quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Segunda Guerra Mundial - 1940 Janeiro A Maio - Vigília de Armas


Janeiro a Maio de 1940
Vigília de Armas
Tópicos do capítulo:
Quadro do Exército francês: Os efetivos
O armamento
Discussão sobre a arma blindada
O Exército alemã brota e cresce
Dualidade de comandantes-chefes, na França

10 de janeiro de 1940: o documento de Méchelen

Dyle ou Escalda?
Premeditada a violação da neutralidade belga
A neve paralisa tudo

O memorando de Manstein
17 de fevereiro: Hitler escolhe Sedan - Dois meses de sursis para a França
13 de março: a paz para a Finlândia
17 de março: encontro Hitler-Mussolini em Brenner
Fogos cruzados sobre a Noruega - Alemães em Narvik, a 9 de abril
Batalha pela posse da rota do ferro - O plano de Londres contra
Trondheim 30 de abril: derrota aliada na Noruega Central

 

Entreato:

No Oeste, a guerra é mais do que nunca mortal. Mas o aparelhamento militar dos beligerantes está, agora, completamente desdobrado.

O esforço militar francês, se eqüivale sensivelmente ao de 1914. A França mobilizou mais de 5 milhões de homens, a oitava parte do total de sua população, proporção enorme e mesmo excessiva, quando considerada as necessidades de mão de obra para a indústria armamentista. Entretanto o déficit dos nascimentos e as chamadas “classes vazias” correspondentes à hecatombe precedente se traduzem, pesadamente, na demografia militar francesa. Um recenseamento realizado a 1 o de março de 1940 mostra que os efetivos globais do exército de terra são inferiores, em 415.000 homens, aos de 1 o de maio de 1917, depois de três anos de guerra e um milhão e meio de mortos e feridos.

No início das hostilidades, a França pôs em armas 108 divisões ou setores de fortalezas. Cada divisão compreende, em princípio, 1 grupo de reconhecimento divisionário (GRDI), 3 regimentos de infantaria (RI) e 2 de artilharia divisionária (RAD). 65 divisões são ditas da ativa: 21 divisões de infantaria ordinária (DI) ou motorizadas (DIM); 12 de infantaria norte- africanas (DINA), 4 de infantaria colonial (DIC), 2 ligeiras mecanizadas (DLM), 5 de cavalaria (DC) e 21 divisões ou setores de fortaleza (DIE).As outras são divisões de formação, à razão de 6 na África do Norte e 37 na Metrópole. Essas últimas se dividem, ainda, em duas categorias: 19 divisões de série A, constituídas em torno de núcleos ativos, e 18 divisões de série B nas quais o exército ativo só é representado pelos comandantes dos corpos. Severo treinamento e disciplina rigorosa seriam necessários para dar a essas grandes unidades coesão à prova de fogo.

Independentemente das divisões e dos corpos de exércitos, as unidades e serviços que completam o Exército francês mobilizado são, positivamente, inumeráveis. O que se segue é apenas uma enumeração parcial, destinada a dar idéia do material superabundante e da organização maciça com os quais a França se apresenta para combater: 40 batalhões de tanques - 8 companhias de transportes de tanques - 19 batalhões de metralhadoras - 78 batalhões e 5 regimentos de infantaria, não enquadrados - 56 regimentos de artilharia - 101 baterias de posição e 78 móveis de artilharia de fortaleza - 188 companhias de autotransporte - 32 hipomóveis e 27 de transporte em mulas - 4 regimentos de dragões de cavalaria - 8 batalhões de sapadores- mineiros - 7 de cantoneiros - 12 seções de eletricistas - 22 equipagens de pontes - 17 unidades de pontes pesadas - 9 companhias de navegação - 16 batalhões de sapadores de estradas de ferro - 8 companhias de montadores de barracas - 10 de guardas florestais - 2 de teleféricos - 33 grupos de transmissões - 14 padarias de campanha - 60 companhias de encarregados e operários de administração, etc.

 Em peso, as armas deste exército sobrepuja o do Exército alemão. A artilharia é muito mais numerosa e, em seu conjunto, muito mais poderosa - mas consiste, quase inteiramente, em materiais de 1918, com um processo de utilização correspondente à guerra de posição. O material de DCA, é insuficiente, se bem que compreenda o melhor canhão antiaéreo da época - o 90 - do qual as sórdidas rivalidades do Exército e da Marinha só permitiram construir algumas baterias. O material de defesa contra blindados (DCB) conta com dois tipos de peças, um bom canhão de 25 e um de 47, que é sem contestação, a melhor arma do gênero. O armamento da infantaria é bastante satisfatório, com um fuzil de tipo antigo, um excelente fuzil- metralhadora, uma boa metralhadora pesada, da guerra anterior, e dois aceitáveis tipos de morteiros. Todavia, a infantaria francesa está desprovida da arma de combate próximo, a pistola automática, e da arma típica da defensiva, a mina terrestre antipessoal, que, no entanto, é de mais fácil fabricação do que os pratos de lata. Outras insuficiências provêm do espírito de guardas de armazém, reinante no Exército francês.

Os alemães se apoderarão de estoques gigantescos, uma vez que, aos combatentes, faltam roupas, calçados, cobertas, etc.

É sobretudo em matéria de tanques que a comparação é interessante. Mas o oficial de estado-maior que se incumbe de fazê-la, nos começos de 1940, não tem razão alguma para inquietação particular se toma unicamente em consideração os poderes dos engenhos. Categoria por categoria, os tanques franceses são mais pesados, de melhor blindagem e mais bem armados do que os tanques alemães. Os autometralhadoras de 7 toneladas, os R 35, R 40, H 35, H 39 de 12 toneladas sobrepujam facilmente os Pz Kw 1 e os Pz Kw 2. Os autometralhadoras de 15 toneladas, os DI de 16 toneladas, os Somua de 20 a 22 toneladas são mais do que comparáveis aos Pz Kw 3.

Na categoria mais pesada, os Pz Kw 4 alemães, de 20 toneladas e com blindagem de 40 mm, são muito mais inferiores aos B1, BI bis e Bi tris, de 30-33 toneladas com blindagem de 60 e 70 mm. As únicas vantagens dos blindados alemães são sua velocidade um pouco maior e raio de ação muito maior. Em número, a comparação se equilibra. As discussões a esse respeito, após a derrota francesa, estão agora superadas por documentos irrecusáveis. Jamais o Exército alemão pôs em linha os 8.000 tanques que serão apurados no processo de Riom, nem mesmo os 5.920 tanques de uma relação anterior. Um documento do Estado-Maior alemão, que não foi redigido visando às necessidades da causa, enumera detalhadamente os efetivos e os tipos dos tanques que foram engajados a 10 de maio de 1940: um total de 2.574, compreendidos os carros de transmissões e de comando, dos quais apenas 278 Pz Kw 4. Exceção feita das relíquias da Primeira Guerra, os franceses puseram em linha 2.475 tanques, dos quais 270 B de 35 toneladas e, mais 240 autometralhadoras de combate e cerca de 600 blindados ingleses. Tiveram, assim, a superioridade numérica, ao mesmo tempo que a da blindagem e do peso do armamento. Serão outros elementos que acarretarão seu esmagamento.

