segunda-feira, 31 de julho de 2023

Segunda Guerra Mundial - 1939 A Guerra Esquisita

 

Setembro  a  Dezembro  de  1939

A  Guerra  Esquisita

Expectativa:

Esquisita  guerra.  Diariamente,  trens  passam  às  dezenas,  pela  margem  direita  do  Reno,  a  500m  das  armas  francesas, postas  na  ponte  de  Chalempe: as  sentinelas  contam  os  vagões  e  prestam  conta...

Uma  enchente  do  rio  carrega  algumas  lanchas;  os  estados-maiores  procuram  uma  linha  reta  para  fazê-las  afundar pelas  casamatas  da  margem,  sem  que  os  projéteis  atinjam  a  margem  alemã...  Soldados  alemães  trabalham  a  todo  risco, sob  painéis,  prometendo  que  não  atirarão  em  primeiro  lugar;  um  Fieseler-Storch  faz  a  sua  ronda,  com  um  ruído  de motocicleta  rouca;  alto-falantes  gritam  que  os  ingleses  se  baterão  até  o  último  francês:  ninguém  tenta  dispersar  os trabalhadores,  abater  o  avião  ou  fazer  calar  essa  voz  destrutiva  do  moral.  Esquisita  guerra!  Exércitos  contendo  centenas  de milhares  de  homens  terminam  assim  sua  prestação  de  contas  cotidiana:  “Perdas  para  o  inimigo:  nada.  Perdas  por acidentes:  tanto  (muito  grande)”.  No  Grande  QG  a  seção  que  desenvolve  maior  atividade  é  a  do...teatro  para  os  soldados. Estranhíssima  guerra!

O  front,  se  é  que  se  pode  empregar  essa  palavra  pomposa,  caiu  em  letargia.  No  dia  12  de  setembro,  a  ofensiva  em favor  da  Polônia  foi  detida,  porque    não  mais  havia  Polônia.  A  30  de  setembro,  decidiu-se  a  retirada  das  forças  para  o território  francês.  Em  16  de  outubro,  porque  Hitler  ordenara  libertar  o  território  alemão,  as  retaguardas,  deixadas  em posições  conquistada,  foram  dispersadas,  para  ficarem  à  altura,  os  franceses  evacuaram,  espontaneamente,  o  saliente  de Forbach,  onde  se  encontram  suas  mais  produtivas  minas  de  hulha.  O  primeiro  dogma  de  sua  religião  militar  estritamente defensiva  era  não  se  bater  em  duas  frentes.  Consequentemente,  tudo  está  subordinado  à  defesa  da  Linha  Maginot, principal  posição  de  resistência,  onde  a  guerra  será  ganha,  contendo  o  assalto  inimigo.

À  opinião  francesa,  a  Linha  Maginot  inspira  uma  confiança  religiosa.  Mas  o  menos  importante  oficial  de  estado-maior, em  gozo  de  um  mínimo  de  independência  de  espírito,  conhece  os  defeitos  desse  imenso  covil  de  raposa.  É,  realmente, “uma  linha”,  isto  é,  uma  posição  sem  profundeza,  sobre  a  qual    se  pode  travar  combate  frontal.  Os  fortes  se  defendem mal  e  seus  construtores  ignoraram  a  existência  da  aviação.  Não  tomaram  em  consideração  o  bombardeio  de  mergulho,  que tanto  pode  vencer  os  couraçados  terrestres  quanto  os  do  mar,  nem  o  desembarque  de  tropas  aerotransportadas  sobre  as superestruturas.  O  obstáculo  antitanques,  constituído  por  pedaços  de  trilhos,  é  por  demais  fraco;  os  parapeitos  da  artilharia são  vulneráveis;  os  campos  de  tiro  podem  ser  obstruídos  por  uma  preparação  de  artilharia;  enfim,  o  poder  de  fogo  das obras  é  ínfimo  em  relação  à  sua  enormidade  e  a  seu  custo.  A  Linha  Maginot  é  um  magnífico  abrigo,  mas  um  medíocre instrumento  de  combate.  Diga-se  que  é  impenetrável  e  absurda.  A  prova  disso  será  feita  depois  de  10  de  maio  de  1940. Nesse  dia,  os  alemães  se  apoderarão,  em  4  horas,  por  meio  de  um  assalto  aéreo,  do  forte  belga  de  Eben-Emael.  Os  oficiais do  Estado-Maior  francês,  reportando-se  às  suas  notas  de  campanha,  para  apreciar  o  acontecimento,  lerão  o  seguinte:  “O forte  couraçado  de  Eben-Emael,  pilastra  norte  da  defesa  de  Liege,  é  comparável  às  obras  mais  poderosas  de  nossas fortificações  do  Nordeste...”.

O  fato  de  que  a  Linha  Maginot  se  detém  em  Montmedy  escapou  menos  aos  cérebros  militares  franceses  do  que  a invenção  do  avião.  Foram  elaborados  projetos  para  prolongá-la  até  o  mar  e  reforçá-la  numa  segunda  linha,  disputando  o acesso  da  Bacia  Parisiense.  Foi  necessário  renunciar  a  isso,  não  somente  por  motivos  financeiros,  mas  principalmente porque  o  acabamento  e  a  duplicação  da  Linha  Maginot  absorveram  o  Exército  francês.  As  fortificações  têm  por  objetivo economizar  os  efetivos  e  é  um  costume  tão  antigo  como  a  guerra  mantê-las  por  tropas  de  valor  secundário;  a  Linha Maginot,  contrariamente,  exige  para  suas  guarnições  tropas  numerosas  e  especializadas.  Em  Saint-Cyr  as  listas  de promoções  não  saem  mais  “na  Legião”,  saem  “dans  de  béton”  (na  arma  de  Engenharia).  De  Basiléia  a  Sedan,  21  divisões de  elite  se  acumulam  em  subterrâneos.  Imóveis,  por  destino,  são  desprovidas  de  meios  de  transporte  e  inutilizáveis  fora  de sua  concha. Triplicar  a  extensão  da  Linha  teria  estendido  essa  paralisia  a  2/3  das  grandes  unidades.

Mas  ainda  não  é  tudo.  Feita  para  defender,  a  Linha  tem  necessidade  de  ser  defendida.  A  cada  uma  das  divisões  de fortaleza  é  preciso  sobrepor  uma  ou  duas  ditas  de  intervalo.  A  destreza  insuficiente,  a  fraca  mobilidade  do  Exército  francês são  ainda  reduzidas  por  essa  pesada  servidão  -  e,  no  entanto,  o  dogma  da  Linha  Maginot  é  imposto  como  uma  disciplina intelectual  a  toda  a  hierarquia  militar.  Aconteceu  a  um  general  moderar  o  entusiasmo  do  Duque  de  Windsor,  de  volta  de  uma visita  à  Linha;  informado  disso,  pelo  Duque,  por  ocasião  de  um  almoço  em  Vincennes,  Gamelin  pousou  o  guardanapo  e  foi ao  telefone  exonerar  o  herético  do  comando.  Em  média,  a  Linha  Maginot  se  encontra  a  uma  dúzia  de  quilômetros  aquém  da fronteira.  Cada  divisão  de  intervalo  prolonga,  para  frente,  seu  grupo  de  reconhecimento  e  um  ou  dois  batalhões.  Frágil cobertura  que  se  subdivide  em  uma  linha  de  segurança.  Por  fim,    esses  grupos  estão  em  contato,  algumas  vezes  em completa  quietude,  outras  em  condições  bastante  severas.  Dois  ou  três  setores,  como  o  de  Apach,  perto  da  fronteira luxemburguesa,  ou  a  região  atormentada  ao  sul  de  Forbach,  fazem  exceção  à  trégua  tácita  que  os  exércitos  francês  e alemão  se  permitiram.  Os  alemães  fazem  rápidas  incursões  de  vaivém,  com  cobertura  do  fogo  de  metralhadoras  e  de morteiros  e,  freqüentemente,  tomam  de  assalto  os  postos.  Os  franceses  limitam-se  a  armar  emboscadas,  nas  quais  se deixa  prender,  de  quando  em  quando,  um  inimigo  desafortunado.  Com  tal  jogo,  enquanto  os  franceses  fazem  100 prisioneiros,  os  alemães  fazem  3.000.  O  Comando  explica  que  não  deseja  deixar-se  arrastar  na  engrenagem  de  uma  luta nos  postos  avançados.    se  combate  em  uma  posição.

