segunda-feira, 24 de julho de 2023

Segunda Guerra Mundial - 1939 A Campanha da Polônia

 

Setembro  de  1939
A  Polônia  Destruída

Tópicos  do  capítulo:

- Plano  Branco,  hora  H:  1 o  de  setembro,  4:45  horas

- Lance  teatral,  o  28  de  agosto:  o  pacto  germano-soviético

- Chamberlain  interpõe  a  Inglaterra

- A  25  de  agosto,  Hitler  ainda  hesita

- Para  a  Polônia,  a  guerra  chegou  a  1 o  de  setembro

- Renascimento  da  Wehrmacht

- Hitler  destrói  Von  Blomberg,  Von  Fritsch  e  Leck

- A  conspiração  dos  generais

- Desacordo  entre  Paris  e  Londres  -  os  dois  ultimatos  aliados A  opinião  de  Goering

- 7  de  setembro:  A  França  ataca

- Desmoronamento  da  resistência  polonesa

- 17  de  setembro:  Moscou  intervém

- Balanço  de  19  dias  de  campanha

Prelúdio:

Escoam-se  as  últimas  horas  de  agosto  de  1939.  Dos  Cárpatos  ao  Báltico,  a  noite  está  fria.  As  previsões  do tempo  são  excelentes.  A  bruma  formada  nas  planuras  se  dissipará  ao  nascer  do  sol.  O  dia  será  calmo,  com sol,  propício  à  aviação.

Endurecido  pelo  verão  o  terreno  é  também  propício  aos  tanques.  Muitos  rios  secaram  e  os  grandes  -  o Narew,  o  Bug  e  o  Vístula  -  são  vadeáveis  em  quase  toda  a  sua  extensão.  Tudo  combina  para  dar  as  melhores condições  possíveis  à  experiência  de  novos  métodos  de  combate  da  Wehrmacht.

O  conjunto  das  operações  é  chamado  de  Plano  Branco  (Fall  Weiss).  A  ordem  de  ação  somente  chega  aos  QG dos  grupos  de  exércitos  às  17  horas.  O  ponto  de  partida  da  guerra,  a  hora  H  do  destino  da  Alemanha  e  do mundo,  é  à  1 o  de  setembro,  às  4:45h  da  manhã.  De  imediato  toda  a  rede  de  transmissões  se  movimenta,  para divulgar  até  aos  regimentos  de  infantaria,  dispostos  ao  longo  da  fronteira  polonesa,  a  decisão  de  Adolf  Hitler. O  prazo  é  tão  curto  que  certas  unidades  não  são  avisadas  a  tempo  e    entrarão  em  combate  ao  ouvirem  o troar  dos  canhões.

No  entanto,  tendo  sido  lançada  a  ordem,  certos  chefes  estão  prontos  a  lançar  a  contra-ordem.  É  o  caso  do Coronel-General  Gert  von  Rundstedt,  comandante  do  Grupo  de  Exércitos  Sul,  e  do  chefe  de  seu  estado  maior (EM),  o  Tenente-General  Erich  von  Manstein.  Acreditam  na  repetição  do  que  se  passou  seis  dias  antes.  A  25 de  agosto,  às  15:25h  -  3  horas  depois  de  Rundstedt  ter  assumido  o  comando  -  chega  a  seu  QG,  instalado  em uma  aldeia  às  margens  do  Neisse,  a  ordem  de  romper  as  hostilidades  no  dia  seguinte,  às  4:30  da  manhã.  Às 20:30h,  no  momento  em  que  comiam,  foi-lhes  entregue  nova  mensagem:  o  Fuhrer  e  comandante-chefe anulava  a  ordem  de  ataque  e  mandava  deter  as  tropas!  Três  exércitos    estavam  em  marcha  e  foi  preciso, literalmente  segurá-los  pela  gola.

Até  meia  noite,  dois  generais  esperam  -  todas  as  disposições  tomadas  para  deter  a  avalanche  -,  ainda acreditando  numa  intimidação,  num  blefe.  À  meia  noite,  Rundstedt  se  levanta.  “Agora  -  diz  ele  -  é  tarde demais.  Acho  que  poderemos  repousar  por  uma  ou  duas  horas”.

“Quero  evitar  a  intervenção  dos  Ingleses”.  (Hitler)

Essa  espera  de  uma  semana  concedido  à  paz  agonizante,  correspondeu  a  uma  última  tentativa  de  Hitler  para impedir  o  conflito.  A  25  de  agosto,  pela  manhã,  o  telefone  tocou,  no  gabinete  de  Goering.  Ele  ouvira  a  voz de  Hitler:  “Paro  tudo”.  -  “Ah!  (suspiro  de  alívio)  Sério?”-  “Não,  quero  ver  se    um  meio  de  evitar  a intervenção  dos  ingleses.

A  querela  de  Dantzig  e  do  Corredor  ameaçava  desencadear  o  que  Hitler  ainda  não  desejava:  uma  guerra mundial.  Ele  fazia  um  último  esforço  para  que  a  luta  apenas  ficasse  entre  ele  e  a  Polônia.

A  execução  militar  da  Polônia  fora  anunciada  por  Hitler  aos  comandantes  de  seus  exércitos  no  dia  23  de maio.  “Não  contem  com  uma  reedição  do  caso  checo.  Desta  vez  senhores,  terão  a  guerra...”  Esta  deveria começar  antes  do  fim  de  agosto,  depois  das  colheitas,  para  que  pudesse  acabar  antes  das  chuvas  de  outono  e da  estação  da  lama.  “Se  o  General  von  Brauchitsch  me  tivesse  dito  que  tinha  em  vista  uma  guerra  longa,  eu não  teria  marchado.  Mas  ele  me  prometeu  conquistar  a  Polônia  em  algumas  semanas”.  A  França  e  Inglaterra não  interviriam.  “Já  fiz  o  julgamento  de  seus  dirigentes,  em  Munique:  Daladier,  Chamberlain...que  vermes!”. A  União  Soviética,  ao  contrário,  tinha  em  Stalin,  um  chefe  no  qual  Hitler  reconhecia  quase  um  igual.  Mas  o Exército  Vermelho  estava  enfraquecido  pelos  expurgos  militares  que  acabavam  de  eliminar  a  maior  parte  de seus  generais.  “Aliás,  não  é  impossível  que  a  Rússia  seja  levada  a  se  desinteressar  da  destruição  do  Estado polonês...”  Esta  última  frase,  consignada  nos  autos  do  processo  do  Tenente-Coronel  Schmundt,  ajudante  de campo  de  Hitler,  contém  o  germe  da  aliança  hitlerista-soviética,  o  lance  teatral  de  23  de  agosto.

O  preâmbulo  da  reaproximação  foi  o  envio,  a  Moscou  de  uma  missão  alemã,  encarregada  de  negociar  um tratado  comercial.  Simultaneamente,  a  França  e  a  Inglaterra  iniciavam,  na  capital  russa,  negociações  tendo em  vista  estabelecer  uma  cooperação  militar  contra  o  Terceiro  Reich.  As  duas  negociações  prosseguiram lado  alado,  uma  discreta  e  fluida,  outra  cheia  de  crises.  Franco-britânicos  e  russos  atingiram  penosamente,  no dia  25  de  julho,  o  princípio  de  um  acordo  político;  em  seguida,  chegou  a  Moscou  uma  delegação  militar, chefiada  pelo  General  Doumenc  e  pelo  Almirante  Planket.  Essa  delegação  deparou-se  com  um  obstáculo intransponível;  a  URSS  e  a  Alemanha  não  tinham  fronteiras  comuns  e  os  poloneses  recusavam-se obstinadamente  a  oferecer  ao  Exercito  Vermelho  um  pedaço  de  sua  pátria  para  campo  de  batalha.  Foram  vãs todas  as  pressões  exercidas  em  Varsóvia.

E,  então,  um  telegrama  de  Hitler  chegou  a  Moscou:  o  Fuhrer  dos  alemães  pedia  a  Stalin  que  recebesse,  sem demora,  seu  Ministro  das  Relações  Exteriores,  Joachim  von  Ribbentrop.