A comparação é muito mais esmagadora no domínio aéreo. A força aérea francesa sobe, novamente, a encosta sob a qual se encontrava em 1938, mas está longe de alcançar a aviação militar de Hitler. De resto, ser-lhe-ia possível? “É difícil, a um país de 40 milhões de habitantes, possuir, ao mesmo tempo, um grande exército, uma grande marinha e uma grande força aérea”- reconheceu Edouard Daladier. O poder industrial fala. De 1937 a 1939, a Alemanha produziu 474.000 toneladas de alumínio, e a França 140.000; a Alemanha produziu 65 milhões de toneladas de aço, e a França 20. A única maneira de compensar essa diferença teria sido coordenar, desde os tempos de paz, os programas de armamento francês e inglês e recorrer a uma complementação americana. Nada foi feito nessa primeira ordem de idéias. Na segunda, o Ministro da Aeronáutica francês, quando quis passar os comandos à industria americana, passou da surpresa à decepção: fraca capacidade das fábricas, demora na fabricação, obstáculos administrativos. Finalmente, o voto, por um Congresso ignorante, do embargo das armas congelou 100 caças Curtiss P-39 e 215 bombardeiros Glen Martin, encomendados e já terminados. Os Estados Unidos exortam a França e a Inglaterra a destruir o hitlerismo; depois, encolhem-se em sua neutralidade, para lhes recusar qualquer assistência.

Entretanto, quando se somam as forças aéreas franco-britânicas, descobre- se que sua inferioridade global é menor do que se acreditará mais tarde, através da palavra dos soldados que juram jamais ter visto nos céus um único avião inimigo. A Inglaterra e a França disporão, no inicio da batalha de maio, de 3.450 aviões modernos, dos quais 1.730 para a França, contra cerca de 4.500 aviões alemães. Mas essa soma é uma operação mentirosa.

A maior parte dos caças britânicos, notadamente os mais modernos da época, os Spitfire, são reservados à defesa do Reino Unido e não intervirão nas batalhas do continente. Do lado francês, as formações de bombardeiros são muito fracas e, notadamente, o bombardeio de mergulho, no qual o Comando não acredita, só existe em amostra. Verificar-se-á , aliás, com estupor, que parte importante dos recursos aéreos franceses não foi usada e que o número de aviões disponíveis era mais importante a 24 de junho, data do armistício, do que a 10 de maio.

A maior inferioridade do Exército francês reside no cérebro de seus generais. O breviário do Comando, a Instrução sobre o emprego tático das grandes unidades, dizia, francamente, que a guerra a vir seria a continuação da guerra anterior. “O corpo de doutrina, fixado no dia seguinte ao da vitória, por chefes eminentes - diz a edição de 1937 -, deve permanecer a carta do emprego tático de nossas grandes unidades”. Em particular, não se deve ter ilusões quanto aos tanques: “A arma antitanque se ergue diante deles como, durante a última guerra, as metralhadoras diante da infantaria”. Se o inimigo tentar impor uma guerra de movimento, espera-se que ele seja posto fora de condições de realizá-las, diante do campo de batalha fortificado e das cortinas de fogo contínuo que se lhe oponham. Eis por que se deve encontrar certa lógica na recusa do Comando francês de insistir sobre as lições da campanha da Polônia. Para que lançar perturbação no espírito dos excitantes e criar uma dúvida sobre a excelência dos princípios que lhe pedem que aplique?

As idéias, porém, não faltaram. Desde 1921, aquele a quem chamavam o pai francês dos tanques, o General Estienne, traçava uma antecipação correta e precisa da guerra dos blindados, tal como os alemães a iriam fazer 20 anos depois. Por volta de 1930, inovadores tiraram o tanque do quadro exclusivo da infantaria e, após muitas sondagens, realizaram a divisão ligeira, mecanizada, que, filha da cavalaria, permaneceu um instrumento mais de exploração e de escaramuça do que de combate. Os três exemplares que existirão em maio de 1940 serão o que o Exército francês possuirá de melhor.

O debate mais ardente se desenrolou em torno do corpo blindado. O coronel De Gaulle, ao reclamá-lo, em 1935, em seu livro Vers L’armée de Métier, preconizou seis divisões blindadas, fortalecidas, cada uma, com 500 tanques, e capazes de, em caso de violação de tratados, levar imediatamente a guerra ao território inimigo. No dia 15 de março de 1935, Paul Reunaud levou a tese degalista à tribuna da Câmara. Mas os deputados assumiam o piedoso dever de ignorar os assuntos militares e de se entregarem cegamente à competência do Estado-Maior. Daladier, intérprete deste, não teve dificuldade em fazer com que fosse desaprovado o corpo blindado. De surpreendente, só houve a importância da minoria, que reuniu 124 votos

As reações dos adversários da arma blindada foram de um vigor épico. O velho companheiro de combate do homem, o cavalo, vira enfileirar-se a seu lado uma nuvem de hipófitos, opondo-se ao combustível exótico, à gasolina, o combustível nativo, a aveia. Demonstrou-se, utilizando uma experiência infeliz, que as grandes unidades mecanizadas pedidas pelos visionários eram de manejamento impossível, com milhares de veículos, em colunas de 100 km de extensão, enchendo as estradas. Refutando De Gaulle, um antigo professor da Escola de Guerra, o General Chauvineau, procurou a mais alta autoridade militar francesa, o marechal Pétain, para prefaciar um livro - Uma Invasão Ainda Será Possível? - com o qual respondia “não”. “Judeu errante condenado a andar sem parar, o tanque não poderia ser uma arma temível” - dizia Chauvineau. “O front contínuo - dizia Pétain - não é um acidente passageiro, do qual se possa desembaraçar- se como de um hábito nefasto”, e saudava, como “o melhor penhor da paz”, a possibilidade, para a França, de deter, com segurança, qualquer inimigo que tentasse violar suas fronteiras. Impresso na França, em abril de 1939...

As atas das discussões, no Conselho Superior de Guerra, sobre a criação de uma divisão blindada (29 de abril de 1936, 15 de dezembro de 1937, 2 de dezembro de 1938) trazem à luz o medo que tal inovação fazia nascer em um Alto-Comando conservador: o de ser despojado da direção da batalha, por uma formação que não mais se adaptaria ao fracionamento clássico das grandes unidades. “Que se passará - perguntava o General Dufieux - se a ação de vossa divisão blindada se estender a uma frente superior à de um corpo do exército?” Prudentemente, meticulosamente, o regulamento sobre o emprego dos tanques codificava seu estatuto de pessoal, especificava que este fazia “parte integrante do dispositivo da infantaria”, da qual os blindados eram apenas “um recurso suplementar” posto temporariamente à sua disposição, que uma ligação, “estreita e permanente”, era indispensável e que a melhor maneira de assegurá-la era “a subordinação das unidades de tanques aos chefes da infantaria”... Tais eram os princípios de um combate metódico e bem planejado, cuja direção se exercia com vagar e à distancia dos postos de comando colocados no vértice do leque, isto é, fora da zona do fogo. Tais eram os princípios que destruíam inovadores estouvados que chegavam a fazer com que os generais embarcassem em carros de comando blindado e até aviões, para apreciar o campo de batalha, como Bonaparte em Arcole! O título dado por De Gaulle a seu livro reforçou a oposição. Os velhos chefes viram-se relegados a comandar o exército das milícias, enquanto os novos chefes caracolavam à frente das forças motorizadas. Agarravam-se com todas as energias a seus batalhões de tanques, instrumentos poderosos e dóceis de uma guerra sensata.

