intermediário emérito: Paasikiwi,
que, resistindo a
Stalin, conseguiu fazê-lo
rir. Os russos insistem,
ameaçam e, no
dia 27 de
novembro, após um
incidente de fronteira,
anunciam que o
pacto de não- agressão, com
a Finlândia, está
assinado. Mas não
o está com
o governo usurpador
de Helsinki, com
o reacionário Marechal Mannerheim,
presidente de uma
pretensa República finlandesa!
Está assinado com
o governo legítimo
do patriota Kuusinen, que
a URSS instalou,
provisoriamente, em pequena
cidade próxima à
fronteira. Esse governo
pede aos russos que
intervenham e libertem
a Finlândia. Eles
satisfazem no dia
30 de novembro,
tomando a ofensiva
no istmo da
Carélia.
A
Sociedade das Nações
(SDN) tinha ainda
um pouco de
vida. Amputada da
Alemanha, da Itália
e do Japão,
viúva dos Estados Unidos
desde o nascimento,
continuava a funcionar,
à margem da
imensa guerra que
começava. Acusa a URSS
pela agressão que
acabava de cometer.
A URSS surpreende-se: jamais
suas relações com
a Finlândia haviam
sido melhores; por sinal,
Kuusinen e Molotov
acabavam de assinar
um pacto de
amizade. A URSS,
sinceramente, não
compreende! Foi excluída
- e a
SDN, esgotada pelo
seu primeiro gesto
enérgico, morre imediatamente.
Ao
longe, no entanto,
a guerra começa.
O primeiro plano
soviético é simples:
consiste em marchar
diretamente contra
Helsinki, para lá
instalar o patriota
Kuusinen. Desdenhando a
mobilização, o comandante
russo contenta-se em
fazer marchar as unidades
do Okrug militar
de Leningrado. Mas
a resistência com
a qual se chocam
as imobiliza. A
Finlândia tem, apenas, pequeno
exército permanente de
3 divisões, 33.000
homens, 60 tanques
velhos, 150 aviões
desaparelhados. A mobilização espontânea
de todo um
povo decuplica esses
fracos meios. Mais
de 300.000 homens
reúnem as bandeiras, constituem 7
novas divisões e
8 brigadas autônomas,
às quais só
falta armas iguais
à coragem. No
istmo da Carélia,
40 km de terreno
glaciário, entre o
golfo da Finlândia
e o lago
Ladoga, aquilo que
pomposamente se chama
Linha Mannerheim - uma
simples cadeia de
obras de campanha,
blockhaus e abrigos
sob troncos de
árvores - resiste
a todos os
assaltos. Os russos aí
empenham seus tanques,
mas os defensores
descobrem o defeito
de sua couraça,
uma placa de
blindagem que o motor,
muito exigido, torna
incandescente. Para incendiá-los, valem-se
de garrafas de
gasolina. Ao fim
de uma semana,
a ofensiva é suspensa
e o nome
da Finlândia ressoa
no mundo com
um fragor de
epopéia.
Mas
a Rússia corrige
seus dispositivos militares,
confia a direção
da guerra ao
Marechal Timoshenko, manda
vir da Ucrânia e do Cáucaso
tropas de elite.
Uma vez que
a Linha Mannerheim
resiste, será pela
frente oriental da
Finlândia, pelos 1600 km
do lado Ladoga,
no Oceano Ártico
que o Exército
Vermelho manobrará, usando
sua superioridade em
material e efetivos.
Apenas
pela via de
Murmansk, 3 exércitos
- o 8°,
o 9° e
o 14° -
são encaminhados ao
Norte. A neve
chegou, o transporte arrasta-se,
muitos soldados morrem
de frio, nos
vagões - e,
no entanto, o
estabelecimento se efetua relativamente depressa.
Uma vez mais,
o plano é
simples. Dez caminhos
atravessam a profunda
floresta finlandesa:
emprega-se, em cada
um deles, uma
divisão, uma pesada
divisão russa, equipada
com artilharia e
tanques. Todas deverão marchar para
oeste, tomarão pela
retaguarda essa dura
Linha Mannerheim, diante
da qual outro
exército, o 7°,
marca passo.
No
dia 17 de
dezembro, acreditou-se que
a manobra russa
ia ter êxito.
Uma das colunas
atinge Kursu, na
estrada de Kemijarvi, a
150 km do
golfo de Bótnia.
Outra atinge Suomossalmi, chave
do setor central.
Outras avançam na
região do lago Ladoga.
O Estado-Maior finlandês
empreende a evacuação
da Lapônia e
leva a defesa
a uma linha
que vai de
Ulu (Uleaborg) a Viipuri
(Viborg). A hora
final da resistência
finlandesa parece próxima.
A
reviravolta na situação
é dramática. Distendidas
pelos maus caminhos
da floresta, as
colunas soviéticas são bloqueadas de
frente, enquanto elementos
móveis as assediam
pelos flancos. A
neve profunda, as
altas arvores, os barrancos de
arestas vivas que
cortam as florestas
neutralizam os tanques.
Calçados de esquis,
vestidos de branco, vivendo de
leite, os finlandeses
cortam em pedaços
a procissão de
tanques que o
comando soviético aventura
sobre seu solo.