A  notícia  da  viagem  estarreceu  as  capitais  ocidentais,  no  decorrer  da  noite  de  22  para  23  de  agosto.  Os poucos  telegramas  diplomáticos  que  assinalavam  a  possibilidade  de  uma  aproximação  entre  o  nazismo  e  o comunismo  foram  tachados  de  inverossímeis.  Todos  aqueles  que,  nas  redações  ou  nas  chancelarias  tiveram nas  mãos  o  teletipo  soltaram  a  mesma  exclamação  de  incredulidade.  Despertado  por  seu  Ministro  das Relações  Exteriores,  o  presidente  do  Conselho  francês,  Edouard  Daladier,  respondeu,  sonolento:  “Verifique se  não  é  um  boato  de  jornalistas”.  A  partir  do  dia  seguinte,  comunicados  triunfais  em  Berlim  e  de  Moscou anunciaram  que  um  pacto  de  não-agressão  fora  assinado  entre  a  URSS  e  o  Reich  alemão.  A  delegação  militar franco-britânica  não  tinha  mais  nada  a  fazer  do  que  voltar  para  casa.

Na  Inglaterra,  a  frustração  foi  amarga.  Na  França,  uma  imensa  confusão.  Mas,  na  Alemanha,  foi  um  alívio. Muitos  que  ainda  duvidavam  do  gênio  de  Hitler    não  tinham  mais  dúvidas.  Certos  alemães  acreditavam  que não  mais  haveria  guerra,  de  vez  que  a  espada  soviética  faltava  às  democracias  ocidentais.  Outros  achavam que  a  guerra  poderia  acontecer,  porque  se  dissipara  o  pesadelo  das  duas  frentes.  A  frágil  Polônia  seria rapidamente  posta  de  lado  e  a  Alemanha  se  voltaria,  com  tudo,  para  o  Oeste.

Em  Moscou,  tudo  se  passara  às  mil  maravilhas.  O  mau  negociador  que  era  Ribbentrop  não  tivera  que  desatar nenhum  nó.  Stalin  aceitara,  imediatamente,  que  o  pacto  público  de  não-agressão  fosse  apenas  um  véu lançado  sobre  o  pacto  real:  a  quarta  partilha  da  Polônia.  Firmou-se  acordo  sem  dificuldades,  sobre  a  fronteira comum:  o  Narew,  o  Vístula  e  o  San.  Estendera  a  partilha  até  os  países  bálticos,  reservando-se  a  Lituânia  para a  Alemanha  e  concedendo-se  à  Rússia  a  Letônia,  a  Estônia  ,  a  Finlândia,  e,  depois  a  Bessarábia,  que  a Romênia  deveria  entregar.  Claro  que  o  preço  parecia  elevado.  A  barreira  de  Estados-tampões,  erguida  em torno  do  bolchevismo,  pelos  tratados  de  1919,  fora  derrubada.  O  germanismo  seria  extirpado  de  seus  velhos postos  de  vanguarda,  em  Courlande  e  na  Livônia.  Isso  era  pesado,  mas,  ao  mesmo  tempo,  insignificante,  por ser  provisório.  O  contrato  estava  maculado  por  mútua  má-fé.  Stalin  o  assinava  pelo  proveito  imediato  que punha  em  caixa  e  pelo  tempo  que  ganharia.  Hitler  o  assinava  com  a  intenção  de  rasgá-lo.  Seu  objetivo  -  dizia ele  a  seus  íntimos  -  não  era  retomar  Dantzig  e  apagar  o  Corredor;  nem  mesmo  destruir  o  Estado  polonês:  era conquistar  as  planícies  russas,  para  assegurar  o  futuro  do  povo  alemão.  Os  sacrifícios  em  que  se  consentia eram  momentâneos,  portanto,  fictícios.

Entretanto,  o  dia  seguinte  a  esse  triunfo  diplomático  levou  a  Hitler  cólera,  surpresa  e  decepção.  A  cólera  era motivada  pela  Itália.  Em  maio,  esta  havia  assinado,  com  a  Alemanha,  uma  pomposa  aliança  militar,  a  que  os serviços  de  propaganda  denominaram  “Pacto  de  Aço”.  Mas  o  aço  se  destemperava,  desde  a  primeira  prova. Ciano  e  Mussolini  haviam  descoberto,  que  a  guerra  estava  iminente.  Suplicaram  a  Hitler  que  a  adiasse, pretextando  pouca  preparação  de  seu  país  e  até  invocando  a  Exposição  Universal  que  deveria  realizar-se  em Roma,  em  1940  -  e  para  a  qual  tinham  gasto  muito  dinheiro.  O  triunfo  diplomático  em  Moscou  não  os tranqüilizava.  Algumas  horas  depois  do  regresso  de  Ribbentrop,  Hitler,  sem  revelar  qualquer  emoção,  ouviu o  Embaixador  Attolico  ler  uma  carta  constrangida,  de  Mussolini,  comunicando-lhe  sua  intenção  de  adotar uma  atitude  de  não-beligerância.  Quando  este  se  retirou,  Hitler  explodiu:  “Italianos  indignos  de  confiança, covardes  e  fracos,  eternos  traidores!...”.  O  comunicado  oficial,  no  entanto,  declarou  que  a  não-beligerância não  representava  neutralidade,  que  a  atitude  da  Itália  fora  aprovada  pelo  Fuhrer  e  que  o  Pacto  de  Aço  estava mais  sólido  do  que  nunca.

A  surpresa  e  a  decepção,  para  Hitler,  vinham  de  Londres.  Em  paris,  onde  o  pacto  germano-soviético  destruía a  coragem,  entendia-se  que  a  Polônia,  daí  em  diante,  não  poderia  salvar-se  e  que  uma  guerra  para  defendê-la não  teria  sentido.  Em  Londres,  porém,  não  houve  tal  compreensão.  A  reação  do  Gabinete  fora  um comunicado  seco,  declarando  que  o  acontecimento  de  Moscou  de  maneira  alguma  afetava  as  obrigações  da Inglaterra  e  que  esta  estava  decidida  a  cumpri-las.  Algumas  horas  depois,  o  governo  britânico  especificou  e reforçou  esses  compromissos.  A  garantia  de  ordem  geral,  dada,  em  maio,  ao  governo  polonês,  transformava- se,  naquele  mesmo  dia,  em  tratado  de  assistência  mútua.  Cada  parte  contratante  se  comprometia  a  dar  à  outra toda  assistência  possível,  no  caso  em  que  se  julgasse  necessário  repelir  pelas  armas  qualquer  ataque,  direto ou  indireto,  à  soberania  de  um  deles.  Jamais  os  ingleses  se  haviam  comprometido  de  maneira  tão  categórica. Jamais  haviam  concedido  qualquer  coisa  que  se  parecesse  tanto  com  uma  carta-branca.  Estranhos  ingleses! No  ano  anterior,  em  Berchtesgaden,  em  Bad  Godesberg,  em  Munique,  Chamberlain,  dera  a  impressão,  ao poderoso  Fuhrer,  de  um  velho  desvairado.  E  eis  que,  sem  uma  frase  inútil,  sem  um  único  soluço,  esse  mesmo Chamberlain  interpunha  todo  o  poderio  britânico  entre  uma  Polônia  condenada  e  uma  Alemanha  em  armas! Seria  um  blefe?  Seria  uma  resolução  desesperada?  Era  preciso  ver.

E  foi  para  ver  que  Adolf  Hitler  decidiu  suspender  o  ataque,  a  25  de  agosto,  horas  antes  do  instante  fatal.  Mas os  dias  desse  prazo    foram  preenchidos  por  negociações  confusas.  O  ardil  de  Hitler  esbarrara  na  legítima desconfiança  inglesa.  Os  ingleses,  no  ano  anterior,  haviam  acreditado  no  acordo  de  Munique.  Rasgando-o, seis  meses  depois  ao  anexar  a  totalidade  de  uma  Tchecoslováquia  da  qual  havia  prometido  respeitar  os destroços.  Hitler  brincara  com  a  sua  boa-fé,  destruíra  suas  ilusões.  Agora  era  em  vão  que  jurava  que  Dantzig e  o  Corredor  constituíam  as  sua  últimas  reivindicações.

Quando  anoiteceu  no  dia  31  de  agosto,  ainda  subsistia  um  vestígio  de  negociação.  Hitler  admitira  receber  um plenipotenciário  polonês  e  Mussolini  lançara  a  idéia  de  uma  conferencia  internacional,  para  pôr  em  ordem  os casos  europeus  em  litígio.  Naquela  noite,  a  Europa  dormiu  melhor  do  que  nas  noites  anteriores,  convicta  de que  o  ponto  mais  crítico  da  crise  estava  superado,  de  que  mais  uma  vez  a  paz  não  morreria.