O  impressionante  é  o  deserto  que  se  estende  entre  os  destacamentos  de  cobertura  e  a  Linha.  Toda  a  população  foi evacuada  -  embora  os  alemães  tenham  deixado  seus  civis  nas  vizinhanças  da  fronteira.  Nas  aldeias,  vergonhosamente pilhadas  -  falência  da  disciplina  -,  mal  se  encontra  um  pequeno  elemento  da  engenharia  encarregada  de  fazer  o  jogo  das destruições.  Da  mesma  maneira  que  as  aldeias,  as  cidades  foram  evacuadas,  inclusive  Estrasburgo,  transformada  em cidade  do  silêncio  e  severamente  protegida  por  barragens  de  gendarmes,  -  de  tal  maneira  se  teme  que  ela  seja  saqueada. Contidos  no  Sudoeste  da  França,  os  alsacianos  e  os  lorenos  acumulam  um  velho  rancor  contra  franceses  que  não  podem admitir  que  franceses  falem  alemão.

E  a  chuva  cai.  E  as  perguntas  se  multiplicam.  Essa  guerra  sem  guerra  não  será  um  mal-entendido?  No  dia  6  de outubro,  em  um  discurso  ao  Reichstag,  Hitler  fizera  uma  proposta  de  paz:  a  França  e  a  Inglaterra  as  repeliram,  mas  a  trégua total  nos  combates  dão  a  impressão  de  que  as  conversações  secretas  estão  em  curso.  De  resto,  consolidara-se  nos espíritos  a  idéia  de  que  a  Linha  Maginot  e  a  Linha  Siegfried  eram  inexpugnáveis  e  de  que  o  exército  que  se  arriscasse  a tomar  a  ofensiva  seria  destruído.  Assim,  o  conflito    pode  revestir-se  das  formas  de  uma  luta  ideológica  e  econômica.  Seria a  propaganda  e  pelo  bloqueio  que  Hitler  iria  ser  posto  de  joelhos.

Nascida  da  dúvida  e  do  tédio,  uma  imensa  preguiça  toma  conta  do  Exército  francês.  As  sondagens  feitas  pelo  controle postal  pintam  homens  dóceis  mas  inertes  e  convencidos  de  que  serão  desmobilizados  antes  de  haverem  combatido.  Os acantonamentos  são  em  geral  deficientes,  mas  a  alimentação,  regulamentar  ou  suplementar,  é  abundante.  O  Exército francês  come  e  bebe.  Os  oficiais,  que  o  regulamento  alemão  põe  no  regime  do  Goulashkanon,  da  cozinha  rolante,  vivem  no luxo  alimentar.  Os  QG  são  os  últimos  a  ter  autoridade  para  censurá-los:  disputam-se  os  chefes  dos  grandes  restaurantes parisienses  e  enviam  seus  carros  de  ligação  a  buscar  trutas  nos  Vosges  ou  rodovalho  em  Boulogne.  Uma  das  mais importantes  cozinhas  do  GQG,  arrastará  sua  adega  pelas  estradas  da  derrota  e  a  esvaziará,  depois  do  armistício,  em Montauban.

A  desculpa  desse  sibaritismo  sob  as  armas  era  que  o  sangue  não  corria.  Mal  recuperada  da  hemorragia  1914-18,  a nação  ficava  reconhecida,  por  isso,  ao  Comando.  Essa  segunda  guerra  de  posição  não  repete  as  matanças  absurdas,  as lutas  de  gigantes  por  pedaços  de  terra.  Mas  o  Exército  francês  deveria  empregar  a  trégua  que  lhe  concediam  para  se reforçar  e  se  endurecer.  Mas  foi  o  contrário  que  aconteceu:  o  Exército  francês  perdia  a  têmpera  e  amolecia.

No  entanto,  teve,  para  instruí-lo,  uma  lição  gratuita.  A  Wehrmacht  deu-lhe,  na  Polônia,  uma  exibição  de  seus  processos de  combate.  Lição  preciosa.  Lição  perdida!

Depois  de  outubro  o  Deuxieme  Bureau  empreendeu,  espontaneamente,  um  estudo  crítico  da  campanha  da  Polônia. Prisioneiro  do  conformismo  militar  francês,  atento  para  não  se  chocar,  muito  diretamente,  com  as  idéias  dos  grandes  chefes, não  se  elevou  à  simplicidade  e  à  força  das  conclusões  formuladas  no  outro  campo,  através  de  estudos  análogos:  falência completa  da  defesa  linear,  preponderância  da  rapidez  sobre  a  ação  do  fogo,  etc.  Não  obstante,  enumerou  com  exatidão todas  as  características  da  nova  guerra  à  maneira  alemã.  Mostrou  que  a  vitória,  na  Polônia,  havia  sido  trabalho  quase exclusivo  das  divisões  blindadas,  cooperando  com  a  aviação.  Fez  ressaltar  que  não  havia  apenas  um,  mas,  na  realidade, dois  exércitos  alemães:  um  de  infantaria-artilharia  e  um  de  tanques-aviação,  cada  qual  operando  com  velocidade  própria  e independentemente  do  outro.  Entrando  em  pormenores,  o  Deuxieme  Bureau  demonstrou  a  manobra  das  duas  divisões Panzer:  a    forçando  o  ferrolho  de  Mlawa,  mudando  de  rumo  para  varrer  as  margens  do  Narew,  antes  de  descer  para tomar  Varsóvia  pela  retaguarda;  a    desembocando  da  Eslováquia,  a  300  km  de  sua  base  de  partida,  depois  girando  120° para  se  abater,  ela  também,  sobre  Varsóvia.  Os  efeitos  do  bombardeio  de  mergulho,  sobre  o  moral  das  tropas,  o  uso  dos pára-quedistas,  a  paralisia  dos  movimentos  militares  causada  pelas  multidões  de  refugiados  que  enchiam  as  estradas,  nada de  essencial  falta  a  esse  importante  documento.  A  lentidão  de  escoamento  dessa  papelada  militar  fará  com  que  ele  chegue, a  certos  estados-maiores,  durante  a  batalha  de  maio,  a  tempo  de  que  possam  confirmar  seu  fundamento.    terá  essa utilidade.

O  Comando  francês  recusa-se  a  dar  importância  a  esses  ensinamentos  da  campanha  da  Polônia  -  Kriegspiel,  na realidade.  Os  oficiais  que  empreenderam  seus  estudos  estão  discretamente  desencorajados.  O  Troisieme  Bureau, autoridade  decisiva,  declara  que  não  se  poderia  tomar  o  que  se  passara  na  Polônia  como  base  de  instrução  do  Exército francês  durante  o  inverno.  As  condições  são  por  demais  diferentes.  Na  Polônia,  a  Alemanha  enfrentara  um  exército primitivo,  mediocremente  comandado,  mediocremente  equipado,  constrangido  a  guarnecer  frentes  desproporcionadas,  em terreno  desprovido  de  qualquer  organização  defensiva.  Na  França,  está  enfrentando  um  exército  moderno,  comandado  por um  discípulo  de  Joffre,  soberbamente  equipado,  instalado  num  campo  de  batalha  bem  dividido  e  bem  isolado,  apoiado  no sistema  de  fortificações  mais  poderoso  jamais  construído:  a  Linha  Maginot.

A  maior  prova  de  que  nada  existe  de  comum  entre  as  duas  situações  é  que  Hitler  não  ataca.  Ele  se  atirara  sobre  a Polônia.  Diante  da  França,  espera.

A  chuva  põe  Hitler  em  xeque:

A  primeira  ordem  de  ataque  contra  o  exército  comandado,  equipado,  instalado,  fortificado,  “maginotado”,  fora  assinada a  27  de  outubro,  pelo  Fuhrer.  A  ofensiva  deveria  se  iniciar  a  12  de  novembro,  15  minutos  antes do  sol  nascer.

A  decisão  de  derrotar  a  França  ainda  em  1939  havia  sido  tomada  antes  mesmo  do  fim  da  guerra  na  Polônia.  Quando Hitler  a  anunciou  aos  principais  chefes  da  Wehrmacht,  a  27  de  setembro,  Varsóvia  ainda  resistia.  Os  generais  recusaram  a tomar  a  sério  uma  intenção  que  lhes  parecia  desproporcional  aos  meios  de  que  dispunham.  Foram  necessárias  muitas reuniões  na  nova  Chancelaria,  a  instrução    6  sobre  a  condução  da  guerra  e,  por  fim,  a  ordem  de  27  de  outubro,  para convencê-los  de  que  o  Fuhrer  cogitava  mesmo  de  se  atirar  sobre  a  França,  transportando  para  o  Oeste  os  métodos  de combate  que  no  Leste  haviam  sido  tão  brilhantemente  bem  sucedidos.