 Apesar de tudo, após o esmagamento da Polônia, o Comando francês julga indispensável fazer qualquer coisa. No dia 16 de janeiro de 1940, ordena a criação de duas divisões blindadas. Cria uma terceira, a 20 de março. No espaço de algumas semanas, essas unidades mecanizadas pesadas, sobre as quais se discutiu inutilmente durante anos, saem do nada e alinham-se ao lado das DLM, para constituir o que se assemelha ao corpo de batalha blindado reclamado pelos heréticos de antes da guerra. Mas o espírito, a organização, os objetivos são diferentes. As divisões blindadas francesas não são instrumentos de decisão e de exploração estratégica, como as Divisões Panzer de Guderian: são instrumentos de contra-ataque, destinados a restabelecer a continuidade das frentes.

Nascido na véspera, o Exército alemão brota e cresce. No GQG francês, o oficial encarregado de manter em dia a ordem de combate inimiga, o capitão Glain, de tanto enumerar novos corpos de tropa, faz com que o acusem de alucinações. No entanto suas avaliações são notavelmente exatas, uma vez que, para a data de 10 de abril, ele assinala, na frente oeste, 137 divisões alemães, para um total real de 136 e meia. Do lado francês, ao contrário, as organizações de inverno se reduzem a pouca coisa: as DCR, uma DLM suplementar, 2 DI, 2 DINA, duas divisões polonesas. A Alemanha tira forças de um reservatório de efetivos ainda abundantes - enquanto a França, virtualmente, já convocou todo o seu material humano.

O reforço mais considerável recebido por Gamelin é, ainda, o reforço britânico. De 4 divisões, em setembro, a BEF (British Expeditionary Force) atingirá, em maio 11 divisões e um total de 394.195 homens. É mais do que Sir John French levou a Joffre em 1914, mas muito menos do que Sir Douglas Haig pôs à disposição de Foch, em 1918. O esforço militar dos dois aliados continua desigual: a França mobiliza 1 habitante em 8; a Inglaterra, 1 em 40.

A BEF ocupa um setor a leste de Lille, entre Maulde e Halluin. O QG é em Arras. A questão do comando único, tão espinhosa durante a Primeira Guerra, foi acertada, sem dificuldade, tendo o General-Visconde Gort, espontaneamente, aceitado colocar-se sob as ordens de Gamelin. Gort, o otimismo personificado, não cessa de enviar a Londres satisfatórias prestações de contas, mas seus dois lugar-tenentes, Sir John Dill e Alan Brooke, têm olho mais crítico. No diário íntimo que escreve para a Senhora Brooke, o segundo não cessa de anotar os sinais de relaxamento que verifica no Exército francês. Exemplo: “Convidado pelo 9° Exército, por Corap, estou chocado com o espetáculo das tropas que fizeram desfilar diante de mim. Homens não barbeados, cavalos mal cuidados, uniformes e selas mal ajustados, veículos sujos e completa ausência de espírito militar. Ao comando de “olhar para à esquerda” é a muito custo que um homem, aqui e ali, se ao trabalho de obedecer”... Por outro lado, as refeições que lhe são oferecidas nos QG franceses o sufocam. “31 de outubro.

Almoço com champanhe. Permanecemos na mesa até as 15 horas. Ostras, lagostas, frangos, patê de foi gras, faisões, queijos, sorvetes, frutas, licores, etc. Essas comilanças me desarranjam o estômago e me atrapalham o trabalho”...

Última e gravíssima fonte de inferioridade francesa: a organização do Comando. Não existe, na França, nada de análogo à centralização que o OKW e o temperamento de Hitler dão à Alemanha. A URSS, quando entrar em guerra, gozará de uma concentração análoga de poderes, nas mãos do General Stalin. A Inglaterra e os Estados Unidos terão cabos de guerra onipotentes, uma, graças à personalidade dominadora de Churchill; a outra, graças à Constituição dos Estados Unidos, que faz do Presidente o real comandante-chefe dos exércitos. Apenas a França escapará a essa regra de salvação pública.

Existe um Ministério da Defesa Nacional: não é outra coisa senão o velho Ministério da Guerra, rebatizado. Existe um chefe do Governo, Edouard Daladier; a idéia de que ele poderia, como Hitler e Roosevelt, exercer pessoalmente o comando supremo é contraditória dentro das concepções francesas. Existe um General Gamelin: seria preciso que ele fosse um mestre em casuística militar para se reconhecer em suas atribuições. Chefe do Estado-Maior da Defesa nacional, deveria ter sob suas ordens os três ramos das forças armadas. Não é o caso: a Marinha e a Aeronáutica são independentes e ciosas de assim se conservarem. Comandante- chefe das forças terrestres, ele poderia, como Joffre, em 1914, ser o único chefe, na frente principal, o Nordeste. Não é o caso: o comandante-chefe do Nordeste é o General Georges. Georges deveria, então, ser o patrão, em seu teatro de operações. Ainda não é o caso: Gamelin se reservou toda a movimentação de oficiais-generais e mantém com os subordinados de Georges relações diretas, incompatíveis com os princípios da hierarquia. O Exército francês tem dois comandantes-chefes - quer dizer, não tem nenhum.

A confusão estende-se aos estados-maiores. Desde janeiro de 1940, o de Georges e o de Gamelin se divorciaram, ficando um em La Ferté-sous- Jouarre e o outro disseminando-se em torno de Meaux. O próprio Gamelin se estabeleceu no Forte de Vincennes, às portas de Paris, ao lado do perigo, isto é, do Governo, do Parlamento e dos salões políticos. Lúgubre permanência. As casamatas do velho forte suam salitre e tédio. As valas viram passar os fuzilados de todos os regimes, desde o Duque de Enghien até Mata Hari. Mas o Forte de Vincennes não tem posto de rádio nem mesmo um pombal, numa época em que as belas inteligências militares francesas acreditavam em pombos- correio. A proposta de utilizar o teletipo faz que se pergunte ao oficial que a apresenta se ele toma as ordens militares como se fossem resultado de corridas de cavalos. Vai ser medido, no mês de maio o que são o isolamento, a ignorância, a impotência do homem que o povo francês pensa que comanda seus exército.

Gamelin: muitos daqueles que dele se aproximaram suspeitaram que, sob suas maneiras um pouco suaves, ele conhecia a verdade; que estava consciente da esmagadora superioridade alemã e que, considerando qualquer recuperação impossível, refugiava-se no fatalismo, diluindo suas responsabilidades. Mas, mais vencido do que Bazaine, nada mais tendo a salvar, repelirá essa interpretação, indulgente, em suma. “Confesso: eu acreditava na vitória”... Contestando-lhe o caráter, concedia-se-lhe inteligência. Espontaneamente, ele renuncia. Desgraçadamente, já não era possível acreditar na vitória - a não ser por insuficiência de informações ou fraqueza de discernimento.