Mas  quando  o  sol  de    de  setembro  apareceu,  os  carros  blindados  nazistas  transpuseram  a  fronteira  e  as bombas  alemães  caíram  sobre  as  cidades  polonesas.  Uma  vez  mais,  Hitler  mentira:  suas  disposições conciliadoras  de  última  hora  tinham  sido  uma  farsa  de  narcotizador.  A  ordem  de  atacar  a  Polônia  fora repetida,  na  véspera.  O  esplêndido  incidente  de  fronteira,  fabricado  por  Himmler  -  o  ataque  à  emissora  de Gleiwitz,  por  presidiários,  vestidos  com  falsos  uniformes  poloneses  -  estava  em  processo  de  execução.  Ao comandante  militar  local,  o  Tenente-Coronel  Steinmetz,  que  se  opunha  àquela  felonia,  fizeram  calar  com um:  “Fuhrerbefehl”-  uma  ordem  do  Fuhrer.  Agora  a  rádio  alemã  clama  que  o  território  alemão  fora  violado, que  a  minoria  alemã  da  Polônia  está  sendo  massacrada  e  que  o  Exército  alemão  é  contrário  à  intervenção. Não  se  trata  de  declarar  guerra:  trata-se  de  uma  expedição  punitiva.

Os  dados  são  jogados.  Mas  Hitler  os  lança  antes  de  ter  podido  responder  à  pergunta  que  motivou  o adiamento  do  25  de  agosto:  a  coragem  da  Inglaterra  será  um  blefe?

Os  poloneses  pensam  que  tomarão  Berlim:

As  bombas  que  despertam  a  Polônia,  na  alvorada  de    de  setembro,  não  a  surpreendem:  ela  esperava  a guerra:  a  guerra  chegou.

Limitava-se  a  Polônia  a  esperar  a  guerra?  Uma  onda  de  fanatismo  patriótico  levantava  o  país.  Por  toda  parte, encontrava-se  pessoas  do  povo  a  dizer  que  tinham  medo  de  que  seus  políticos  deixassem  passar  a  ocasião  de dar  uma  lição  aos  alemães.  Uma  vez  que  Hitler  quer  o  desaparecimento  do  Corredor,  a  Polônia  o  suprimiria  à sua  maneira:  retomando  a  Prússia  Oriental,  onde  a  dominação  germânica  foi  sempre  uma  usurpação.  Berlim está  a  100  km  da  fronteira:  será  em  Berlim  que  se  decidirá  a  querela  e  que  se  assinará  a  paz.

Os  homens  de  responsabilidade  rivalizam,  em  inconsciência,  com  os  patriotas  antolhados.  No  dia  15  de agosto,  o  embaixador  polonês  em  Paris,  Lukasievicz  visitou  o  Ministro  das  Relações  Exteriores,  Georges Bonnet,  e  este  o  informou  sobre  um  propósito,  confessado  por  Hitler  ao  alto-comissário  da  Sociedade  das Nações  (SDN)  em  Dantzig,  Karls  Buckhardt:  “Conquistarei  a  Polônia,  em  três  semanas,  com  meu  exercito mecanizado”.  Lukasievicz  deu  de  ombros:  “Absurdo!  Seremos  nós  que  invadiremos  a  Alemanha,  desde  que comecem  as  hostilidades”.  Vivendo  em  Berlim,  no  espetáculo  cotidiano  da  força  alemã,  o  Embaixador Lipski  garante  que  uma  guerra  provocará  uma  revolução  na  Alemanha  e  que  o  exército  polonês  entrará triunfalmente  em  Berlim.

Apenas  20  anos  são  passados  sobre  a  ressurreição  da  Polônia.  Se  houvesse  prevalecido  a  sabedoria  inglesa,  o Estado  renascido  das  cinzas  da  História  teria  sido  confinado  em  seus  limites  geográficos  e  provido,  em Dantzig,  de  simples  direitos  portuários.  O  ardor  francês  e  o  romantismo  associado  à  causa  polonesa impulsionaram  essa  atitude  razoável,  encheram  a  Polônia  de  minorias  nacionais,  estenderam-nas  sobre  a Rússia  Branca  e  sobre  a  Ucrânia,  abriram,  como  uma  brecha  através  da  Alemanha,  o  acesso  ao  mar  artificial, que  tomou  o  nome  de  Corredor.  A  tese  dos  polonófilos  era  a  de  que  eles  construíram,  nas  costas  da Germânia,  uma  grande  potência  eslava,  tomando  à  Rússia  bolchevista  seu  papel  de  aliada  da  França.  Mas apenas  alimentavam  uma  ilusão.

O  aliado  saciado  revelou-se  um  aliado  ingrato.  A  decadência  francesa  foi  tema  em  Varsóvia  -  como  era  tema em  Roma  e  Berlim.  Fortalecida  por  33  milhões  de  habitantes,  dos  quais  um  terço  de  poloneses  à  força,  a Polônia  se  colocou,  em  relação  à  França,  como  Estado  sucessor.  Recusou  associar-se  ao  sistema  de  alianças que,  sob  o  nome  de  Petite  Entente,  a  diplomacia  havia  constituído  na  Europa  Central.  Levantou  pretensões sobre  o  domínio  colonial  francês,  reclamou  Madagáscar,  fazendo  valer  a  tese  de  que  as  nações  jovens  e prolíficas  tinham  direito  a  uma  nova  partilha  do  mundo.  Orgulhosa,  ressentia-se  furiosamente  de  tudo  quanto a  fazia  ser  considerada  um  satélite  da  França,  inclusive  a  glória  dada  ao  General  Weygand  de  a  haver  salvo da  reconquista  russa,  em  1920.

Multiplicaram-se  em  Varsóvia  as  manifestações  anti-francesas.  Teoricamente,  a  aliança  franco-polonesa subsistia.  Mas  a  verdade  é  que,  até  Munique  e  depois  de  Munique,  as  relações  das  duas  aliadas  chegaram  a formas  características  de  antipatia.

  o  inverso  acontecia  com  a  Alemanha.  Uma  opressão  aberta  e  manhosa  era  exercida  sobre  as  minorias alemães,  enquanto  a  Alemanha  mantinha,  em  Dantzig,  permanente  conflito.  O  governo  hitlerista  não  deixava de  agradar  ao  governo  polonês  com  concessões  que  este  acolhia  com  convicção  de  que  era  o  reconhecimento de  sua  força.  O  marechal  Goering,  mestre  de  caça  do  Reich,  vinha  com  esplêndido  aparato  caçar  o  alce  na floresta  de  Bialowieza,  e  sempre  declarava  que  a  Alemanha  tinha  necessidade  de  uma  Polônia  forte  e  que não  existia  nenhuma  contenda  séria  entre  os  dois  países.  Joseph  Beck,  protegido  do  herói  nacional  Pilsudski, levava  a  política  da  reaproximação  até  às  última  conseqüências.  Na  crise  de  Munique,  colocou  a  Polônia  ao lado  da  Alemanha,  e  arrancou  à  Tchecoslováquia  um  pedaço  de  carne:  o  pequeno  território  de  Teschen.

Quando  se  tentava  advertir  os  poloneses  de  que  sua  vez  viria  imediatamente  depois  da  dos  tchecos,  eles rebatiam  dizendo:  “Nada  tememos,  pois  somos  temidos”.

A  26  de  janeiro  de  1939,  Varsóvia  embandeirou-se  de  cruzes  gamadas,  em  homenagem  à  Ribbentrop,  que retribuía  a  Beck  a  visita  que  este  fizera  a  Hitler.  Foi  o  último  lampejo  de  uma  amizade  que,  do  lado  alemão, era  um  cálculo  e,  do  lado  polonês,  uma  quimera.  Dois  meses  depois,  o  convidado  Ribbentrop  comunicava  ao embaixador  da  Polônia  que  a  Alemanha  reclamava  a  restituição  de  Dantzig  e  o  estabelecimento  de  uma passagem  extraterritorial  através  do  Corredor.  A  Polônia  rejeitou  essas  exigências.  O  conflito  estava  aberto.

A  aproximação  do  perigo  não  inclinou  os  poloneses  a  uma  apreciação  mais  objetiva  da  força  com  que contava  a  Alemanha  de  Hitler.

Os  estudantes  quebraram  as  vidraças  da  Embaixada  alemã,  gritando:  “A  Berlim”.  Os  militares  exageraram sua  jactância:  “Dão-nos  conselhos  perniciosos”-  dizia  o  Ministro  da  Guerra,  Kasprzicki.  “Não  os  seguiremos. Recomendam-nos  o  fortalecimento,  a  defensiva,  as  manobras  de  retirada,  a  resistência  sobre  as  nossas  linhas de  água.  Não  faremos  nada  disso.  Nosso  gênio  é  a  ofensiva  e  será  tomando  a  ofensiva  que  venceremos”.