Regressando  da  Polônia,  pelas  ferrovias  ou  rodovias,  os  exércitos  alemães  se  concentravam  no  Reno.  Brauchitsch, conscienciosamente,  visitou  os  QG.  A  unanimidade  reinava  neles:  a  ofensiva  desejada  pelo  Fuhrer  era  uma  impossibilidade e  a  ordem  de  ataque,  para  12  de  novembro,  uma  loucura.  Brauchitsch  considerou  que  era  seu  dever  de  comandante-chefe opor-se  a  elas.

O  dia  5  de  novembro  era  uma  data  importante:  devia-se  decidir,  ao  meio-dia,  se  a  ordem  de  ataque  seria  ou  não mantida.  Brauchitsch  apresentou-se,  pela  manhã,  à  nova  Chancelaria  e  pediu  para  ser  recebido,  a  sós,  pelo  Fuhrer.  Hitler cedeu,  de  má-vontade.  Brauchitsch  começou  pela  leitura  de  um  memorando  em  que  reunira  as  considerações  militares  que desaconselhavam  uma  ofensiva  a  oeste.  O  Exército  francês  era  forte  demais.  O  Exército  alemão  ainda  não  havia  adquirido bastante  resistência.  Faltava-lhe  artilharia  pesada;  faltavam-lhe  as  munições  necessárias  para  atacar  as  fortificações francesas.  Alcançada  sobre  um  adversário  fraco,  a  vitória  da  Polônia  não  devia  iludir  ninguém.  Devia  ser  utilizada  a vantagem  política  que  ela  dava  à  Alemanha,  para  ser negociada,  em  boas  condições,  a  paz  geral.

Hitler,  de  início,  escutara  em  silêncio  profundo.  A  explosão  veio  quando  o  Coronel-General  aludiu  aos  defeitos  morais que  a  campanha  da  Polônia  fizera  aparecer  no  novo  Exército  alemão,  nascido  do  nazismo.  “A  Infantaria  -  disse  Brauchitsch -  não  demonstrou  o  mesmo  espírito  ofensivo  que  teve  na  guerra  precedente.  Mesmo  em  certas  divisões  da  ativa,  atos  de indisciplina  foram  assinalados...”.

Brauchitsch  nada  mais  leu.  Entrou  na  ante-sala  parecendo  que  ia  desmaiar.  Hitler  havia  tomado  o  documento  de  suas mãos,  o  rasgou  e  o  pisoteou  no  chão.  Depois  chamara  Keitel  -  “Lakeitel”,  Keitel,  o  lacaio  -  e,  através  da  porta,  ouviram-no rugir  contra  a  estupidez  e  a  covardia  dos  generais.

Quando  Keitel  saiu,  era  meio  dia  em  ponto.  O  coronel  do  estado-maior  Warlimont  esperava  à  porta  do  Fuhrer.  Advertiu que  o  momento  fixado  para  a  confirmação  da  ofensiva    tinha  passado.  No  calor  da  indignação,  Hitler  e  seu  general doméstico  haviam  se  esquecido  disto.

Keitel  voltou  à  cova  do  leão.  Dali  saiu  logo  depois,  dizendo  que  a  ordem  para  27  de  outubro  fora  confirmada.  Quando Warlimont  telefonou  essa  ordem  ao  Estado-Maior  de  Brauchitsch,  o  oficial  que  recebeu  a  mensagem  manifestou  surpresa. “Mas  -  disse  ele  -  o  Coronel-General  foi  expor  ao  Fuhrer  por  que  a  ofensiva  é  impossível...”  “O  Coronel-General  -  respondeu Warlimont  -  não  conseguiu  convencer o  Fuhrer...”

Brauchitsch  pediu  demissão.  Hitler negou  e  ele  teve  que  permanecer  no  posto, para  preparar  planos  que  desaprovava. O  plano  da  ofensiva  de  12  de  novembro  fora  preparado  pelo  Estado-Maior  do  Exército  (OKW),  a  19  de  outubro.  O Exército  alemão  deveria  penetrar  nos  três  países  cuja  neutralidade,  um  mês  antes,  Hitler  prometera  respeitar:  Holanda, Bélgica  e  Luxemburgo.  O  centro  de  gravidade,  o  Schwerpunkt,  era  a  região  de  Liege.  A  ala  a  marchar,  formada  pelos grupos  de  Von  Bock  (grupo  B),  devia  conquistar  as  costas  do  mar  do  Norte,  a  fim  de  proporcionar  à  Marinha  e  à  Força Aérea  uma  base  de  operações  aeronavais  contra  a  Inglaterra.  Um  papel  ofensivo  menor  estava  determinado  ao  grupo  de exércitos  de  Von  Rundstedt  (grupo  A),  que  devia  atravessar  as  Ardenas  e  forçar  passagem  pelo  Mosela.  Um  terceiro  grupo (grupo  C),  comandado  por  Von  Leeb, manteria  a  frente  pacífica,  de  Luxemburgo  à  Suíça.

Hitler  estava  parcialmente  satisfeito.  “Eles  calçaram  as  botas  de  Schlieffen”  -  dissera  a  seus  dois  palacianos  -  Keitel  e Jodl.  Haviam-lhes  explicado  que  o  efeito  de  surpresa  produzido  em  1914,  pela  extensão  da  ala  direita  alemã  não  podia repetir-se.  Desta  vez,  o  Comando  francês  esperava  o  ataque  pela  Bélgica.  A  fina-flor  de  suas  forças  estava  disposta  das Ardenas  ao  mar  do  Norte  -  e  seria  a  uma  batalha  frontal  que  uma  reedição  do  Plano  Schlieffen  se  arriscaria  a  chegar.

Entretanto,  Hitler  deixou  passar  o  plano  da  OKH.  Embora  dotado  de  verdadeira  intuição  estratégica,  não  tinha,  disse  o general  francês  Koeltz,  “a  formação  superior  de  Estado-Maior  que  lhe  permitisse  expressar  plena  e  imediatamente  a  idéia da  manobra,  nascente  em  seu  pensamento”.  Na  realidade,  não  era  somente  Hitler chefe  de  guerra,  era  Hitler,  como  general, que  engendrava  suas  idéias  em  estado  de  nebulosa  e  depois  as  precisava  numa  alternância  de  meditações  solitárias  e  de conversações  descosidas.  A  intuição  da  penetração  de  Sedan  lhe  veio  muito  cedo,  mas  ficou  por  muito  tempo  em  gestação, sob  forma  fluida,  em  torno  de  hipóteses  instáveis.O  ultraje  a  Brauchitsch  foi  seguido,  a  23  de  novembro,  por  violenta repreensão  aos  comandantes  de  Exércitos,  reunidos  na  Chancelaria.  Conta  Halder:  “Hitler  ladrou  contra  os  generais:  não posso  expressar-me  de  outra  maneira”.

Mesmo  assim  ,  alguns  mantiveram  sua  oposição,  e  um  deles,  Leeb,  chegou  até  a  propor  uma  greve  do  Alto-Comando, para  matar  o  projeto  da  ofensiva.  Mas  o  hábito  de  obediência  e  o  fatal  juramento  de  fidelidade  prestado  ao  Fuhrer acorrentaram  a  imensa  maioria  desses  soldados.É  o  céu  que  se  encarrega  de  adiar  a  ofensiva  a  oeste.  Hitler  exige  bom tempo  para  que  o  rendimento  da  força  aérea  e  dos  blindados  seja  digna  do  que  foi  durante  o  luminoso  verão  polonês.  Ora, o  outono  de  1939  é  execrável.  Novembro  traz  chuvas  torrenciais.  Os  rios  enchem  e  as  inundações  estendem,  pelas planícies,  grandes  obstáculos  aos  tanques.  As  previsões  meteorológicas  anunciam  muitas  nuvens,  vindas  do  Atlântico, prometendo  dilúvios  para  os  dias  seguintes.