Mechelen-Sur-Meuse: Uma aterragem forçada detém a ofensiva de Hitler

Bruma e regelo. Um 10 de janeiro glacial. O Mosa está gelado. Os soldados belgas, de um posto de fronteira, perto de Mechelen, aquecem-se em uma barraca de madeira. O ruído de um avião, voando baixo, faz com que se precipitem para fora. O avião mergulha atrás de uma fila de árvores, que lhe arrancam as asas. O motor encrava-se numa sebe. Um homem, de longo sobretudo cinza, olha estupefato os destroços.

Atrás da sebe, sobe um fio de fumaça. Um outro homem de sobretudo cinza queima papéis. Os soldados acorrem, atiram para o ar, dominam o homem, apagam as chamas dos papéis.

Esse papéis ainda voltarão ao fogo. Na barraca para onde é conduzido, o homem aprisionado - o major Reinberger, da ativa do Exército alemão - arranca-os das mãos do capitão-comandante Rodrigo e joga-os a um fogareiro. Rodrigo os retira de lá, queimando as mãos. O alemão agarra a pistola do oficial belga e leva-a à têmpora. Imediatamente desarmado, bate a cabeça contra a parede, dizendo que está desonrado e que o deixem suicidar-se. Um outro alemão, Hoenmans, major da reserva, cala-se, fleumaticamente.

A história é a seguinte: violando todas as senhas de segurança, o major Reinenberg, da 7ª Divisão de Pára- quedistas, usa o avião de ligação, pilotado por Hoenmans, para voltar a Colônia, depois de cumprir missão em Munster. O avião perdeu-se e, sem gasolina, aterrou onde pôde. Os documentos ultra-secretos que Reinberger trazia estão agora em mãos a que não as destinavam!

No dia seguinte em Vincennes, o adido militar francês chegado de Bruxelas, entrega ao General Gamelin uma nota do General Van Overstraten, conselheiro militar do rei. A nota resume, em uma dezena de folhas, a parte salva dos documentos de Mechelen. Planeja-se grande ofensiva alemã. Desta vez, envolvendo a Holanda, que deve ser invadida; as Ardenas belgas, através das quais vários itinerários estão traçados; as passagens do Mosa e do Sambre, que devem ser tomadas, por meio de desembarque aéreo, pela 7ª Divisão aerotransportada. Falta a data da execução - o dia D - mas os belgas têm a convicção de que é iminente.

Todos os problemas da intervenção franco-britânica na Bélgica ali se encontram, bruscamente colocados.

O início dessa intervenção foi admitido para 24 de outubro, pelo comando francês. Nessa data, apenas se cogitava de ir até o Escalda, a fim de exercer ação retardadora sobre as colunas alemães, em marcha para atacar as fortificações da fronteira francesa. Mas depois, os alvos se alargarão. O Exército belga se reforçava. Sérios trabalhos de fortificação estavam em curso. Crescia a esperança de ver os belgas oporem ao invasor mais do que uma resistência simbólica. Portanto, por que não enfrentar outra coisa além de uma simples ação retardadora? Por que não entrar na Bélgica, com intenção de ali se estabelecer? As vantagens seriam múltiplas.

Morais: indo em socorro dos belgas, os franceses e os ingleses poriam fim à tradição de abandonar as pequenas potências que haviam inaugurado com a Checoslováquia e continuado com a Polônia. Econômicas: seriam salvas preciosas regiões industriais, na Bélgica e no Norte da França. Estratégicas: afastava-se da Inglaterra a ameaça aeronaval e, aproximando-se do Ruhr, dava-se importante passo em direção ao arsenal do inimigo. Além disso, o acréscimo de 20 divisões belgas anularia a inferioridade numérica sob a qual os Aliados vinham combatendo.                  

Mas as contra-indicações não devem ser desprezadas. A marcha na Bélgica faz com que o Exército franco- britânico saia das fortificações, do campo de batalha preparado, nos quais trabalha desde o outono. Expõe-no (nas planícies belgas, favoráveis aos Panzer) àquilo que os regulamentos franceses execram: uma batalha de choque. Responde-se, certamente, que não se trata de tal heresia. Trata-se unicamente de deslocar para a frente a batalha defensiva, para receber o assalto inimigo fora do território nacional. Mas haverá tempo de abrir trincheiras, estabelecer antitanques, colocar a artilharia em posição, acertar os planos de combate? Os comandantes das grandes unidades interessadas calculam que sejam necessários de 8 a 15 dias para realizar uma organização defensiva que apresente alguma solidez. Poder-se-ia contar com isso?

A resposta depende de dois fatores: a posição escolhida e o gênero de cooperação que os belgas darão aos Aliados.

A mais próxima posição é a do Escalda. A manobra para alcança-la é relativamente segura e curta. O inimigo está longe e bastará fazer girar, em torno de Mauld, a extrema esquerda do dispositivo.

Mas essa solução é fraca. Abandona, ao inimigo, Bruxelas e a maior parte da Bélgica. Além disso, o Escalda é mau obstáculo. As embarcações são ali tão numerosas que, mesmo afundadas, formarão, por toda parte, passagens utilizáveis pela infantaria.

As vantagens e os inconvenientes da outra solução extrema, o canal Albert, são inversas. Num salto, pode-se chegar à vizinhança da fronteira alemã. Não se sacrificará um mínimo da Bélgica. A instalação será na melhor trincheira antitanque da Europa: nível de água largo e profundo, margem talhadas a pique, fortificações permanentes, apoiadas nos campos de trincheiras de Antuérpia e de Liege. Em compensação, as tropa aliadas deverão percorrer cinco vezes mais de caminho do que as tropas alemães - para atingir o canal.

Entre estas duas soluções extremas, uma intermediária amadurecia. Esboçada a 5 de novembro, foi acertada no dia 14, na Instrução pessoal e secreta n° 8, dirigida por Gamelin a Georges. As tropas aliadas iriam se estabelecer em uma linha Antuérpia-Louvain-Wavre-Namur. Recolheriam o Exército belga em retirada após travar, no canal Albert, um combate retardador. A posição pode ser guarnecida, em dois dias, pelas divisões motorizadas e, em 4 dias, pelas divisões pedestres. Para ajudar os belgas e retardar o desembarque dos alemães, seria lançado à frente o corpo de cavalaria, 2 DLM, comandado pelo General Prioux. Tem-se, razoavelmente, o direito de esperar uma semana de trégua, isto é, o adiamento necessário a um mínimo de organização do terreno.

As vantagens são incontestáveis: defende-se Bruxelas e a frente é encurtada de 70 km em relação à hipótese “Escalda”. O inconveniente principal é a fraqueza dos obstáculos naturais. O afluente do Escalda, o Dyle, que os ingleses deverão defender, é um rio medíocre, que se subdivide em muitos braços e é atravessado por não menos de 120 pontes. De Wavre, onde termina, até Namur, as extensões mal escavadas de Hesbaye e a passagem de Gembloux não são interrompidas por nada que possa pregar no solo a ossatura de uma resistência.

É verdade que os belgas foram chamados a cavar um fosso antitanque contínuo, e eles erguem, como uma defesa medieval, uma barreira de grades metálicas, pontiagudas, ditas “elementos de Cointet”. Mas recusam- se a dar a mínima informação sobre a localização e o grau de avanço de seus trabalhos. Comunicaram, confidencialmente, aos franceses e ingleses que, se fossem atacados, lhes pediriam socorro. Até então a neutralidade lhes impunha o dever de tudo ocultar a seus aliados virtuais.