A    de  setembro,  começa  a  mobilização.  O  dispositivo  estratégico  é  absurdo.  Querendo  dar  proteção  à totalidade  do  território  nacional,  o  General  Rydz-Smigly  estendeu,  ao  longo  das  fronteiras,  7  divisões, denominadas  exércitos.  Colocou  forças  importantes  na  armadilha  do  Corredor,  ordenado-lhes  conquistar  a Prússia  Oriental,  e  forças  ainda  mais  importantes,  os  exércitos  Kurtrzeba  e  Bortnowski,  na  saliência  de Posem,  plataforma  de  ofensiva  contra  Berlim.  O  Ocidente,  baseando  seus  cálculos  na  população,  avalia  que  a Polônia  dispõe  de  80  divisões;  mas,  na  realidade,  ela    possui  30,  das  quais  apenas  23  são  organizadas  ao começarem  as  hostilidades.  Aliás,  um  maior  número  em  nada  mudaria  a  situação,  a  não  ser  quanto  à importância  das  perdas.  Não  é  pela  insuficiência  de  seus  efetivos,  nem  erradas  disposições  de  seus comandos,  mas  sim  pela  própria  natureza  que  o  Exercito  polonês  está  derrotado,  antes  mesmo  de  ter combatido.

O  armamento  polonês  data  integralmente  da  Primeira  Guerra.  A  força  aérea  somente  conta  com  420 aparelhos,  entre  os  quais  os  únicos  relativamente  modernos  são  uns  poucos  caças  P-24.  Ao  lado  de  37 regimentos  de  uma  cavalaria  anacrônica,  a  força  blindada  se  reduz  a  uma  centena  de  velhos  tanques.  A artilharia  é  inteiramente  hipomóvel.  O  material  de  transmissão,  rudimentar.  O  material  de  DCA  (Defesa Aérea)  mal  existe.  A  ofensiva  está  em  pleno  curso,  mas  os  regulamentos  de  manobras  são  formalistas  e pesados.  Os  homens  estão  sobrecarregados.  As  frotas  de  combate  e  as  frotas  regimentais,  constituídos  por pequenos  carros  rústicos.  Praticamente,  é  um  exercito  sem  motores.  O  que  quer  dizer:  um  exercito  rústico, adaptado  ao  país,  ignorante  dos  problemas  de  abastecimento,  de  circulação,  de  mecânica,  que  trazem  de reboque  a  motorização  dos  transportes  e  a  mecanização  dos  combates...

Blindados,  Stukas  e  generais  conspiradores

À  frente,  o  Exército  de  Hitler...:

Um  exército  nascido  ontem.  Em  1939,  descontadas  algumas  violações  menores,  a  Alemanha  militar  ainda estava  sob  o  regime  do  Tratado  de  Versalhes.  Tinha  100.000  soldados  profissionais,  espalhados  por  10 pequenas  divisões  de  infantaria  e  de  cavalaria,  e  estava  proibida  de  organizar  forças  blindadas,  artilharia pesada,  aviação  e  estado-maior  geral.  O  restabelecimento  de  um  serviço  obrigatório  e  a  constituição  de  um exército  nacional  de  36  divisões    foram  ordenados  por  Hitler  a  11  de  março  de  1935.  O  comandante-chefe, von  Fritsch,  considerando  este  total  de  36  divisões  excessivo  e  provocador,  declarou  que  24  bastavam  à defesa  nacional  alemã.  Mas  Hitler  foi  além.

O  Reichswerh,  durante  seus  15  anos  de  existência,  sofrera  a  nostalgia  dos  tanques.  Durante  as  manobras, representava-os  por  camionetas  “blindadas”  com  telas,  ou  por  silhuetas  que  dois  soldados  conduziam  à maneira  de  palhaços  de  circo  nos  cavalos  de  papelão.  Reprimidos  no  real,  os  espíritos  imaginativos estudavam  teoricamente  o  engenho  proibido.  Compreenderam  que  este  representava  uma  revolução  militar, reconciliante  dos  dois  elementos,  o  poder  e  a  rapidez,  que  a  guerra  de  posições  havia  dissociado. Trabalhando  com  esse  rico  conjunto  de  dados,  o  pensamento  militar  alemão  concebeu  uma  guerra  nova, liberta  das  lutas  de  materiais,  das  longas  e  tristes  matanças  que,  de  1914  a  1918,  haviam  desonrado  a  arte militar.  Grupados  em  grandes  unidades,  operando  a  velocidade  máxima,  dispensados  de  esperar  a  centopéia paralítica  da  infantaria,  os  tanques  penetram,  manobram,  envolvem,  restauram  à  guerra  o  que  ela  pode  ter  de alegre,  de  improvisado  e  de  inteligente.

Em  matéria  de  aviação,  o  pensamento  militar  alemão  era  atraído  pela  doutrina  do  general  italiano  Douhet, que  proclamava  a  superioridade  absoluta  da  aviação  estratégica,  reduzindo  a  guerra  a  bombardeios  de  terror. Longe  de  aceitá-la,  organizou  uma  força  aérea  de  cooperação,  cujos  princípios  de  ação  reúnem  e  completam a  revolução  dos  blindados.  Admitia-se  -  os  franceses  ainda  o  admitem  -  que  os  tanques    podiam  ser  usados sob  a  proteção  da  artilharia,  cujo  alcance  definia  seu  raio  de  ação.  O  pensamento  militar  alemão  reformulou  o problema,  substituindo  o  canhão  pelo  avião.  Os  bombardeiros  de  mergulho  Sturzkampfflugzeuge,  ou  Stukas, podiam  atirar  seus  projéteis  sobre  o  objetivo  com  precisão  superior  à  de  um  morteiro.  Nessas  condições,  a guerra  muda  de  ritmo  e  de  profundeza.  À  cavalaria  blindada,  que  são  as  grandes  unidades  de  tanques,  junta- se  a  artilharia  volante,  que  é  a  aviação.  Tais  inovações  não  foram  admitidas  sem  certa  resistência  por  um corpo  de  generais  cuja  experiência  militar  fora  adquirida  nos  campos  de  batalha  imóveis  e  nos  estados maiores  do  conflito  precedente.  A  seus  olhos,  a  infantaria  permanecia  como  arma  principal,  a  cujo  proveito todas  as  outras  são  empregadas,  segundo  a  fórmula  comum  aos  regulamentos  de  manobra  de  todos  os exércitos.  O  tanque  era  um  dos  servos  do  infante.  Acompanhava-o,  abria-lhes  caminho,  protegia-o  com  sua blindagem,  e,  protegido  ele  próprio  pela  artilharia,  levava-o  para  frente.  Que  se  pretendesse  reduzir  a infantaria  ao  papel  de  simples  acompanhante,  limitada  a  recolher  prisioneiros,  eis  a  idéia  audaciosa  que causou  pasmo,  no  Exército  alemão.  Chefes  militares  excelentes,  como  Beck  ou  Halder,  opuseram-se  a  isso, por  muito  tempo,  com  todas  as  forças.

O  árbitro  foi  Hitler.  Vastas  discussões  se  travariam  depois  da  guerra,  sobre  sua  capacidade  militar,  uns  o elevando  até  o  gênio  dos  grandes  capitães  da  História,  outros  rebaixando-o  a  um  amador.  Tanto  quanto possível,  convém  deixar  que  os  fatos  falem.  No  decorrer  desta  narrativa,  veremos  Hitler  prestando  contas  dos problemas  da  guerra,  ora  autor  de  vitórias  magistrais,  ora  artífice  de  reveses  terríveis.  O  que  não  se  pode contestar  é  a  dedicação  com  a  qual  se  tinha  iniciado  na  arte  militar,  sob  seus  mais  vários  aspectos.  Estudara todos  os  clássicos  da  estratégia  e  todos  os  grandes  capitães  do  passado.  Conhecia,  em  detalhes,  todo  o material  em  serviço,  e  todos  os  exércitos.  Seguia,  aplicadamente,  a  evolução  das  doutrinas.  Na  querela  entre os  clássicos  e  os  modernos,  tomou  o  partido  dos  modernos.  O  exército  rápido  que  Guderian  e  seus  discípulos queriam  organizar  correspondia  à  sua  impaciência  de  homem  obcecado  diante  dos  poucos  anos  que  dispunha para  realizar  seus  grandes  desígnios.  Trabalhou,  com  toda  força  de  sua  paixão,  para  impor  a  sua  opinião  aos discordantes.