No  dia  7,  Hitler  transfere  para  dia  9  a  decisão  relativa  ao  ataque.  E,  novamente,  para  dia  13,  depois  para  16,  depois para  20.  Uma  suspeita  apodera-se  do  Fuhrer:  exige  que  os  boletins  bicotinados  sejam  fixados  pela  Luftwaffe,  uma  vez  que os  generais  de  terra  lhe  parecem  capazes  de  subornar  os  meteorologistas.  Mas  os  homens-barômetro  da  aviação  não  são menos  pessimistas  do  que  os  da  terra.  Os  adiamentos  da  ofensiva  se  sucedem:  27  e  29  de  novembro;  depois  4,  6  e  12  de dezembro...

Estranha  guerra.  A  chuva  cai,  torrencialmente.  Em  seus  péssimos  acantonamentos,  da  Alsácia  e  das  Ardenas,  os homens  se  encharcam,  sob  a  tempestade  que  não  tem  fim.  A  palha  para  os  colchões  apodrece  nas  granjas.  Atingidos  por misteriosa  doença  ou  vítima  da  negligência  dos  seus  condutores,  os  cavalos  da  artilharia  morrem  aos  milhares.  A  intempérie é  boa  razão  para  que  se  cancelem  os  exercícios  e  para  que  sejam  suspensos  os  trabalhos  de  organização  do  terreno.  Os homens  se  unem  nos  botequins  das  aldeias  e  se  entediam  ...

No  mar,  guerra  nada  esquisita:

Um  argumento  vem  apoiar  aqueles  que  sustentam  que  a  Segunda  Guerra  Mundial  seria  mais  econômica  e generalizada  do  que  uma  guerra  européia:  enquanto  as  hostilidades  terrestres  são  nulas,  as  hostilidades  navais  começaram desde  o  primeiro  dia  e  prosseguiram  vigorosamente.  Após  o  dia  3  de  setembro,  às  21  horas,  apenas  10  horas  depois  da proclamação  do  Estado  de  guerra,  uma  explosão  destruiu  o  navio  inglês  Athenia,  de  13.500  toneladas,  que  fazia  sua viagem  para  Nova  Iorque.  Houve  112  vítimas,  das  quais  28  passageiros  americanos.  A  Segunda  Guerra  Mundial  tem  seu Lusitânia  desde  o  primeiro  dia.

No  dia  seguinte,  o  “Volkischer  Beobachter”  acusa:  fora  Churchill  quem  afundara  o  Athenia,  com  a  ajuda  de  uma máquina  infernal,  sem  dar  importância  a  1.500  vidas  humanas,  para  criar  um  incidente  entre  a  Alemanha  e  os  Estados Unidos.  Churchill  (que  acabara  de  voltar  a  seu  posto  de  1914:  Primeiro-Lorde  do  Almirantado)  protesta,  sem  conseguir convencer  totalmente.  No  entanto  o  “Volkischer”  mente:  não  fora  Churchill,  mas  o  tenente  Lemp,  comandante  do  U  30, quem  afundara  o  Athenia.  Seria  preciso,  porém,  esperar  os  documentos  do  processo  de  Nuremberg  para  se  ter  certeza.  A Kriegsmarine  falsifica  o  diário  de  bordo,  faz  com  que  toda  a  tripulação  jure  segredo,  infringe  sanção  disciplinar  a  Lemp, culpado  de  haver  aberto  as  hostilidades,  ao  torpedear  um  navio,  sem  advertência.

Um  segundo  navio,  o  Royal  Spectre,  afunda  2  dias  depois.  Desta  vez,  o  comandante  do  U  48,  o  jovem  tenente  Herbert Schultze,  avisa  diretamente  a  Churchill.  Estes  dois  navios  abrem  a  lista  de  2.603  navios  que,  de  1939  a  1945,  foram destruídos  pelos  U-Boote  de  Hitler.

Mais  ainda  do  que  os  chefes  do  Exército,  os  chefes  da  Marinha  acham  que  a  guerra  é  prematura.  A  Alemanha  só possui  uma  fraca  frota  de  superfície:  3  couraçados  de  bolso,  Admiral  Graf  Spee,  Admiral  Scheer  e  o  Deutschland, construídos  sob  as  limitações  (10.000  toneladas)  do  Tratado  de  Versalhes,  2  cruzadores  de  guerra,  de  26.000  toneladas (Scharnhorst  e  Gneisenau),  1  cruzador  pesado  (Prinz  Eugen),  5  cruzadores  leves  e  22  destróieres.  Está  terminando  a construção  dos  couraçados  de  35.000  toneladas  (Bismark  e  Tirpitz)  e  começando  dois  outros  barcos,  provisoriamente denominadas  H  e  J.  Ao  total,  uma  frota  cuja  reconstituição  mal  começa  e  que  não  pode  apresentar-se  candidata  ao  domínio dos  mares.

Por  sua  vez,  a  arma  submarina    ressuscitara  em  1935,  quando  o  capitão  de  fragata  Karl  Doenitz  criou  a  flotilha Weedingen,  composta  de  3  pequenos  submarinos.  Em  1939,  o  número  de  submarinos  construídos  eleva-se  a  57,  mas  a metade  compõe-se  de  canoes,  de  menos  de  250  toneladas,  não  utilizáveis  no  Atlântico,  e  muitos  ainda  não  haviam concluído  sua  experiências.  Várias  semanas  se  passarão  até  que  a  Alemanha  possa  ter  nos  mares,  simultaneamente,  mais de  3  ou  4  submarinos.

Do  lado  aliado,  a  majestosa  frota  britânica  de  1914,  8  esquadras  de  8  navios  de  linha,    não  existe.  Um  programa  de rearmamento  naval  está  em  curso,  mas  os  couraçados  da  série  King  George  V,  assim  como  os  porta-aviões  do  tipo Illustrious    começarão  a  sair  do  estaleiro  em  1941.  Enquanto  espera,  a  frota  de  alto  bordo  se  compõe  de  13  veteranos  da Primeira  Guerra,  10  couraçados  e  3  cruzadores  de  guerra,  mais  6  porta-aviões,  dos  quais  5  são  velhos  couraçados adaptados  e,  ainda,  dos  dois  únicos  navios  de  linha  construídos  depois  de  1919,  o  Nelson  e  o  Rodney.

O  efetivo  dos  barcos  ingleses  de  menor  tonelagem  continua  impressionante:  15  cruzadores  com  canhões  de  8 polegadas,  49  cruzadores  com  canhões  de  6  polegadas,  184  destróieres,  38  corvetas,  etc.  Mas  a  Inglaterra  deve  guardar caminhos  marítimos  que,  sob  o  pavilhão  inglês,  se  marca  pela  presença  cotidiana, no  mar,  de  2500  navios  mercantes.

Se  a  Itália  tivesse  entrado  na  guerra,  a  Inglaterra  deveria  levar  em  conta  uma  força  naval  poderosa  e  moderna:  4 couraçados,  dos  quais  dois  de  35.000  toneladas,  novos  em  folha,  o  Vittorio  Veneto  e  o  Littorio,  7  cruzadores  pesados,  12 cruzadores  leves,  59  destróieres,  69  vedette  torpedeiras,  105  submarinos.  A  não-beligerância  de  Mussolini  neutraliza  essa armada  mediterrânea,  permite  que  se  junte  à  luta  contra  a  Alemanha  a  totalidade  de  uma  frota  francesa  que,  ao  contrário  do Exército,  se  renovara  totalmente.  Além  de  3  couraçados  antigos,  conta  com  2  grandes  navios  de  26.000  toneladas,  o Dunkerque  e  o  Strasbourg,  que  os  ingleses  classificam  como  cruzadores  de  guerra,  e  termina,  em  seus  arsenais,  o Richelieu  e  o  Jean-Bart,  de  35.000  toneladas,  que  devem  ser  os  barcos  mais  poderosos  de  sua  geração.  Dezoito cruzadores  pesados,  todos  modernos,  constituem  uma  força  homogênea  e  os  28  destróieres  (mais  24,  em  construção)  são considerados  pelos  ingleses  como  cruzadores  leves.  A  continuidade  nas  construções,  a  habilidade  do  falecido  Ministro  da Marinha,  Georges  Leygues,  a  capacidade  do  chefe  de  Estado-Maior  François  Darlan,  explicam  por  que,  no  momento  mais intenso  de  seus  crepúsculo  militar,  a  França  possua  a  força  naval  mais  poderosa  que    tivera,  depois  da  Monarquia.