O problema holandês enxerta-se no problema belga. Deve-se prever que o milagre de 1914 não se renovará e que a Holanda será englobada na ofensiva alemã. A Instrução de 14 de novembro prevê que os holandeses serão socorridos, que, se possível, será tentada a ligação de seu exército às forças belgas no canal Albert ou no Escalda. Posteriormente, elabora-se um plano. Serão ocupadas as ilhas zelandesas de Beveland e de Walcheren. A operação virá de Antuérpia e, por Breda ou Tilburg, será tentada a ligação entre o reduto nacional, o triângulo Amsterdã-Haia-Roterdã e as posições gerais da coligação. Todo um exército francês, o Exército, comandado pelo ardente Giraud, se encarregará dessa missão.

Assim, quando se realizar o acontecimento que ele espera e deseja - o ataque alemão - Giraud só enfrentará uma dificuldade: a da escolha entre as forças. Hipótese “canal Albert”, se as coisas se apresentaram pelo seu lado melhor; hipótese “Escalda”, se se apresentaram pelo pior; hipótese “Dyle”, no caso mais provável. E, ainda: acrescentadas às três outras, a marcha sobre a Holanda, hipótese “Breda”...

A conseqüência comum dessas diferentes hipóteses é lançar de chofre em combate a totalidade das forças móveis, a massa de manobra do Exército francês. O 7° Exército era o único em reserva: foi expedido para a Holanda. O Corpo de Cavalaria, inteiramente mecanizado, era, por excelência, o elemento de réplica a uma penetração dos blindados alemães: tomam-lhe uma DLM para a Holanda e enviam as duas outras a Tongres e a Hannut, apara retardar a abordagem da posição Antuérpia- Namur. A mesma coisa, em relação às divisões de infantaria motorizada: seis, em sete, estão em serviço desde o primeiro dia. A estratégia francesa, abandonando a iniciativa ao inimigo, funda-se na réplica aos ataques - e são os processos dessa réplica que seu comando aliena desde o primeiro dia!

Numerosas objeções são levantadas. A maior parte dos comandantes das grandes unidades é contrária à idéia de uma entrada na Bélgica. “Quando nos expuseram a manobra Dyle - dirá La Laurencie, comandante do 3° CE - só um pensamento nos ocorreu, a todos: Deus queira que jamais tenhamos que executá-la...”Apesar dos interesses que para eles representa a conservação das coisas do mar do Norte, os ingleses são ainda mais hostis: “A menos que a atitude dos belgas se modifique - diz seu Comitê de chefes do Estado-Maior - pensamos seriamente que o ataque alemão deve ser recebido nas posições preparadas da fronteira francesa...”

Ora, a atitude dos belgas não se modifica. Em setembro de 1939, temendo um ataque vindo do Ruhr, através de seu país, eles haviam voltado contra o território francês dois terços de suas forças. Progressivamente, invertem a proporção temendo, porém, que uma imprudência forneça à Alemanha um pretexto para atacá- los. A fronteira francesa está coberta de barricadas. Todo contato de estado-maior é recusado. Se o Exército francês entrar na Bélgica, ele o fará às cegas, nas piores condições dessa batalha de segunda mão que seu comando exorciza. Quanto à esperança, várias vezes acariciada, de serem chamados, preventivamente pelos belgas, e de preceder, assim, à irrupção alemã, os mais otimistas renunciaram a ela.

Mas, em pleno inverno, a aterrissagem forçada de Mechelen-sur-Meuse a faz renascer!

Os documentos encontrados não deixam lugar para dúvidas. A violação da neutralidade belga está sendo premeditada pelo Comando alemão. Os belgas são forçados a apelar para os franceses e para os ingleses. Eles a consideram, uma vez que pedem a Paris e a Londres a garantia de que a Bélgica e o Congo Belga serão integralmente restaurados, ao fim das hostilidades. Os ingleses mostram-se reticentes. Ao contrário dos franceses, que pressionam. “Qualquer hora perdida pode ter pesada conseqüências”- manda dizer Gamelin ao Governo belga. Revela, ainda, que “sente uma desilusão a apertar-lhe o coração”, quando seu adjunto, Georges, lhe telefona dizendo que refletiu e se pergunta se não valeria mais a pena aconselhar os belgas a não apelarem para os franceses.

O sinal de alerta é dado. As tropas unem-se na fronteira. O inverno as assalta. Bruma, neve, frio rigoroso. Os homens, os animais e os motores sofrem. Mas os belgas retiraram suas barreiras de estradas e voltam para leste as tropas de vigilância. Na noite de 13 para 14 de janeiro, seu adido militar, General Delvoie, apresenta- se no Forte Vincennes, levando uma mensagem do rei: “Prevenir ao general que o ataque é quase certo, hoje, domingo, 14 de janeiro...”Gamelin responde que só espera um sinal, mas que devem apressar-se, porque não lhe é possível deixar suas tropas expostas às intempéries.

Enquanto isso, Hitler espumava de raiva. “Assisti - contou Keitel - à mais bela tempestade jamais vista em minha vida...”A ofensiva, na qual uma parte do Estado-Maior francês se recusava a crer, havia sido inteiramente ordenada, não para o dia 14, como os ingleses acreditavam, mas 17 de janeiro. Hitler aceitara o handicap das curtas jornadas, em troca de um frio que consolidava o terreno, gelava os rios e aumentava suas possibilidades de surpreender o inimigo. Foi preciso dizer-lhe que dois estúpidos aviadores haviam aterrado na Bélgica, com planos que revelavam seu projeto. A sombra de execuções capitais surgiu. As famílias de Reinberger e de Hoenmans foram presas e submetidas à inquisição da Gestapo. O General-do-Ar Felmy, comandante da 2ª Frota Aérea foi destituído. O próprio Goering tremeu em seus alicerces. Depois, mais calmo, Hitler examinou a situação. Devia-se manter a ofensiva? Devia-se adiá-la? Tudo dependia de uma questão: saber se os aviadores haviam ou não, destruído os papéis de que eram portadores.

De Bruxelas, chegava o adido alemão da Força Aérea, General Von Wenningen. Os belgas o haviam autorizado a entrevistar-se com os dois aviadores de Mechelen. Haviam dissimulado um microfone no parlatório da gendarmaria de Etterbach, onde a conversa se realizara. Ouviram Reiberg dar a sua palavra oficial de que todos os documentos dos quais era portador haviam sido destruídos. Wenningen levou ao Fuhrer esse perjúrio. Mas outra informação chegou: o serviço alemão de contra- espionagem registrava que a 9ª e a 25ª divisões motorizadas francesas estavam reunidas na fronteira, e que os belgas retiravam as barricadas das estradas. O segredo fora revelado! Todavia, com uma brusca ofensiva, ainda se podiam esperar grandes resultados. Hitler consultou os meteorologistas: eles declararam que o bom tempo, que haviam prometido, faltara ao encontro. A neve começara a cair com abundância, tornando impossíveis as operações aéreas. Hitler inclinou-se, de novo, diante do céu. A ofensiva foi transferida sine die.