Até  1938,  à  frente  das  três  armas  alemães,  estavam  o  Ministro  da  Guerra,  Werner  von  Blomberg,  o comandante  chefe  do  Exército,  Werner  von  Fritsch,  e  o  chefe  do  Estado  Maior,  Ludwig  Beck  -  todos partidários  do  equilíbrio  das  armas,  de  uma  estratégia  defensiva-ofensiva  e  de  uma  política  externa  prudente. Hitler  esmagou  os  dois  primeiros  em  retumbantes  processos  morais.  O  terceiro,  o  monge-soldado  Beck, tentou  atravessar-se  à  torrente  hitlerista,  fazendo  valer  a  responsabilidade  do  estado-maior,  diante  da  nação: esmagado,  por  sua  vez,  concluiu  que  não  havia  outro  recurso  senão  derrubar  Hitler,  pela  força.  E  começou  a conspirar,  imediatamente.  Hitler  não  estava  suficientemente  desembaraçado  do  único  general  bastante corajoso  para  desafiá-lo.  Tendo  arrancado  de  todos  os  soldados  um  juramento  de  fidelidade  à  sua  pessoa, construiu,  sem  oposição,  o  organismo  que  tantas  vezes  será  citado:  o  Oberkommando  der  Wehrmacht,  ou OKW,  que  reunia,  sob  autoridade  direta  do  Fuhrer-Chanceler,  O  Exército,  a  Marinha,  a  Aviação,  as indústrias  de  armas,  a  propaganda,  etc  -  em  suma,  tudo  quanto  constitui  a  capacidade  militar  de  uma  nação. As  conseqüências  dessa  extrema  concentração  de  comando  seriam  múltiplas,  profundas  e  acarretariam imensas  vantagens  e  graves  inconvenientes.  Mas  a  causa  da  guerra  revolucionária  foi  definitivamente  ganha, quando  Hitler  se  constituiu  comandante-chefe.

No  momento  em  que  começou  a  campanha  da  Polônia,  eram  6  as  divisões  blindadas.  As  5  mais  antigas, numeradas  de  1  a  5;  a  mais  recente  levava  o  numero  10.  Compunham-se  de  uma  brigada  de  tanques,  uma  de fuzileiros  transportados,  um  batalhão  de  engenharia,  um  de  comunicações,  uma  esquadrilha  de  observação  e um  único  regimento  de  artilharia,  composto  de  dois  grupos  de  105  rebocados  ou  automotores.  A  metade  dos 288  tanques,  constituindo  a  dotação  média  de  uma  divisão,  é  de  Pz  Kw  1,  chamados  “latas  de  sardinha”,  de  6 toneladas,  com  uma  fina  blindagem  e  duas  metralhadoras.  Os  Pz  Kw  2,  de  9  toneladas  e  dotados  de  um canhão  de  20,  são  pouco  menos  frágeis.  Foi  preciso  chegar-se  aos  Pz  Kw  3  e  aos  Pz  Kw  4  respectivamente de  15  a  20  toneladas,  com  calibres  de  37  e  75,  para  conseguir  armas  de  real  poder.  Mas  o  número  de  Pz  Kw  4 não  passava  de  24,  por  divisão,  e    uma  vontade  como  a  de  Hitler,  pôde  impô-los  a  um  estado-maior  que  os considerava  pesado  demais.

Tais  eram  essas  ilustres  Panzerdivisionen  que  iriam  revolucionar  a  arte  da  guerra  e  permitir  a  Hitler  dominar a  Europa.  Posteriormente,  4  divisões  ligeiras,  numeradas  de  6  a  9,  tornar-se-iam  divisões  blindadas,  pela junção  de  material  checo,  mas,  em  lugar  de  uma  brigada,    teriam  um  regimento  de  tanques,  com  3 batalhões.  Fica-se  chocado,  retrospectivamente,  pela  fraqueza  desse  corpo  de  combate,  não  somente  quando o  compara  ao  número  de  armas  que  iriam  surgir,  ao  curso  dos  anos  seguintes,  mas  mesmo  quando  colocados no  quadro  das  armas  militares  da  época.  A  impressão  produzida  pelas  Panzerdivisionen  e  os  sucessos  que obtiveram  levaram  a  que  se  superestimasse  de  maneira  fantástica  sua  força,  e  foi  preciso  mais  de  um  quarto de  século  para  que  esse  exagero  desaparecesse.  Muito  mais  do  que  o  peso  e  no  número  das  armas,  a revolução  dos  blindados  consistiu  na  doutrina  de  ocupação  e  na  coragem  com  que  essa  doutrina  foi  traduzida nos  campos  de  batalha.  Foi  pela  vitória  da  inteligência  que  a  Segunda  Guerra  começou.

Comparativamente,  a  Luftwaffe  era  mais  forte  do  que  a  arma  blindada.  A  partir  de  1934,  ela  superou  suas doenças  infantis,  levantou  sua  produção  anual  de  900  a  6.000  aparelhos,  fixou  alguns  tipos  de  avião  que,  até a  afirmação  do  poderio  industrial  americano,  iriam  exercer  o  controle  do  espaço:  o  caça  Me-109,  o  caça- bombardeiro  Me-110,  o  bombardeiro  de  mergulho  Ju-87,  os  bombardeiros  horizontais  Ju-88,  He-111  e  Do- 17.  No  início  das  hostilidades,  põe  em  serviço  771  caças,  408  caças-bombardeiros,  336  Stukas  e  1.180 bombardeiros.  Um  total  de  2.695  aviões,  constituindo  uma  força  aérea  à  qual  nenhum  país  do  mundo  oporá equivalente,  antes  que  se  passem  muitos  meses.

Postos  de  parte  a  aviação  e  os  blindados,  o  Exército  alemão  foi  reconstituído  em  linhas  tradicionais.  A motorização  era  deficiente:  apenas  4  divisões  de  infantaria  motorizada,  cooperando  com  as  Panzer.  O  resto consistia  em  36  divisões  da  ativa,  3  divisões  de  montanha,  37  divisões  de  reserva  e  14  divisões  de  Ersatz  - estas  duas  últimas  categorias  tiradas  do  nada,  algumas  semanas  antes.  O  material  era  desigual:  os  obuses modernos,  de  105  e  150,  têm  categoria  superior  à  dos  75,  105  e  135  franceses,  mas  muitas  baterias continuavam  equipadas  com  o  velho  77,  de  Guilherme  II.  A  própria  aviação  carecia  de  chefes  de  grupos  e iria  levantar  vôo  com  um  estoque  de  bombas  estritamente  suficiente  para  três  semanas  de  operações. Reconstituída  em  5  anos,  a  Wehrmacht  era  uma  improvisação,  com  a  qual  se  assustavam  alguns  generais  que se  haviam  formado  no  exército  exemplar  do  tempo  imperial.

Entre  esses  chefes,  a  maioria  se  esforça  para  ser  apenas  militar.  Alguns  são  hitleristas:  a  maioria  é  anti- hitlerista.  Não  gostam  de  Hitler  e  Hitler  os  odeia.  Entretanto,  seria  preciso  um  estranho  profético  para  saber que,  antes  do  fim  da  guerra,  mais  de  cinqüenta  marechais,  generais  e  almirantes  deverão  ser  fuzilados, enforcados,  estrangulados,  pendurados  pelo  pescoço  em  ganchos  de  açougue  ou  constrangidos  ao  suicídio pelo  Fuhrer-Chanceler.

A  conspiração    estava  instalada  nesse  comando  prometido  a  tal  hecatombe.  Antes  de  Munique,  o  Deuxieme Bureau  (Serviço  francês  de  Inteligência)  dera  de  ombros  diante  de  uma  informação  que  advertia  haver  um general  alemão  prestes  a  marchar  sobre  Berlim,  à  frente  de  sua  divisão  blindada.  Mas  o  general  em  questão existia:  chamava-se  Hoeppner  (condenado  à  morte  depois)  e  havia  esperado,  uma  noite  inteira,  em  sua guarnição  de  Turíngia,  o  sinal  que  lhes  deveria  ser  enviado  pela  junta  dos  conjurados.  Estes,  reunidos  em casa  do  Coronel-General  Halder,  contavam,  em  suas  fileiras,  como  Coronel-General  Beck,  o  General  von Witzleben,  o  General  de  Infantaria  von  Stulpnagel,  o  Almirante  Canaris,  o  Chefe  de  Polícia  de  Berlim,  etc  - todos    destinados  a  execução  capitais.

“Se  perdermos  esta  guerra,  que  deus  tenha  piedade  de  nós!”

Eles  queriam  deter  Hitler,  no  dia  seguinte,  no  momento  em  que  voltasse  do  Congresso  Nacional-Socialista, de  Nuremberg.