Uma  surpresa  técnica,  porém,  atinge  a  Inglaterra.  Ao  longo  das  costas,  nos  estuários,  navios  são  destruídos  de  uma maneira  misteriosa.  Seis  cargueiros  explodem,  um  após  outro,  no  Tâmisa,  e  o  encouraçado  mais  poderoso  da  esquadra,  o Nelson,  fica  imobilizado  durante  várias  semanas.  Uma  tarde,  fumando,  nervosamente,  o  seu  curto  cachimbo,  o  First  Sea Lord  Almirante  Sir  Dudley  Pound,  vem  comunicar  a  Churchill  que  ao  alemães  possuem  um  engenho  secreto,  que  provoca essas  perdas  angustiantes.  Não  se  poderia  cogitar  de  qualquer  defesa  enquanto  esse  engenho  permanecesse desconhecido.

Passam-se  alguns  dias  de  ânsia.  A  22  de  novembro,  chega  uma  informação  de  Southend-on-the-Sea,  entrada  do Tâmisa:  um  avião  alemão,  atacado  na  entrada  do  Tâmisa  por  uma  bateria  DCA,  aliviara-se  precipitadamente  de  vários objetos  luminosos,  dos  quais,  um,  caído  sobre  um  banco  de  lama  de  Shoeburynesse,  é  percebido  na  maré  baixa.  Dois oficiais  especialistas  em  minas,  Ouvry  e  Lewis,  partem  imediatamente  de  Woolwich,  em  plena  neblina.  Localizam  o engenho,  instalam  uma  iluminação  de  emergência  e,  dentro  de  uma  noite  glacial,  sobre  o  banco  de  lama,  batido  pelo  vento, empreendem  sua  desmontagem.  Todos  os  transes  de  O  Salário  do  Medo  se  apegam  diante  do  trabalho  dos  dois  homens tateando  perigosas  protuberâncias,  com  o  tempo  medido  pelo  fluxo  da  maré  enchente.  A  sorte,  cúmplice  necessária  desses suspenses,  fez  com  que  a  tripulação  do  avião  alemão,  sob  tensão  diante  do  fogo  que  o  enquadrava,  se  esquecesse  de armar  o  dispositivo  de  explosão.  Ouvry  e  Lewis  são  bem  sucedidos:  levam  para  Southend  uma  mina  magnética  -  a  primeira arma  secreta  de  Hitler.  Agora    resta  organizar  a  desmagnetização  dos  navios,  para  que  seu  caso  metálico  não  mais  atraia as  máquinas  infernais,  semeada  nas  águas  pouco  profundas.

Dir-se-ia  que  a  guerra  de  1914-18  jamais  cessara.  A  principal  missão  da  Navy  consiste,  de  novo,  em  proteger  a passagem,  no  continente,  da  British  Expeditionary  Force:  isso  aconteceu  sem  que  um  único  homem  ou  um  único  veículo fosse  perdido.  Cuida-se,  depois,  de  estabelecer  o  bloqueio  da  Alemanha.  É  iniciada  a  reconstituição  dos  imensos  campos de  minas  ancoradas  em  1918,  entre  a  Escócia  e  a  Noruega.  Reformam-se  a  patrulha  Fantasma,  os  navios  transformados em  cruzadores  auxiliares,  montando  guarda  nas  águas  tormentosas  do  paralelo  60°.  No  dia  23  de  novembro,  ao  cair  da noite,  um  desses  mobilizados,  o  Rawalpingi,  distingue  a  8000  jardas  a  silhueta  de  um  grande  navio  de  guerra.  Um  momento depois,  ele  afunda  sob  as  salvas  do  Scarnhosrst,  após  uma  desesperada  defesa.

A  guerra  submarina  recomeça,  à  maneira  de  1916.  Reaparecem  os  comboios  -  rebanhos  de  navios  conduzidos  por  1  a 2  pastores,  couraçados  ou  cruzadores  -  enquanto  destróieres,  barcos  armados  ou  corvetas  rondam  em  torno  deles,  como cães.  Não  obstante,  as  perdas    são  pesadas:  41  navios,  em  setembro,  27  de  outubro,  21  em  novembro,  25  em  dezembro, num  total  de  114  navios  e  420.000  toneladas,    em  uma  parte  de  1939,  ocupada  pela  guerra.  Ou  seja:  um  ritmo  de destruição  igual  ao  de  1916.  Os  navios  de  guerra  não  são  poupados.  No  dia  17  de  setembro,  no  canal  de  Bristol,  o  U  29, comandado  por  Schuhart,  surpreende  o  Courageous  no  momento  em  que  este  vira,  ao  vento,  para  uma  manobra  de  carga. Quinze  minutos  depois  a  marinha  inglesa  pode  deplorar,  pela  primeira  vez  a  perda  de  um  porta-aviões.

Em  14  de  outubro,  registra-se  uma  façanha  excepcional.  Aos  59  minutos  do  dia,  o  couraçado  Royal  Oak,  ancorado  na baía  de  Scapa  Flow,  é  abalado  por  um  choque.  Despertado,  o  comandante  pensa  numa  ligeira  explosão  e  desce  ao  porão para  investigar.  Durante  esse  tempo,  a  menos  de  2  milhas,  o  U  47,  do  tenente  naval  Gunther  Prien,  torna  a  carregar  seus tubos  de  torpedos,  para  recomeçar  o  ataque.  A  operação  desenvolve-se  à  superfície,  no  meio  do  porto  adormecido,  sob  um céu  claro,  em  tal  quietude  que  o  oficial  de  bordo  Von  Varendorff  passeia  pela  ponte,  para  desentorpecer  as  pernas,  e  é asperamente  repreendido,  com  voz  abafada  pelo  seu  comandante.  Vinte  e  oito  minutos  depois  da  primeira,  à  1:27  horas, nova  salva  rasga  o  Royal  Oak.  Enquanto  ele  afunda,  arrastando  à  morte  24  oficiais  e  809  marinheiros,  o  U  47  retorna  seu caminho  silencioso,  desliza,  novamente,  entre  os  dois  navios  afundados,  que  obstruem  -  e  mal  -  o  estreito  de  Kirk,  faz-se  ao largo  e  toma  o  rumo  da  Alemanha,  onde  justa  glorificação  aguarda  Prien  e  seus  comandados.

Uma  das  coisas  que  fazem  com  que  esse  começo  de  guerra  naval  se  assemelhe  aos  grandes  dias  de  1914  é  o  fraco papel  representado  pela  aviação.  Uma  ordem  do  Gabinete  britânico  interditou  o  bombardeamento  dos  navios  alemães  nos portos,  mas  o  autoriza  em  alto-mar.  Contigentes  de  Wellington  e  de  Blenheim,  utilizam  esta  faculdade,  ao  largo  de Wilhelmshaven,  mas    conseguem  arranhar  o  Admiral  Scheer.  Inversamente,  a  Luftwaffe,  atacando  Scapa  Flow,  registra como  resultado  total  o  fracasso  do  ex-navio  capitânia  de  Jellicoe,  o  velho  Iron  Duke,  convertido  em  bateria  flutuante.  O comandante  chefe  da  Home  Fleet,  Almirante  Sir  Charles  Forbes,  tira  disso  a  conclusão  de  que  a  ameaça  aérea  foi exagerada.  Pagar-se-á  caro  este  julgamento  precipitado.

Última  semelhança  com  1914:  os  Raiders  (navios  corsários).  A  caça  ao  Graf  Spee  ressuscita  todas  as  emoções  que marcaram,  25  anos  antes,  a  perseguição  ao  Konigsberg  e  ao  Emden.

O  Almirantado  soube  que,  no  dia  1 o  de  outubro,  o  Admiral  Graf  Spee  se  encontrava  no  Atlântico  e  que  afundou  o  vapor Clément,  ao  largo  do  Brasil.  Vinte  dias  depois,  os  sobreviventes  do  vapor  norueguês  Lorentz  Hansen  chegam  às  Orcades  e comunicam  que  seu  navio  fora  destruído  pelo  Deutschland.  Dois  couraçados  de  bolso  estão,  pois,  em  ação  -  um  no Atlântico  Norte,  outro  no  Sul.  Temíveis  navios,  obras  primas  da  construção  naval:  canhões  de  11  polegadas,  blindagem  de 10  cm,  maquinas  dando  28  nós,  acumulados  num  deslocamento  de  10.000  toneladas,  graças  à  economia  de  peso, realizada  pela  substituição  da  solda  pelo  rebite. É  uma  ameaça  que  a  qualquer preço  deve  ser  eliminada  dos  mares.