Na
estrada de Suomossalmi, a
163ª Divisão de
Infantaria é totalmente
destruída. Enviada em
seu socorro, a
44ª Divisão, uma das
melhores do Exército
vermelho, tem a
mesma sorte. As
unidades do 8°
Exército, que tentam
contornar o lago Ladoga,
são cortadas pela
retaguarda e aniquilada
por partes. Os
russos fixam-se nas
clareiras, dispõe seus
tanques em círculo, como
carroças dos povos
bárbaros, e morrem
de frio e
fome. Os finlandeses, em
bloco, não farão
mais do que 2.000
prisioneiros, mas recolhem
sobreviventes, uns após
outros, quando a
fraqueza lhes faz
cair as armas
das mãos.
O
mais importante butim
é a correspondência: milhares
de cartas recolhidas
dos prisioneiros e
dos mortos. Quase todas
vêm de famílias
camponesas. Descrevem incríveis
condições de vida.
Duas em três
falam da vaca,
da vaca que
já não podem alimentar
ou da que
não podem vender,
porque não têm
com que se
alimentar. O imenso
desespero russo vem expressar-se nesse
campo de batalha
estrangeiro, onde os
filhos da terra
russa preferem a
mais horrível das
mortes à rendição.
É
grande a admiração
no mundo inteiro. Mas é
menor a pressa
em ajudar a
Finlândia. Esperava-se que
a solidariedade
escandinava provocaria a
intervenção da Suécia.
Esta dá dinheiro,
armas, deixa que
se organize um
corpo de voluntários, mas recusa
sair da santa
neutralidade. A Dinamarca
fornece 800 voluntários, e a Noruega,
200 - duas
vezes menos que
a Hungria. A
solidariedade escandinava é
uma palavra vã.
Os únicos que
realmente poderiam ajudar
a Finlândia são
os beligerantes. Muitos alemães
vibram de vontade
de fazê-lo, mas a
aliança germano-soviética é,
ainda, por demais indispensável a
Hitler. A França
e a Inglaterra
têm as mãos
mais livres. Sentiram
violentamente a traição
de Stalin. Acreditaram que
a Alemanha escape
aos efeitos de
seu bloqueio, graças
às reservas de
matérias primas russas.
Ajudar a Finlândia é
enfraquecer a URSS,
é solapar Hitler,
portanto.
|
Uma
consideração de ordem
estratégica reforça as
simpatias ocidentais pelos
heróicos combatentes do
círculo polar: a ajuda
à Finlândia pode
fornecer aos Aliados
um pretexto para
se estabelecerem na
Escandinávia. Ocupar a
Suécia seria privar a
Alemanha de um
minério de ferro
insubstituível. No dia
12 de dezembro,
Churchill redige um
de seus 50 memorandos, através
dos quais se
esforça para esporear
a coligação. Pronuncia-se por
um desembarque na
Noruega, mesmo, se preciso,
contra o Direito
Internacional. “A humanidade
e não a
legalidade deve ser
nosso juiz” -
conclui.
Mas
as idéias amadurecem
lentamente, no glacial
inverno de 1939/1940.
Tudo quanto a
França e a
Inglaterra podem fazer de
positivo pela Finlândia
é enviar-lhes armas.
Um aglomerado de
armas. A frança
tira de suas
lojas de antigüidades 5.000 fuzis
metralhadoras, modelo 1915,
detentores de recorde
de acidentes de
tiro, e seu
material de artilharia,
sistema De Bange, já
aposentado em 1914.
A marinha envia
uma dúzia de velhos
305, restos da
esquadra Rangel, que
enferrujava no cais de
Bizerta, desde 1920.
Alguns morteiros Brandt,
uns 25 antitanques, alguns
fuzis-metralhadoras modelo 24,
alguns aviões, entregues pela
Inglaterra, não chegam
a compensar a
impressão desastrosa, produzida
na Finlândia, pela
chegada desta revoada de
rouxinóis.
Nos
estados-maiores nascem projetos
grandiosos. A Alemanha
só se conserva
de pé porque
se apoia na
Rússia; o conflito da
Finlândia demonstra a
debilidade da Rússia.
A condução geral
da guerra é
deduzida dessas duas
proposições: que se derrote
a Rússia, e
a Alemanha cairá!
Doumenc, o
novo chefe do
Estado-Maior do Exército
francês, prescreve o
estudo de todas
as possibilidades
correspondentes. Pensa-se em
bombardear Baku, para
estancar o petróleo
russo; organizar a
insurreição dos povos
do Cáucaso, atacar Murmansk,
desembarcar - em
pleno inverno -
uma a duas
brigadas de caçadores
alpinos. Todas estas ridicularias são
escritas, preto no
branco, e dão
lugar a documentos
militares conscienciosos e
quiméricos, napoleônicos e infantis.
Mais
técnicas, talvez mais
sérias, são as
tentativas de avaliação
do Exército vermelho
à luz dos
combates dos blindados. Em
razão de suas
repercussões no futuro,
só se citarão
as conclusões do
estudo estabelecido pelo
OKW (Oberkommando der Wehrmacht
- Alto Comando
das Forças Armadas),
para a documentação particular
do Fuhrer: “Em quantidade: instrumento
militar gigantesco. Organização, equipamento
e meios de
comando: medíocres. Princípio
de comando: bom. O
próprio comando: muito
jovem e inexperiente. Ligações
e transmissões: más.
Sistema de transporte: mau. Tropas:
desiguais e desprovidas
de iniciativa. Soldados:
bom estado de
espírito, contentam-se com
muito pouco. Qualidades combativas
das tropas: duvidosa.
Em suma: a
nação russa não
é um adversário
para um exército
equipado de maneira moderna
e superiormente comandado”.
Data
do documento: 31
de dezembro de
1939. O ano
dos desconcertantes prelúdios
termina: sobe o
pano para o
ano das surpresas retumbantes.
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