As  ordens    estavam  assinadas,  quando  a  rádio  anunciou  que  Chamberlain  obtivera  uma  audiência  do  Fuhrer e  estava  voando  para  Berchtesgaden....  “a  base  material  de  nossa  conspiração  estava  destruída”  -  explicaria Halder,  uma  vez  que  Hitler  não  mais  voltaria  para  Berlim.  “A  base  moral  não  o  estava  menos:  podíamos deter  um  insensato  que  atirava  a  Alemanha  a  uma  guerra  previamente  perdida;  não  podíamos  deter  um chanceler  que  negociava  com  o  Primeiro  Ministro  da  Inglaterra  a  volta  pacífica  dos  alemães  para  o  Reich...”.

Depois  de  Munique,  nenhuma  nova  ocasião  se  apresentou,  mas  a  conjuração  não  estava  morta.  Um  dos conjurados,  Witzleben,  comandava  um  exército  na  frente  ocidental;  outro,  Canaris,  dirigia  a  espionagem alemã.  O  próprio  Halder  não  era  outro  senão  o  chefe  do  Estado-Maior,  o  braço  direito  do  comandante-chefe do  Exército,  von  Brauchitsch!...  Assim,  essa  guerra  mundial  começava  na  rebelião  latente  de  uma  parte  do Alto-Comando  alemão  contra  o  chefe  do  Exército  e  do  Estado  alemães.  Disso  resultariam  estranhas revelações.

Os  chefes  que  não  conspiravam  perderam  o  entusiasmo.  Claro  que  nenhum  deles  admitia  o  Corredor,  o estado  de  Dantzig,  o  traçado  arbitrário  das  fronteiras  orientais,  a  sujeição  de  um  milhão  de  alemães  ao  jugo polonês.  Mas  achavam  que  o  Exército  alemão  não  estava  ainda  refeito  para  enfrentar  um  novo  conflito europeu.  Salvo  os  hitleristas  Busch  e  Reichenau,  todos  assinaram,  antes  de  Munique,  um  memorando, redigido  pelo  General  Beck,  para  prevenir  o  Fuhrer  contra  os  perigos  que  sua  política  aventureira  fazia  correr a  Alemanha.  O  pacto  germano-soviético  os  serenara  um  pouco,  libertando-os  da  obsessão  de  uma  guerra,  em uma  Rússia  cuja  rudeza  e  imensidade  quase  todos  conheciam.  Estão  inquietos.  A  guerra  começava  antes  que estivessem  prontos.

O  moral  da  nação,  como  a  dos  generais,  estava  muito  longe  da  exaltação.  Naquele  mês  de  agosto  de  1939, nada  se  assemelhava  à  torrente  de  entusiasmo,  à  corrida  para  o  sacrifício  de  julho  de  1914.  Hitler  sabia  disso. No  ano  anterior,  antes  de  Munique,  fizera  uma  experiência  que  não  ousava  renovar,  naquele  ano:  o  desfile, em  Berlim,  de  uma  divisão  blindada.  Havia  esperado  uma  tempestade  de  patriotismo:  apenas  provocou  um espetáculo  de  consternação!  Durante  três  horas,  os  carros  blindados  rolaram  através  das  ruas  da  cidade  em meio  a  um  silencioso  estupor,  como  se  fora  um  exército  inimigo  numa  cidade  conquistada  -  com  Hitler,  à sacada  da  Chancelaria,  esperando  em  vão  o  rumor  belicoso  que  queria  provocar,  à  passagem  de  seus monstros  de  aço.  Findo  o  desfile,  ele  voltou  para  seu  gabinete  e  atirou-se  a  uma  poltrona,  injuriando  o  povo alemão  -  da  mesma  maneira  que,  vencido  e  agonizante,  o  injuriaria  seis  anos  depois,  no  mesmo  local,  depois de  tê-lo  crucificado  e  desonrado.

...Do  Báltico  aos  Cárpatos,  as  tropas  marcham.  O  plano  de  operações,  retocado  e  ampliado  segundo  as diretivas  de  Hitler,  agarrou  a  Polônia  em  uma  tenaz.  O  ramo  de  esquerda  é  o  Grupo  de  Exércitos  Norte, comandado  pelo  General  von  Bock.  O  ramo  da  direita  é  o  Grupo  de  Exércitos  Sul,  comandado  pelo  General von  Rundstedt.  O  primeiro  grupo  se  compõe  de  dois  exércitos:  o    (Kuchler),  surgindo  da  Prússia  Oriental, e  o    (Kluge),  desembocando  da  Pomerânia  -  ao  todo  21  divisões,  entre  as  quais  9  da  ativa,  com  apenas  duas blindadas.  O  segundo  grupo  é  integrado  por  três  exércitos:  o  14°  (List),  reunido  nos  Cárpatos;  o  10° (Reichenau),  concentrado  na  Alta  Silésia,  e  o  18°  (Blaskowitz),  lançado  da  região  de  Breslau  -  ao  todo  36 divisões,  entre  elas  28  da  ativa,  das  quais  4  blindadas.  Enquanto  o  Grupo  Norte  apagará  o  Corredor,  forçará  a linha  do  Narew,  tomará  Varsóvia  pela  retaguarda,  o  Grupo  Sul  destruirá  o  grosso  das  tropas  polonesas,  a oeste  do  Vístula.  Leva-se  tão  longe  o  desprezo  ao  adversário,  que    se  deixa,  entre  os  dois  grupos  de exércitos,  para  defender  Berlim  da  elite  das  tropas  polonesas,  uma  cadeia  de  guardas  alfandegários.

Às  4:45h,  o  cruzador-couraçado  Schleswig-Holstein,  chegado  na  véspera  a  Dantzig,  abre  fogo  sobre  o território  polonês  da  Waterplatte.  As  formações  aéreas  voam.  E,  dentro  da  bruma,  os  tanques  de  Guderian,  de Hopner  e  de  von  Kleist  transpõem  a  fronteira  e  caem  sobre  os  poloneses  adormecidos.

O  dia  2  se  setembro  é  um  bom  dia  para  Hitler.  As  notícias  militares  são  excelentes.  O  comando  polonês  foi completamente  surpreendido.  Via  o  inicio  das  hostilidades  segundo  o  precedente  de  1914:  15  dias  para concentração  das  tropas,  sem  outras  operações  além  de  escaramuças  à  fronteira.  Essa  guerra,  que  arranca veloz,  toma-o  de  surpresa.  Os  soldados  batem-se,  mas  os  tanques  blindados  alemães  rompem  a  frágil  posição de  resistência  e  investem  furiosamente,  desorganizando  a  retaguarda,  destruindo  as  ligações,  paralisando  o exercício  do  comando.  A  Luftwaffe  derruba  a  aviação  inimiga,  neutraliza  os  QGs,  bombardeia  em  mergulhos os  núcleos  de  resistência,  provoca  engarrafamento  das  retaguardas  inimigas,  jogando  às  estradas  uma multidão  de  civis  desvairados...

Ao  norte  do  dispositivo,  as  tropas  alemães  desembocam  da  Prússia  Oriental  e  atacam  a  posição  do  Mlawa, que  cobre  Varsóvia.  No  Corredor,  o    e  o    exércitos  fazem  junção.  No  centro,  o  10°  Exército,  ponta  de lança  do  Grupo  Rundstedt,  atinge  o  Warta,  numa  marcha  progressiva  de  80  km  em  36  horas.  No  extremo  sul, as  tropas  alpinas  de  List  forçaram  a  garganta  do  Jablunka,  teatro  de  lutas  intermináveis,  na  guerra  anterior,  e chegam  às  portas  de  Cracóvia.  Era  impossível  esperar  um  início  de  ofensiva  mais  vivo  e  mais  brilhante.

E  a  Inglaterra?  E  a  França?  Esperaram  21  horas  e  30  minutos  para  notificar  ao  governo  do  Reich  que  o prolongamento  da  ação  militar  alemã  os  forçaria  a  cumprir  seus  compromissos  com  a  Polônia.  A Wilhelmstrasse  olha  com  superioridade  essa  providência  tardia.  “É  um  ultimato?  -  pergunta  Ribbentrop. “Não;  é  uma  advertência”  -  respondem  os  embaixadores.