Os  dois  navios  são  idênticos,  mas  seus  comandantes  diferem.  O  do  Deutschland    prova  de  excessiva  prudência  e regressa  a  Willhelmshaven,  desde  11  de  novembro,  com  magro  quadro  de  caça.  O  do  Graf  Spee,  Langsdorff,  aplica-se, obstina-se.  De  resto,  sua  conduta  é  irrepreensível:  nenhum  navio  é  afundado  antes  de  ser  completamente  evacuado;  os comandantes  prisioneiros  são  recebidos  com  consideração,  o  menos  mal  possível,  no  Altmark,  que  acompanha  o couraçado  na  qualidade  de  reabastecedor.  Langsdorff  se  felicita  por  ainda  não  ter  feito  correr  uma    gota  de  sangue.

Contra  os  dois  corsários,  depois  contra  o  solitário  Graf  Spee,  as  frotas  aliadas  deslocam  forças  imensas.  Oito  divisões navais,  compostas  de  couraçados,  de  cruzadores  e  de  porta-aviões,  são  designadas  para  setores  que  vão  do  Ceilão  às Antilhas.  No  dia  22  de  outubro,  um  SOS  do  SS  Tevanion  faz  esperar  que  um  torno  se  aperte  sobre  o  couraçado  solitário. Mas  passam-se  os dias  e  as  semanas.  O  Graf  Spee  não  está  em  parte  alguma,  na  imensidão  do  mares.

Para  despistar  os  perseguidores,  Langsdorff  fez  vasto  desvio  no  Oceano  Índico.  Regressa  ao  Atlântico,  parcialmente satisfeito  com  seu  cruzeiro.  Seus  recursos  esgotam-se  e,  a  partir  de  30  de  setembro,  ele    destruíra  9  cargueiros, perfazendo  um  total  de  50.000  toneladas,  coisa  bem  modesta  para  um  navio  tão  poderoso  como  o  seu.  Ele  quer,  antes  de voltar  à  Alemanha,  melhorar  seu  quadro  de  combate  nas  águas agitadas  de  tráfico  do  Rio  da  Prata.

 Às  6:08h,  quando  o  Graf  Spee  está  a  150  milhas  de  Montevidéu,  seus  vigias  descobrem  uma  fumaça.  Langsdorff aproxima-se  pela  proa,  convencido  de  que  se  trata  de  nova  vítima.  Oito  minutos  depois,  reconhece  um  barco  de  guerra. Suas  ordens  lhe  prescrevem  evitar  combate,  mas  a  fuga  é  difícil,  na  manhã  de  um  longo  dia  de  verão,  e  Langsdorff  se considera  bastante  forte  para  impor-se,  rapidamente,  ao  cruzador  leve  cuja  superestrutura  se  desenha  no  horizonte. Instantes  depois,  dois  outros  navios  se  tornam  visíveis,  por  sua  vez  -  e  é  tarde  demais  para  fugir.  O  alemão  tem  o  sol  nos olhos,  mas  a  visibilidade  é  excelente,  com  vento  moderado  e  ligeira  corrente  marítima,  vinda  do  nordeste.

O  primeiro  cruzador  avistado  pelo  Graff  Spee  é  o  Ajax,  com  canhões  de  6  polegadas.  O  segundo,  da  mesma  força,  é  o Achilles,  da  Marinha  neozelandesa.  O  terceiro  é  o  Exeter,  armado  de  canhões  de  8  polegadas.  Eles  constituem,  sob  o comodoro  Harwood,  a  força  G  -  uma  das  menores,  pois  não  conta  com  couraçados  e  nem  com  porta-aviões.  Além  disso,  o quarto  navio  da  divisão,  o  cruzador  Cumberland,  se  reabastece  nas  Falkland.  Sozinho  contra  três,  Langsdorff  possui,  no entanto,  grande  superioridade  sobre  os  adversários.  Tem  as  melhores  chances  de  destruí-los,  um  após  o  outro,  sem  que  o Graf  Spee  sofra  avarias.

Às  6:14h  começa  o  combate.  A  distância  entre  o  Graf  Spee  e  seus  adversários  é  de  19  km.  Hora  e  meia  depois,  a  ação está  terminada.  O  Exeter,  com  3  torres,  de  suas  4,  demolidas,  pesadamente  adernado  a  bombordo,  interrompe  a  luta  e tenta,  penosamente,  voltar  à  Port  Stanley.  Os  dois  cruzadores  ligeiros  batem-se  com  extraordinária  teimosia,  atraindo,  a curta  distância,  um  adversário  cuja  artilharia  secundária  se  iguala  à  principal  deles.  Aproveitam-se  do  duelo  entre  o  Graf Spee  e  o  Exeter,  para  atingir,  repetidamente,  o  couraçado  inimigo.  Mas  também  sofrem  danos  -  leves,  o  Achilles;  graves,  o Ajax.  Ficam  sozinhos  diante  de  um  poderoso  navio  cuja  força  combativa  está  intacta;  sós,  sem  outra  superioridade  senão ligeira  vantagem  em  velocidade.  O  Graf  Spee  pode  forçá-los  a  fugir.

Mas  é  o  couraçado  que  foge!:

As  suas  avarias  são  importantes,  embora  não  o  ponham  em  perigo.  As  cozinhas  estão  destruídas;  o  casco,  furado; parte  da  artilharia,  inutilizada;  o  barco  está  cheio  de  feridos.  Um  espírito  menos  fanático  do  que  Langsdorff  se  faria  ao  largo, tentaria  uma  evasão,  desaparecendo  nos  espaços  desertos  do  oceano.  Mas  o  humanitário  comandante  do  Graf  Spee,  que considera  absurda  a  guerra,    sonha  encontrar  uma  angra  para  reparar  seu  navio  e  desembarcar  seus  feridos.  Montevidéu está  próximo:  lança-se  para  lá.  É  uma  armadilha.  Os  dois  pequenos  cruzadores  vitoriosos  unem-se  contra  ele,  no  limite  das águas  territoriais  uruguaias  e,  voltando  apressadamente  das  Falkland,  o  Cumberland  dá-lhes  reforço,  no  dia  seguinte.

Os  três  dias  que  se  seguem  inflamam  o  mundo,  o  Almirantado  inglês  alardeia  o  glorioso  combate  dos  três  cruzadores. A  curiosidade  pública  espera,  avidamente,  a  peripécia  seguinte.  Hitler,  sufocado  de  raiva,  bombardeia  Langsdorff  com telegramas,  acusa-o  de  covarde,  põe-no  sob  suspeita  de  traição.  Quer  que  tire  o  Graf  Spee  de  Montevidéu  e  o  afunde,  com o  pavilhão  hasteado.  Mas  Langsdorff  recusa  sacrificar  seus  homens,  resiste  ao  Embaixador  alemão  no  Uruguai  e  aos agentes  nazistas  que  acorreram  de  Buenos  Aires.  As  72  horas  de  prazo  que  obtivera  do  Governo  uruguaio  esgotam-se. Torna-se  necessário  que  ele  deixe  Montevidéu  ou  que  aceite  o  internamento,  terminantemente  vetado  pelo  Fuhrer.

No  dia  17  de  dezembro,  às  18h,  imensa  multidão  aflui  ao  cais  de  Montevidéu.  O  Graf  Spee  parte.  Nenhum  reforço aliado  chega  ao  Achilles,  ao  Ajax  e  ao  Cumberland,  a  bordo  dos  quais  ressoa  o  toque  de  combate.  Mas  Langsdorff desembarcou  a  maior  parte  de  sua  tripulação  e  é  um  grupo  de  afundamento  que  conduz  o  magnífico  navio  ao  meio  do estuário,  na  glória  do  sol  poente.  Ouvem-se  duas  a  três  explosões  ensurdecedoras.  O  Graf  Spee  deixa-se  afundar lentamente  em  águas  tão  pouco  profundas,  que  por  muito  tempo  seus  destroços  serão  vistos  à  flor  d’água.

Langsdorff  foi  o  último  a  abandonar  seu  navio.  No  dia  seguinte,  mata-se.