Foi a neve, igualmente, que influiu sobre a decisão belga. No dia 15, o chefe do estado-maior Van den Bergen declarou ao adido militar francês que a nevada tornava muito improvável uma ofensiva. Mas, em conseqüência, isso obrigaria a recolocar as barreiras de estrada e renovar às tropas a ordem de se oporem, pela força, a qualquer tentativa dos exércitos franco-britânicos de entrar na Bélgica. No mesmo dia, o rei comunica que não podia assumir a responsabilidade de abrir preventivamente o território de seu país.

As tropas francesas regressaram a seus acantonamentos. Hitler ou Manstein? A origem do Plano Sedan

Se a ofensiva alemã fosse desencadeada na data de 17 de janeiro de 1940, não seria exatamente idêntica à que deveria ser lançada quatro meses depois. Mas já diferira de maneira considerável da que Hitler havia ordenado para 7 de novembro de 1939. Nascia a idéia da manobra do Sedan.

É discutida a paternidade dessa manobra de Sedan. Geralmente, admite-se que foi imaginada pelo General Erich von Manstein, submetida a Hitler e por ele adotada. O estudo dos documentos e o confronto das datas não permitem acolher essa explicação. Não há dúvida de que a Manstein se deve a idéia do plano. Mas ele não teve a possibilidade de submetê-la a Hitler, que, por sua vez, só tomou conhecimento dos pensamentos do general em uma época em que já ditara todas as disposições essenciais da manobra. “Ele era - dirão Keitel e Jodl, no processo de Nuremberg - muito dotado para a estratégia”. O próprio Manstein, menos categórico de que seus partidários, admite que o pensamento de Hitler tivesse podido seguir uma marcha rápida paralela ao seu e que não estava certo de ter sido seu inspirador. O assunto foi estudado pelo general francês Koeltz, em seu livro Como Foi Jogado Nosso Destino. Atribuindo o papel mais belo a Manstein, cujos talentos militares são indiscutíveis, Koeltz estabelece que o autor efetivo do plano de Sedan fora o cabo Adolf Hitler.

Chefe do estado-maior do grupo de exércitos de Rundstedt durante a campanha da Polônia, Manstein voltou ao Oeste nas mesmas funções. Seu QG é em Coblença em uma velha pracinha, onde foi respeitado um monumento levantado pelo prefeito do Reno e Mosela, Lezay Marnesia, comemorativo da passagem do Imperador Napoleão, de partida para Moscou. Nunca se encontrou com Hitler e, se bem que não estivesse ligado à conjuração militar, seus sentimentos em relação ao Nacional- Socialismo são os mesmos de sua casta. Ele próprio, aliás, não é estimado por seus pares, por alardear sua inteligência e sua capacidade.

No fim de outubro, chegam as instruções do OKH (Alto-Comando do Exército), para execução da ofensiva prescrita pelo Fuhrer. São adaptadas aos objetivos modestos, definidos na Instrução do dia 9: conquistar a costa belga, tendo em vista operações aeronavais contra a Inglaterra.

O General von Manstein fica chocado com a mediocridade dessa concepção. Isso se assemelha à de Schlieffen, pela amplitude da manobra de envolvimento e pela força da ala direita, mas não é a de Schlieffen, uma vez que o objetivo é uma conquista territorial e não o aniquilamento do inimigo. Schlieffen, cuja manobra foi enfraquecida pelo Moltke de 1914, previa atingir o baixio do Sena, para agarrar, envolver e capturar o Exército francês. Schlieffen, recuperado por Brauchitsch, visa, quando muito, à conquista dos portos do mar do Norte. O papel do grupo Rundstedt (grupo A) é secundário, nesse esquema. Com dois exércitos e uma só divisão blindada, ele atacará em direção ao Mosela - mas apenas para cobrir e facilitar a manobra do grupo B.

No dia 31 de outubro, Manstein reage. Faz com que Rundstedt marque duas contraproposições. A primeira sugere o abandono da ofensiva: em lugar de atacar, o Exército alemão se fará atacar, exasperando a Inglaterra com bombardeios aéreos - e, depois, esmagará o inimigo, saído de suas fortificações. A segunda contraproposição aplica-se ao caso em que seja mantida a ofensiva: Manstein pede o reforço do grupo A, às custas do grupo B. Para este, três exércitos devem ser suficientes às tarefas que lhe estão determinadas. Em plano de igualdade, com três exércitos, o grupo A poderá sair de seu simples papel de guarda-flanco. “Se o inimigo cometesse o erro improvável de concentrar suas forças na Bélgica - diz Manstein -, o grupo A, poderia deslocar um de seus exércitos na direção do Somme”. Ele contra-atacaria no flanco do contra-ataque, em lugar de se limitar a contê- lo. Não é, ainda a manobra de Sedan, a penetração fulgurante pelo Mosa, o assalto-relâmpago até o mar. Aliás, Manstein não tem ilusões. Seu memorando é, regularmente, dirigido a Brauchitsch, do qual não espera nem compreensão, nem cooperação. Na verdade, nenhuma resposta lhe chega.

Rundstedt, que ele lança contra Brauchitsch, obtém, penosamente, após discussão tempestuosa, o acréscimo, a seu grupo de exércitos, de uma segunda divisão blindada, antecipadamente tiradas das reservas do OKH. Mas nada mudou em sua missão.

No dia 12 de novembro, houve um lance teatral. Chega ao estado-maior do grupo A seguinte nota: “O Fuhrer e comandante supremo ordena o seguinte: “Um terceiro agrupamento será constituído, rapidamente, na ala sul do 12° Exército. Será utilizado na zona não arborizada, que se estende, de um lado a outro, de Arlo- Timtigny-Florenville. Compreenderá o 19° CE, a 2ª e a 10ª Panzer, uma divisão motorizada, a Leibstandarte, e o Regimento Grossdeutschland”.

A missão determinada ao grupamento é a seguinte: “Em Sedan, ou no sudeste de Sedan, conquistar de surpresa a margem oeste do Mosela, a fim de criar condições favoráveis ao prosseguimento das operações”.

Mas novamente, ainda não é a manobra Sedan. Aproxima-se dela, porém. O 19° Corpo de Exército é comandado por Guderian, o mais experimentado, o mais empreendedor dos condutores das grandes unidades blindadas. Seu ligamento ao grupo A é um passo decisivo em direção à transferência do centro de gravidade nas Ardenas. Pela primeira vez, a idéia de uma ofensiva-surpresa e de seu ponto de aplicação, Sedan, aparecem em ordem de operações. O que falta, ainda, é a exploração, é a distribuição dos blindados, nas planícies do Norte da França, é a incursão da cavalaria mecanizada que desarticulará o Exército francês em alguns dias...

Para Manstein, a questão que se apresenta é a de saber onde o Fuhrer havia encontrado sua inspiração. Não a atribui a seu memorando de 31 de outubro, que, ele sabe, não atravessou a barreira do OKH. Mas o comandante do 16° Exército, o General Busch, fora recebido por Hitler, alguns dias antes - e teria sido possível que lhe comunicasse as concepções que nasciam em Coblença. É possível, também, admite Manstein, que Hitler tenha tido a idéia por si só (“Ele possuía um golpe de vista tático e meditava muito sobre os mapas...”) Condescendência do profissional para o amador.