Graves  desacordos  existem  entre  Paris  e  Londres.  Em  Paris,  o  Ministro  das  Relações  Exteriores,  Georges Bonnet,  agarra-se  desesperadamente  à  proposta  italiana  de  uma  conferência  a  quatro.  Em  Londres,  suspeita- se  que  a  França  se  está  furtando  a  esse  entendimento.  O  Embaixador  da  Polônia,  Conde  Radzinski,  chega, como  um  louco,  ao  Foreign  Office,  gritando  que,  a  seu  colega  de  Paris,  Bonnet  declarara  que,  pela  Polônia, não  faria  massacrar  as  mulheres  e  as  crianças  da  França.  Esses  poloneses  apreciam  tanto  mais  o  egoísmo sagrado  quando  o  haviam  exercido,  em  1938,  às  custas  dos  tchecos.  Mas  os  deputados  ingleses  vão  a  seu encontro  na  impaciência  e  na  indignação.  Vaiam  uma  fraca  declaração  de  Chamberlain,  resumida  nisto:  “Nós protestamos.  Esperemos,  agora,  a  resposta  do  Sr.  Hitler”.  Dizem,  nos  bastidores  de  Westminster,  que  a moleza  do  gabinete  provém  da  defecção  francesa,  mas  que  a  Inglaterra  marchará  sozinha  e  Chamberlain  será derrubado  e  substituído  por  Churchill.

Enquanto  isto,  em  Berlim,  Hitler  passa  a  noite  com  alguns  íntimos,  na  sala  de  música  da  nova  Chancelaria, lendo,  com  voz  radiante,  os  boletins  de  vitória  que  lhes  chegam  da  frente  polonesa.  Na  França,  a  mobilização geral  fora  decretada  na  véspera,  à  noite,  o  que  significava,  segundo  os  cálculos  do  serviço  alemão  de  contra- espionagem,  que  pelo  menos  80  divisões  se  concentravam  do  mar  do  Norte  à  Suiça.  Ora,  a  Alemanha  só deixara,  a  oeste,  11  divisões  ativas,  e  várias  semanas  serão  necessárias  para  que  as  35  divisões,  de  terceira  e quarta  vaga,  que  devem  reforça-las,  atinjam  uma  segunda  coesão.  Nas  cidades  fronteiras,  como  Freiburg-am- Brisgau,  o  boato  de  que  os  franceses  transpunham  o  Reno  levantara  uma  onda  de  pânico.  Mas  o  Fuhrer permanece  imperturbável.  Registra  que  a  Câmara  francesa,  votando  85  milhões  de  créditos  suplementares, nunca  pronuncia  a  palavra  “guerra”.  Mais  uma  vez  a  intuição  hitlerista  se  revela  exata:  a  França  e  a Inglaterra  não  passam  à  ação.

Mas  Hitler  se  engana.  Se  a  vontade  francesa  está  oscilante,  a  resolução  inglesa  é  firme.  Ao  Conde  Ciano,  que lhe  telefonava  febrilmente  do  palácio  Chigi,  Lorde  Halifax  responde  que  nenhuma  conferência  pode  ser cogitada  sem  que,  previamente,  a  Alemanha  retire  suas  tropas  do  território  polonês.  Mussolini  manda responder  que  não  pode  transmitir  tal  exigência  ao  Fuhrer.  Rompe-se  o  último  fio  da  paz.

Às  4  horas  da  manhã  de  3  de  setembro,  o  Embaixador  Neville  Henderson  recebe,  de  Londres,  ordem  de pedir  audiência  a  Ribbentrop,  para  as  9  horas.  Wilhelmstrasse  finge  dormir,  como  se  estivesse  em  plena  paz. Henderson  tem  que  despertar  uma  porção  de  subalternos,  para  ouvir  a  resposta  de  que  Sua  Excelência Ribbentrop  não  estaria  visível  pela  manhã,  mas  que  o  conselheiro  de  embaixada  Paul  Schmidt,  intérprete  de Hitler,  estava  habilitado  a  receber  qualquer  comunicação  do  Governo  inglês.  Foi  nas  mãos  desse  funcionário de  segunda  classe  que  a  Inglaterra  teve  que  entregar  seu  ultimato:  se  às  11  horas  -  dentro  de  duas  horas!  -  não recebesse  garantias  categóricas  quanto  à  imediata  retirada  das  tropas  alemães,  existiria  estado  de  guerra  entre ela  e  o  Reich  alemão...

A  França  segue  -  a  reboque.  Recusa  apresentar  seu  ultimato  simultaneamente  com  o  inglês,  insiste  em  que  o prazo    expire  a  4  de  setembro,  evita,  ainda,  empregar  a  palavra  “guerra”.  “O  Governo  francês  -  escreve Bonnet  -  ficaria  na  obrigação  de  cumprir  os  compromissos  que  a  França  contraiu  com  a  Polônia  e  que  o Governo  alemão  conhece...”.  Três  horas  depois  de  o  Embaixador  Henderson  ter  enviado  o  ultimato,  o Embaixador  Coulondre  remete  à  Wilhelmstrasse  essa  eufêmica  declaração  de  guerra.  A  da  Inglaterra, Schmidt  a  tinha  imediatamente  levado  ao  gabinete  de  Hitler.  Ele  estava  de  sentado  à  mesa  de  trabalho. Ribbentrop,  de  pé,  perto  de  uma  janela.  Schmidt  traduziu,  lentamente,  o  ultimato.  Hitler  parecia  petrificado. Permaneceu  imóvel  por  um  interminável  momento.  Depois,  lançou  a  seu  Ministro  das  Relações  Exteriores um  olhar  furioso  de  homem  enganado.  “E  agora?”  -  disse,  com  inflexão  inexprimível.  Schmidt  apressou-se  a sair.

Na  ante  sala,  havia-se  reunido  uma  pequena  multidão  de  ajudantes  de  campo  e  altos  funcionários  do  partido. Schmidt  os  pôs  a  par  do  ultimato  inglês.  Caiu  outro  silêncio,  que  a  voz  de  Goering  rompeu:  “Se  perdermos esta  guerra,  que  Deus  tenha  piedade  de  nós”.

A  França  ataca:  Tarde  demais!

A  7  de  setembro,  pela  manhã,  grupos  de  reconhecimento,  pertencentes  aos  3°,    e    exércitos  franceses, transpõem  a  fronteira  alemã,  a  oeste  dos  Vosges,  em  frente  a  Sarrelouis,  Saarbruck  e  Deux-Ponts.  O  objetivo da  ofensiva  é  aliviar  a  Polônia,  obrigando  o  Exército  alemão  a  voltar-se  para  a  frente  ocidental.

Demasiado  tarde?  não,  não  é  demasiado  tarde...  É  dramaticamente,  tarde  demais!...

Pelo  relógio  de  1914,  essa  intervenção  no  quinto  dia  da  mobilização  seria  honrosa.  Procedia-se,  de  início,  à concentração  dos  exércitos,  atrás  da  carapaça  da  cobertura,  e  somente  quando  essa  concentração  terminasse seria  possível  empreender  ação  ofensiva.  A  convenção  franco-polonesa  de  estado-maiores,  discutida  em maio  -  e  não  ratificada,  por  falta  de  um  acordo  político  -,  conformava-se  com  essa  concepção  clássica.  Previa que  a  França  “desencadearia,  progressivamente,  operações  ofensivas,  de  objetivos  limitados”,    pelo  quarto dia  de  sua  mobilização,  para  atacar  com  o  grosso  de  suas  forças,    pelo  15°,  “se  o  esforço  principal  a Alemanha  se  acentuasse  sobre  a  Polônia”.  A  França  não  estava,  pois,  atrasada  nem  quanto  ao  relógio  de  seu pensamento  militar,  nem  quanto  ao  meio  compromisso  assumido.

Mas,  pelo  relógio  de  1939,  a  intervenção  francesa  chega  tão  tarde  que  se  torna  inútil.  A  Polônia  ainda  se  bate mas  sua  derrota  está  consumada.  O  mesmo  7  de  setembro  que  vira  a  entrada  prudente  das  vanguardas francesas  no  Sarre,  vê,  na  Polônia,  o  desabamento  da  resistência  organizada.  O    Exército  alemão  cerca  o Vístula,  até  Thorn.  O    Exército,  tendo  conseguido  uma  penetração  em  Mlawa,  toma  Varsóvia  pela retaguarda.  O  corpo  diplomático,  o  governo  e  o  comando  saíram  de    precipitadamente,  mas  sua  rota  de fuga,  o  sudeste,  está  cortada  pelo  14°  Exército,  que,  tendo  conquistado  Cracóvia,  avança  em  direção  à fronteira  romena.  A  oeste  do  Vístula,  o  exército  polonês  do  saliente  de  Poznan  (o  exército  que  devia  marchar sobre  Berlim)  tenta,  por  uma  reviravolta,  cair  sobre  o  flanco  esquerdo  do    Exército  alemão.  Rundstedt, porém,  reorienta  seu    Exército,  lança  o  15°  Corpo  de  Exército  motorizado  e  o  16°  blindado  pela  retaguarda de  Bortnovski.  A  reação  polonesa  nada  mais  resulta  do  que  no  primeiro  grande  cerco  da  guerra,  o  bolsão  do Bzura,  no  qual  19  divisões  polonesas  são  capturadas.