Um  temor,  ligado  ao  ocorrido,  apodera-se  do  supersticioso  Hitler:  o  que  acontecera  ao  Graf  Spee  poderia  ter acontecido  ao  Deutschland.  O  mundo,  divertido,  teria  visto  a  Alemanha  afundar  ignominiosamente.    ordem  para  que  se rebatize,  com  o  nome  de  Lutzow,  o  decano  dos  couraçados  de  bolso.

O  Exército  Soviético  entra  em  cena  na  Finlândia:

Entrementes,  acontecimentos  de  profundo  alcance  se  desenrolam  a  leste.  A  Rússia  explorou  com  rapidez,  sua  aliança com  Hitler.  Ex-províncias  do  Império  czarista,  três  pequenos  Estados  corajosos  estendem-se  ao  longo  do  Báltico:  a minúscula  Estônia  (capital,  Tallin),  a  vigorosa  Letônia  (capital,  Riga),  a  rústica  Lituânia  (capital,  Kovno).  Análogas  e diferentes,  essas  três  sentinelas  da  Europa,  abençoavam  o  dia  em  que  se  haviam  libertado  da  Rússia  e  consideravam  a Alemanha  como  guardiã  de  sua  independência.  Hitler  submeteu-as  a  seu  jugo.

Depois  do  28  de  setembro,  a  Rússia  impõe  à  Estônia  um  tratado  de  assistência  mútua.  O  mesmo  termo  falaz  serve,  no dia  5  de  outubro,  para  a  Letônia,  e,  a  11  de  outubro,  para  a  Lituânia.  Os  governos  procuram  resistir,  estudam  as  condições, embalam-se  na  ilusão  de  que  pelo  menos  salvarão  sua  autonomia  interna.  Mas  não  podem  escapar  à  ocupação  militar.  As ilhas  de  Dago  e  de  Osee,  os  portos  de  Windau  e  de  Libau  são  convertidos  em  bases  soviéticas.  Pela  primeira  vez,  o Exército  vermelho  entra  em  cidades  ocidentais  transbordantes  de  riquezas.  Um  relatório  faz  rir  os  serviços  de  informações aliados:  em  Riga,  as  mulheres  dos  oficiais  russos  haviam  ido  a  um  espetáculo  de  gala,  na  Ópera,  usando  camisola  de dormir,  que  haviam  tomado  como  traje  a  rigor!

Resta,  porém,  um  país  báltico  -  meio  báltico,  meio  escandinavo  -  que  ainda  não  aceitou  as  condições  russas:  a Finlândia.  É  um  país  um  pouco  mais  importante  que  os  outros  três:  4  milhões  de  habitantes  e  um  vasto  território  que  se  abre sobre  o  oceano  Ártico.  Possui  longa  experiência  dos  russos  e  uma  capacidade  hereditária  de  se  fazer  respeitar:  província czarista,  estendendo-se  até  os  subúrbios  de  São  Petersburgo,  sempre  conservara  sua  liberdade  política  e  seus  privilégios militares.  Mais  tarde,  após  a  independência,  desenvolveu-se,  na  Finlândia,  profundo  desprezo  pelo  russo  bolchevizado  - simultaneamente  a  um  irredentismo  que  reivindica  a  Carélia  e  sustenta  que  o  “Império  finês”    termina  nos  Urais.  Ora,  a URSS  pede  a  esse  altivo  país  a  cessão  de  parte  de  seu  litoral  ártico,  uma  base  naval  na  península  de  Hango  e  o  recuo  da fronteira, para  dar  expansão  a  Leningrado.

Se  o  governo    tivesse  ouvido  a  nação,  teria  dito  um  não,  sem  grandes  frases.  Mas  também  ouviu  a  razão,  aceitou sacrificar  algumas  ilhas,  encontrou  um  intermediário  emérito:  Paasikiwi,  que,  resistindo  a  Stalin,  conseguiu  fazê-lo  rir.  Os russos  insistem,  ameaçam  e,  no  dia  27  de  novembro,  após  um  incidente  de  fronteira,  anunciam  que  o  pacto  de  não- agressão,  com  a  Finlândia,  está  assinado.  Mas  não  o  está  com  o  governo  usurpador  de  Helsinki,  com  o  reacionário Marechal  Mannerheim,  presidente  de  uma  pretensa  República  finlandesa!  Está  assinado  com  o  governo  legítimo  do  patriota Kuusinen,  que  a  URSS  instalou,  provisoriamente,  em  pequena  cidade  próxima  à  fronteira.  Esse  governo  pede  aos  russos que  intervenham  e  libertem  a  Finlândia.  Eles  satisfazem  no  dia  30  de  novembro,  tomando  a  ofensiva  no  istmo  da  Carélia.

A  Sociedade  das  Nações  (SDN)  tinha  ainda  um  pouco  de  vida.  Amputada  da  Alemanha,  da  Itália  e  do  Japão,  viúva dos  Estados  Unidos  desde  o  nascimento,  continuava  a  funcionar,  à  margem  da  imensa  guerra  que  começava.  Acusa  a URSS  pela  agressão  que  acabava  de  cometer.  A  URSS  surpreende-se:  jamais  suas  relações  com  a  Finlândia  haviam  sido melhores;  por  sinal,  Kuusinen  e  Molotov  acabavam  de  assinar  um  pacto  de  amizade.  A  URSS,  sinceramente,  não compreende!  Foi  excluída  -  e  a  SDN,  esgotada  pelo  seu  primeiro  gesto  enérgico,  morre  imediatamente.

Ao  longe,  no  entanto,  a  guerra  começa.  O  primeiro  plano  soviético  é  simples:  consiste  em  marchar  diretamente  contra Helsinki,  para    instalar  o  patriota  Kuusinen.  Desdenhando  a  mobilização,  o  comandante  russo  contenta-se  em  fazer marchar  as  unidades  do  Okrug  militar  de  Leningrado.  Mas  a  resistência  com  a  qual se  chocam  as  imobiliza.  A  Finlândia  tem, apenas,  pequeno  exército  permanente  de  3  divisões,  33.000  homens,  60  tanques  velhos,  150  aviões  desaparelhados.  A mobilização  espontânea  de  todo  um  povo  decuplica  esses  fracos  meios.  Mais  de  300.000  homens  reúnem  as  bandeiras, constituem  7  novas  divisões  e  8  brigadas  autônomas,  às  quais    falta  armas  iguais  à  coragem.  No  istmo  da  Carélia,  40  km de  terreno  glaciário,  entre  o  golfo  da  Finlândia  e  o  lago  Ladoga,  aquilo  que  pomposamente  se  chama  Linha  Mannerheim  - uma  simples  cadeia  de  obras  de  campanha,  blockhaus  e  abrigos  sob  troncos  de  árvores  -  resiste  a  todos  os  assaltos.  Os russos    empenham  seus  tanques,  mas  os  defensores  descobrem  o  defeito  de  sua  couraça,  uma  placa  de  blindagem  que  o motor,  muito  exigido,  torna  incandescente.  Para  incendiá-los,  valem-se  de  garrafas  de  gasolina.  Ao  fim  de  uma  semana,  a ofensiva  é  suspensa  e  o  nome  da  Finlândia  ressoa  no  mundo  com  um  fragor  de  epopéia.

Mas  a  Rússia  corrige  seus  dispositivos  militares,  confia  a  direção  da  guerra  ao  Marechal  Timoshenko,  manda  vir  da Ucrânia  e  do  Cáucaso  tropas  de  elite.  Uma  vez  que  a  Linha  Mannerheim  resiste,  será  pela  frente  oriental  da  Finlândia,  pelos 1600  km  do  lado  Ladoga,  no  Oceano  Ártico  que  o  Exército  Vermelho  manobrará,  usando  sua  superioridade  em  material  e efetivos.

Apenas  pela  via  de  Murmansk,  3  exércitos  -  o  8°,  o    e  o  14°  -  são  encaminhados  ao  Norte.  A  neve  chegou,  o transporte  arrasta-se,  muitos  soldados  morrem  de  frio,  nos  vagões  -  e,  no  entanto,  o  estabelecimento  se  efetua relativamente  depressa.  Uma  vez  mais,  o  plano  é  simples.  Dez  caminhos  atravessam  a  profunda  floresta  finlandesa: emprega-se,  em  cada  um  deles,  uma  divisão,  uma  pesada  divisão  russa,  equipada  com  artilharia  e  tanques.  Todas  deverão marchar  para  oeste,  tomarão  pela  retaguarda  essa  dura  Linha  Mannerheim,  diante  da  qual  outro  exército,  o  7°,  marca passo.