Com efeito, Busch em nada influiu na decisão de 12 de novembro. Sabemos, por testemunhos de Keitel e de Jodl, que Hitler fez, diante do plano do OKH, a mesma reflexão que Manstein: “Eles calçaram as botas de Schlieffen...”Voltando ao problema, meditando sobre os mapas, tentou arrancar-lhe ao encantamento que a grande estratégia de Gulherme II exercia sobre o pensamento militar alemão. A junção de Guderian a Rundstedt é a sua primeira reação contra a preponderância da ala direita. Além disso, e para o caso de que a surpresa de Sedan produzisse grandes resultados, faz estudar a transferência, em curso de operações, de todas as divisões blindadas do grupo B para o grupo A. Trabalhava-se o espírito a idéia de uma brecha no dispositivo francês, de uma batalha ganha pela ruptura do centro. Do seu lado, Manstein multiplica as lembranças: 21 a 30 de novembro, 6 a 18 de dezembro, 12 de janeiro. As perspectivas de uma penetração pelo centro lhe pareciam cada vez mais sedutora. Inova, em relação a uma estratégia fundada no enrolamento das alas, sobre o famoso esquema da batalha de Cannes, que, após 23 séculos, ainda coloca os generais alemães na escola de Aníbal. Desse fato mesmo, ele comporta um elemento de surpresa. Um outro elemento, esse de surpresa tática, é a natureza da Ardena, falsamente apresentada como impenetrável aos tanques. Hitler meditou bastante sobre os mapas, quando reconheceu que as grandes clareiras de Arlon, de Tintigny e de Florenville permitiam atingir o Mosela sem encontrar obstáculos das altas árvores. Por sua vez Manstein aperfeiçoa a manobra e, sem poder suspeitar que os franco- britânico se farão cercar estupidamente na Bélgica, vê cada vez mais claramente a possibilidade de atingir as embocaduras do Somme, em linha direta. O que não é verdade é que ele tenha inspirado Hitler: ainda não o encontrara e, segundo todos os testemunhos dos oficiais do OKW, Jodl, Warlimont, Losseberg, nenhum de seus memorandos jamais chegou à mesa do Fuhrer.

 De resto, acabava-se o tempo de estado-maior de Manstein. Em 9 de fevereiro, ele é nomeado comandante de um novo corpo de exército, e regressa à Pomerânia, para organizá-lo.

Manstein parte e a elaboração do plano de Sedan prossegue. No dia 13 de fevereiro, Jodl anota, em seu diário, que o Fuhrer reabre a questão do centro de gravidade, fazendo observar que, em zonas secundárias, se empregam blindados em demasia: “Vão fazer falta ao 16° ou ao 12° exércitos. É necessário dirigi-los para Sedan. O inimigo não está esperando, lá, nosso esforço principal”. De acordo com essas diretivas, o OKH, refunde, mais uma vez, seu dispositivo. Junta ao Grupo A três novas Panzer, as 1ª, 5ª e 9ª, Bock, que contava com essas divisões na proporção de 9 em 10 no plano primitivo, só conserva três. Rundstedt, que só tinha uma, agora tem 7, das quais 5 diretamente situadas diante de Sedan. Além disso, o 4° Exército (Von Kluge) é retirado de Bock, para ser colocado sob seu comando. “Chegamos a ter - anota Jodl - ao sul de Liege, três vezes mais forças do que no norte”.

Foi nesse momento, a 17 de fevereiro, que Manstein, enfim, vê Hitler. Foi convidado a ir à nova Chancelaria, com os novos comandantes de corpos, Geyr von Schweppenburg, Schmidt, Reinhardt, Glumme, mais Rommel e, naturalmente, Jodl e Keitel. Depois do jantar, Hitler detém Manstein e, conduzindo-o a uma sala vizinha, pede-lhe seu ponto de vista sobre a conduta da ofensiva contra a França. “Manstein - relata o diário de Jodl - diz que a decisão não está à oeste do Mosela, mas no próprio Mosela, na região de Sedan- Charleville. Mas é preciso ter, ali, grandes forças blindadas, ou, então, nada. Tudo quanto for deixado para trás não chegará ao campo de batalha em tempo útil...”Relatando a entrevista, em seu livro Verlorene Siege, Manstein dirá: “Não sei se Hitler tinha ou não conhecimento de nosso plano, mas devo dizer que ele penetrou em nossas idéias com uma rapidez surpreendente...”O que lhe era possível, tanto mais que vivia, há dois meses, com idéias idênticas e acabava de dar, na antevéspera, as últimas ordens para a sua aplicação.

O plano Sedan amadureceu. É preciso, então, cuidar com esmero de sua execução. As dificuldades são formidáveis. A travessia da Ardena está eriçada de obstáculos. As estradas são poucas, estreitas e tortuosas. As divisões blindadas e motorizadas representam colunas imensas. É preciso escalonar as tropas, superpor várias unidades sobre um mesmo itinerário, fixar os prazos de escoamento rigoroso, remover tudo quanto não for essencial nos caminhos florestais. O mínimo erro, a mínima resistência, o menor bombardeio aéreo podem criar, no meio dos bosques, indizíveis confusões, à saída das quais só chegarão ao Mosela elementos dispersos. Por isso, chega-se a perguntar se não é uma perversão de espírito a escolha de uma pista de javali para atacar o Exército francês, quando as planícies abertas e firmes de Brabante parecem ter siso criadas para os combates de tanques!

A um Kriegspiel do dia 15 de março, Von Bock explode: “Os senhores deslizam a 15 km da Linha Maginot e pensam que os franceses vão contentar-se em olhá-los! Enovelam seus blindados nos raros caminhos da Ardena e esquecem-se de que a aviação foi inventada! Imaginam que podem transpor o Mosela em um dia e que podem correr até o mar com um flanco exposto em 300 km. Que fariam se fossem imprensados entre a fronteira e o corte do rio?... ou se os franceses não entrarem na Bélgica?...ou se eles deixarem os senhores atravessarem o Mosela, com parte de suas forças, para contra-atacá-los com todos os seus recursos reunidos? Acreditem-me! Os senhores estão sonhando!...”

Bock, destituído do papel principal, pode ser suspeito de amargura. Mas o próprio comandante do grupo A, Rundstedt, está inquieto: “Meu pequeno Gamelin é hábil, não se esqueçam!...”O excelente soldado clássico que é Halder pede que ao menos parem no Mosela, para permitir à infantaria unir-se aos blindados e para preparar um ataque geral organizado. Jodl, general doméstico, ardente admirador de Hitler, aliás sinceramente seduzido pela simplicidade genial da manobra, faz questão, não obstante, de salvar suas responsabilidades. “Remeto ao Fuhrer uma informação na qual sublinho que o avanço sobre Sedan é um atalho secreto, no qual se pode ser surpreendido pelo deus da guerra...”O único dos executantes que demonstra imperturbável confiança é Guderian. Ao Kriegspiel no dia 15 de março, ele expõe como atravessará o Mosela em cinco dias. “Que vai fazer, sem seguida?”- pergunta-lhe Hitler. - “A menos que haja uma ordem em contrário, continuarei, no dia seguinte, em direção ao oeste. A única coisa que peço ao Comando é que ele me diga que direção devo tomar: Amiens ou Paris...”