Do  lado  alemão,  as  mais  altas  esperanças  estão  ultrapassadas.  Somente  tarde  demais,  quando  submetidas  as operações  a  uma  crítica  pormenorizada,  se  revelarão  certas  fraquezas  bastante  inquietantes,  em  um  exército cujas  bases  ainda  não  estão  bem  firmes.  O  rendimento  excelente  das  unidades  blindadas  e  aéreas  tudo conquista.  A  infantaria  e  a  cavalaria  polonesas  são  impotentes  contra  os  tanques;  a  artilharia  hipomóvel polonesa  perde  todos  os  cavalos,  sob  o  bombardeio  da  aviação;  os  bombardeios  em  profundidade  cortam  as comunicações  e  desorganizam  as  retaguardas.  O  próprio  tempo,  é,  uma  vez  mais,  hitlerista.  As  chuvas  estão atrasadas,  o  céu  continua  radioso  -  cúmplice  imperturbável  dos  aviões  e  dos  tanques.

É,  na  verdade,  uma  bela  guerra,  fresca  e  alegre.  As  perdas  são  poucas.  As  divisões  não  motorizadas  mal  têm ocasião  de  combater.  As  personalidades  distintas  do  regime  nazista  vêm  assistir  a  essas  “grandes  manobras”, em  que  está  compreendido  o  salto  de  Leni  Riefenstahl  sobre  o  QG  de  Rundstedt,  com  uma  pequena  pistola  à cintura  e  um  punhal  na  bota  branca.  Quanto  à  Hitler,  transportou-se  para  seu  primeiro  QG,  de  campanha,  no Kasino  Hotel  de  Sopot,  praia  de  Dantzig.  Não  se  envolve  com  os  pormenores  das  operações.  Mas  tira conclusões  sobre  essa  guerra  de  grande  rendimento,  na  qual  acreditou,  contra  a  opinião  dos  profissionais.

Enquanto  isso,  ora  súplices,  ora  afrontosamente,  os  representantes  do  comando  polonês,  em  Londres  e  em Paris,  pedem  a  abertura  das  hostilidades  aéreas.  A  resposta  é  que  a  RAF,  vai,  todas  as  noites,  atirar  panfletos sobre  a  Alemanha,  mas  que  o  governo  francês  julga  inoportuno  atrair  represálias  sobre  suas  indústrias  de guerra,  tomando  a  iniciativa  de  bombardeios  mais  sérios.  No  Sarre,  elementos  de  uma  dezena  de  divisões avançam,  passo  a  passo,  tirando  do  anonimato  algumas  localidades,  como  Bubingen,  Wittersheim  ou Hornbach.  As  diretivas  do  comando  são  de  uma  modéstia  exemplar.  Trata-se  de  “investir  progressiva  e metodicamente”  sobre  a  Linha  Siegfried  entre  Haardt  e  Mosela,  e    depois  e  eventualmente  o  ataque  às fortificações  deverá  ocorrer.  A  resistência  inimiga  corresponde,  em  medida,  a  essa  fraca  agressividade  -  de acordo  com  as  ordens  de  Hitler,  que  havia  prescrito  que  suas  forças  se  limitassem  a  responder  aos  ataques. Todavia,  os  soldados  franceses  têm  cruel  surpresa:  as  minas.  As  estradas  saltam  sob  os  veículos,  as  tropas, avançando  através  dos  campos,  caem  em  armadilhas  mortais  -  e  os  homens  que  abrem  a  porta  de  uma  granja ou  apanham  um  objeto  abandonado  são  pulverizados.  As  minas...  O  Exército  francês,  votado  à  defensiva, mal  sabe  o  que  são.

Fútil  ofensiva!    teria  sentido  se  a  França,  adaptando  seu  exército  à  condição  de  guardião  dos  tratados, tivesse  corpos  de  combate  blindados,  capazes  de  se  atirar  sobre  a  Alemanha  e  invadi-la.  O  General  Gamelin sabe,  melhor  que  ninguém,  que  se  trata  de  um  simulacro  de  ação,  em  favor  de  uma  Polônia  condenada. Desde  o  dia  9  de  setembro,  ele  vem  registrando,  para  o  General  Georges,  seu  adjunto  para  a  frente  nordeste, a  gravidade  das  derrotas  polonesas,  sublinhando  que  as  missões  defensivas  tomam  a  prioridade.  A  ofensiva terminou,  para  a  Polônia.

No  dia  17,  Moscou  fala.  Molotov  declara  que  o  governo  polonês    não    sinal  de  vida:  logo,  a  República Polonesa  deixara  de  existir.  A  URSS,  consequentemente,  procede  à  ocupação  dos  territórios  que,  em  seu acordo  com  o  Reich,  lhe  foram  reconhecidos  como  zonas  de  influência.  Uma  modificação  será  aposta  a  esse acordo,  a  28  de  setembro:  em  troca  do  abandono  da  Lituânia,  pela  Alemanha,  a  nova  fronteira  germano soviética  será  recuada  para  leste,  até  Bug.  Ainda    combates  esparsos,  mal  conhecidas  fogueiras  de heroísmo,  de  uma  guerra  esquecida.  Um  general,  Victor  Thomme,  defende-se,  com  furor,  na  cidade  de Modlin.  Um  general,  Prugar-Katlings,  entrincheira-se  na  floresta  de  Ianov,  de  onde  surge,  com  alguns esquadrões  -  cavaleiros  contra  Panzer!  -  para  se  atirar  ao  assalto  de  uma  divisão  blindada  imobilizada  por falta  de  combustível.  Um  almirante,  Unruh,  disputa,  até  o  dia  2  de  outubro,  o  pequeno  porto  militar  de  Hel, na  extremidade  de  uma  faixa  de  areia  da  baía  de  Dantzig.  Em  contrapartida,  o  herói  de  estampas  de  Epinal,  o

Marechal  Rydz-Smigly,  passa  pela  Romênia  sem  armas,  mas  com  numerosa  bagagem.  A  Polônia  de Kosciuzko  até  hoje  cora  de  vergonha.

A  própria  Varsóvia,  defendida  por  um  general  polonês  chamado  Rommel,  foi  sitiada.  Considerando  que  toda resistência  coordenada  cessara,  os  generais  alemães  propõem  bloquear  a  cidade  e  esperar  sua  capitulação. Mas  replicando  que  Varsóvia  é  uma  fortaleza,  Hitler  manda  que  a  aviação  e  a  artilharia  a  castiguem.  A cidade  rende-se  a  27  de  setembro,  após  um  bombardeio  de  4  dias.

Outros  desentendimentos  vão  produzir-se  entre  Hitler  e  seus  generais.  Seguindo  o  Exército  vitorioso,  as  SS (Schutzstaffel  -  Guarda  de  Proteção)  e  a  Gestapo  se  precipitam  sobre  a  Polônia.  O  General  Petzel, comandante  das  forças  em  Poznan,  protesta  contra  a  matança  dos  judeus.  O  General  von  Kuchler  declara  ao Gauleiter  da  Prússia  Oriental,  Koch:  “O  Exército  alemão  não  foi  organizado  para  servir  de  furriel  a  um bando  de  assassinos”.  Nomeado  comandante  das  tropas  de  ocupação,  o  General  Blaskowitz  faz  condenar  à morte  os  membros  das  SS,  culpados  de  atrocidades,  e,  tendo  Hitler  anulado  o  julgamento,  envia-lhe  uma  nota de  protesto  que  lhe  cortará  a  carreira.  A  animosidade  do  antimilitarista  que  é  Hitler  contra  os  militares  de carreira,  prisioneiros  das  concepções  anacrônicas  de  honra,  jamais  deixará  de  se  exacerbar.

No  entanto,  esses  militares,  tão  detestados,  ganham  para  seu  Fuhrer,  uma  bela  vitória.  A  Polônia,  que  os estados-maiores  ocidentais  julgavam  estar  apta  a  resistir  por  um  ano,  é  arrasada  em  19  dias.  Deixa  694.000 prisioneiros  nas  mãos  de  seus  vencedores  -  e  mais  217.000  nas  dos  russos.  As  perdas  dos  exércitos  alemães se  elevam  a  somente  a  10.572  mortos,  30.322  feridos  e  3.409  desaparecidos.

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