No  dia  17  de  dezembro,  acreditou-se  que  a  manobra  russa  ia  ter  êxito.  Uma  das  colunas  atinge  Kursu,  na  estrada  de Kemijarvi,  a  150  km  do  golfo  de  Bótnia.  Outra  atinge  Suomossalmi,  chave  do  setor  central.  Outras  avançam  na  região  do lago  Ladoga.  O  Estado-Maior  finlandês  empreende  a  evacuação  da  Lapônia  e  leva  a  defesa  a  uma  linha  que  vai  de  Ulu (Uleaborg)  a  Viipuri  (Viborg).  A  hora  final  da  resistência  finlandesa  parece  próxima.

A  reviravolta  na  situação  é  dramática.  Distendidas  pelos  maus  caminhos  da  floresta,  as  colunas  soviéticas  são bloqueadas  de  frente,  enquanto  elementos  móveis  as  assediam  pelos  flancos.  A  neve  profunda,  as  altas  arvores,  os barrancos  de  arestas  vivas  que  cortam  as  florestas  neutralizam  os  tanques.  Calçados  de  esquis,  vestidos  de  branco, vivendo  de  leite,  os  finlandeses  cortam  em  pedaços  a  procissão  de  tanques  que  o  comando  soviético  aventura  sobre  seu solo.

Na  estrada  de  Suomossalmi,  a  163ª  Divisão  de  Infantaria  é  totalmente  destruída.  Enviada  em  seu  socorro,  a  44ª Divisão,  uma  das  melhores  do  Exército  vermelho,  tem  a  mesma  sorte.  As  unidades  do    Exército,  que  tentam  contornar  o lago  Ladoga,  são  cortadas  pela  retaguarda  e  aniquilada  por  partes.  Os  russos  fixam-se  nas  clareiras,  dispõe  seus  tanques em  círculo,  como  carroças  dos  povos  bárbaros,  e  morrem  de  frio  e  fome.  Os  finlandeses,  em  bloco,  não  farão  mais  do  que 2.000  prisioneiros,  mas  recolhem  sobreviventes,  uns  após  outros,  quando  a  fraqueza  lhes  faz  cair  as  armas  das  mãos.

O  mais  importante  butim  é  a  correspondência:  milhares  de  cartas  recolhidas  dos  prisioneiros  e  dos  mortos.  Quase todas  vêm  de  famílias  camponesas.  Descrevem  incríveis  condições  de  vida.  Duas  em  três  falam  da  vaca,  da  vaca  que  já não  podem  alimentar  ou  da  que  não  podem  vender,  porque  não  têm  com  que  se  alimentar.  O  imenso  desespero  russo  vem expressar-se  nesse  campo  de  batalha  estrangeiro,  onde  os  filhos  da  terra  russa  preferem  a  mais  horrível  das  mortes  à rendição.

É  grande  a  admiração  no  mundo  inteiro. Mas  é  menor  a  pressa  em  ajudar  a  Finlândia.  Esperava-se  que  a  solidariedade escandinava  provocaria  a  intervenção  da  Suécia.  Esta    dinheiro,  armas,  deixa  que  se  organize  um  corpo  de  voluntários, mas  recusa  sair  da  santa  neutralidade.  A  Dinamarca  fornece  800  voluntários,  e  a  Noruega,  200  -  duas  vezes  menos  que  a Hungria.  A  solidariedade  escandinava  é  uma  palavra  vã.  Os  únicos  que  realmente  poderiam  ajudar  a  Finlândia  são  os beligerantes.  Muitos  alemães  vibram  de  vontade  de  fazê-lo,  mas  a  aliança  germano-soviética  é,  ainda,  por  demais indispensável  a  Hitler.  A  França  e  a  Inglaterra  têm  as  mãos  mais  livres.  Sentiram  violentamente  a  traição  de  Stalin. Acreditaram  que  a  Alemanha  escape  aos  efeitos  de  seu  bloqueio,  graças  às  reservas  de  matérias  primas  russas.  Ajudar  a Finlândia  é  enfraquecer  a  URSS,  é  solapar  Hitler,  portanto.

Uma  consideração  de  ordem  estratégica  reforça  as  simpatias  ocidentais  pelos  heróicos  combatentes  do  círculo  polar:  a ajuda  à  Finlândia  pode  fornecer  aos  Aliados  um  pretexto  para  se  estabelecerem  na  Escandinávia.  Ocupar  a  Suécia  seria privar  a  Alemanha  de  um  minério  de  ferro  insubstituível.  No  dia  12  de  dezembro,  Churchill  redige  um  de  seus  50 memorandos,  através  dos  quais  se  esforça  para  esporear  a  coligação.  Pronuncia-se  por  um  desembarque  na  Noruega, mesmo,  se  preciso,  contra  o  Direito  Internacional.  “A  humanidade  e  não  a  legalidade  deve  ser  nosso  juiz”  -  conclui.

Mas  as  idéias  amadurecem  lentamente,  no  glacial  inverno  de  1939/1940.  Tudo  quanto  a  França  e  a  Inglaterra  podem fazer  de  positivo  pela  Finlândia  é  enviar-lhes  armas.  Um  aglomerado  de  armas.  A  frança  tira  de  suas  lojas  de  antigüidades 5.000  fuzis  metralhadoras,  modelo  1915,  detentores  de  recorde  de  acidentes  de  tiro,  e  seu  material  de  artilharia,  sistema  De Bange,    aposentado  em  1914.  A  marinha  envia  uma  dúzia  de  velhos  305,  restos  da  esquadra  Rangel,  que  enferrujava  no cais  de  Bizerta,  desde  1920.  Alguns  morteiros  Brandt,  uns  25  antitanques,  alguns  fuzis-metralhadoras  modelo  24,  alguns aviões,  entregues  pela  Inglaterra,  não  chegam  a  compensar  a  impressão  desastrosa,  produzida  na  Finlândia,  pela  chegada desta  revoada  de  rouxinóis.

Nos  estados-maiores  nascem  projetos  grandiosos.  A  Alemanha    se  conserva  de    porque  se  apoia  na  Rússia;  o conflito  da  Finlândia  demonstra  a  debilidade  da  Rússia.  A  condução  geral  da  guerra  é  deduzida  dessas  duas  proposições: que  se  derrote  a  Rússia,  e  a  Alemanha  cairá!

Doumenc,  o  novo  chefe  do  Estado-Maior  do  Exército  francês,  prescreve  o  estudo  de  todas  as  possibilidades correspondentes.  Pensa-se  em  bombardear  Baku,  para  estancar  o  petróleo  russo;  organizar  a  insurreição  dos  povos  do Cáucaso,  atacar  Murmansk,  desembarcar  -  em  pleno  inverno  -  uma  a  duas  brigadas  de  caçadores  alpinos.  Todas  estas ridicularias  são  escritas,  preto  no  branco,  e  dão  lugar  a  documentos  militares  conscienciosos  e  quiméricos,  napoleônicos  e infantis.

Mais  técnicas,  talvez  mais  sérias,  são  as  tentativas  de  avaliação  do  Exército  vermelho  à  luz  dos  combates  dos blindados.  Em  razão  de  suas  repercussões  no  futuro,    se  citarão  as  conclusões  do  estudo  estabelecido  pelo  OKW (Oberkommando  der  Wehrmacht  -  Alto  Comando  das  Forças  Armadas),  para  a  documentação  particular  do  Fuhrer:  “Em quantidade:  instrumento  militar  gigantesco.  Organização,  equipamento  e  meios  de  comando:  medíocres.  Princípio  de comando:  bom.  O  próprio  comando:  muito  jovem  e  inexperiente.  Ligações  e  transmissões:  más.  Sistema  de  transporte: mau.  Tropas:  desiguais  e  desprovidas  de  iniciativa.  Soldados:  bom  estado  de  espírito,  contentam-se  com  muito  pouco. Qualidades  combativas  das  tropas:  duvidosa.  Em  suma:  a  nação  russa  não  é  um  adversário  para  um  exército  equipado  de maneira  moderna  e  superiormente  comandado”.

Data  do  documento:  31  de  dezembro  de  1939.  O  ano  dos  desconcertantes  prelúdios  termina:  sobe  o  pano  para  o  ano das  surpresas  retumbantes.

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