Os preparativos terminam, Hitler planeja, pessoalmente, os golpes retumbantes que, caindo ao norte do campo de batalha, desviarão, desse lado, a atenção do Comando inimigo. A 7ª Divisão de Flieger não será lançada sobre a passagem do Mosela e do Sambre, como devia ser, de acordo com os planos perdidos em Mechelen: cairá sobre a Holanda, o canal Albert, as fortificações de Liege. Simples capitães transpõem as portas de bronze da nova Chancelaria e estudam com o Fuhrer como se abaterão sobre a ponte de Vroenhoven e como descerão, em planadores, sobre as superestruturas do Forte de Eben Emael, enquanto, o mais misteriosamente possível, na floresta ardenense, cúmplice, os Panzer deslizarão em direção a Sedan.

A primavera chega. Na frente da Lorena, onde os brotos sucedem às longas neves do inverno, a atividade militar também decresceu. A tradição alemã é desfechar as operações ofensivas bem no início do ano: 21 de fevereiro de 1916 em Verdun, 21 de março de 1918, no Somme... O GQG francês conclui, disso, que o ataque não ocorrerá. A Alemanha não quer correr o risco de se despedaçar de encontro ao rochedo do Exército francês. A esquisita guerra torna-se, cada vez mais, uma paz superarmada...

Esta constatação engendra uma decepção. Todos os testemunhos são unânimes: Gamelin deseja o ataque, na sólida convicção de que, naquela fase da guerra, a defensiva o leva à ofensiva e ele não deterá, de uma só vez, a corrida alemã na sua frente contínua. “Darei - diz - um bilhão de francos para ser atacado” Considera, com inquietação, ter de passar toda a primavera e todo o verão de 1940 com um imenso exército imóvel, devorado pelo tédio.

A verdade insuspeitada é que Hitler acaba de fazer uma escolha, dando às ilusões francesas dois meses de sursis. Tendo hesitado e mudado de opinião várias vezes, ele decidiu, finalmente, a 3 de março, fazer passar o Exercício Weser (Weserrubung), antes do Plano Amarelo (Fall Gelb). Em outros termos: a conquista da Noruega, antes da execução da França. A guerra vai fazer um desvio pelo círculo polar antes de voltar a seu encontro de Sedan.

9 de Abril de 1940: A Alemanha ataca a Noruega

Na Finlândia, o mês de janeiro fora marcado por um ritmo mais lento das hostilidades. Os finlandeses, esgotados pelas vitórias, tomavam fôlego. Os russos acumulavam poderes consideráveis e voltaram a seu plano primitivo: o rompimento da Linha Mannerheim.

A ofensiva desencadeou-se no dia 1 o de fevereiro. Visava Viborg, pilar oriental da defesa do istmo da Carélia. A artilharia representou o papel principal, martelando as posições finlandesas por concentrações idênticas às das batalhas de material, que haviam caracterizado a guerra anterior. A defesa finlandesa foi soberba. O Comando russo contava conquistar Viborg no terceiro dia; a 1 o de março, arrastava-se ainda, diante da cidade, enquanto duas divisões que tentavam contornar o lago Ladoga eram destroçadas. Contudo, o Exército finlandês atingia os limites do esgotamento. Havia perdido 20% de seus efetivos. Nenhum revezamento era possível, pois todas as unidades estavam em linha para conter o avanço de um inimigo três vezes superior em numero. A fadiga arrancava as armas das mãos dos combatentes.

Na França e na Inglaterra as discussões continuavam. As atenções se dirigiam, cada vez mais, para o teatro escandinavo, até aí tão completamente ignorado, que a documentação cartográfica do Estado- Maior do Exército francês se reduzia a um mapa mural Vidal-Lablache. Estudavam-se, agora, os vales noruegueses, as estradas de ferro suecas, os métodos de combate finlandeses, o equipamento e a alimentação a dar às tropas que operam em altas altitudes. Um incidente marítimo contribuía para essa iluminação projetada para o Norte: sobrevivente do desastre do Graf Spee, o reabastecedor Altmark tentava entrar sub-repticiamente na Alemanha, com 299 prisioneiros a bordo, todos da marinha mercante britânica. Por ordem de Churchill, o contratorpedeiro Cossack o havia aprisionado em abordagem no fiorde de Josing, desrespeitando as águas territoriais norueguesas. A Noruega podia protestar: violações mais graves se preparavam. Fogos aliados e fogos alemães cruzavam-se sobre a neutralidade. Do lado aliado, havia-se renunciado a sustentar a Finlândia, desembarcando em Petsamo. O objetivo de substituição era Narvik.

Quinhentos quilômetros da Lapônia e uma neutralidade sueca fortemente armada separavam a pequena cidade do território finlandês e era mais do que duvidoso que o corpo expedicionário que se projetava enviar para lá conseguisse estender a mão aos soldados esgotados do Marechal Mannerheim. Mas Narvik era o principal porto de exportação do minério de ferro sueco para a Alemanha. Se os Aliados, se apoderassem dela, a matéria prima do aço hitlerista só teria escoamento por Lulea, no golfo do Bótnia, que, 6 meses por ano, é fechado pelo gelo à navegação. A ajuda à Finlândia, tão vilmente assaltada, dava honesto pretexto para privar a Alemanha de seu ferro.

Do lado alemão, nenhuma justificativa, além do interesse da Alemanha, era considerada necessária. A ocupação da costa norueguesa era pedida, há muito tempo, pelo Grande-Almirante Raeder, que a 14 de dezembro havia apresentado ao Fuhrer o ex-ministro norueguês Quisling, que apelava para as armas alemães, no sentido de estabelecer, em seu próprio país, um regime nacional-socialista. Entregue a seus projetos de ofensiva contra França, Hitler declinara das sugestões do almirante e das propostas do traidor. Voltou a elas quando o incidente de Mechelen-sur-Meuse provocou o adiamento da campanha do Oeste.

O chefe da expedição foi escolhido no dia 20 de fevereiro. Convocado de Coblença, o comandante do 21° Corpo de Exército, General Von Falkenhorst, soube, pela própria boca do Fuhrer, que estava encarregado de conquistar a Noruega e que isso era importante, muito importante para o andamento da guerra. Saindo da Chancelaria, comprou um Baedecker e começou a sua iniciação no país aonde o enviavam a colher louros.

Passo a passo, os russos avançavam no istmo de Carélia. Os incríveis finlandeses, tendo humilhado o império soviético, não pensaram que só lhes restava morrer, até o último homem. A Suécia intrometeu-se e a 6 de março, enquanto mais do que nunca os finlandeses se batiam, uma delegação destes, dirigiu-se a Moscou, para negociações. No dia 11, Viborg caiu, mas, a 13, a paz estava assinada. A Finlândia cedia o istmo da Carélia, a metade da península dos Pescadores, dava Hango em arrendamento, submetia-se a mais pesadas condições do que as que havia repelido três meses antes. Nem sequer conservava o seu mais precioso bem: a independência.

A paz de Moscou retirara aos Aliados o pretexto para um desembarque em Narvik. Eles não tiveram nem o cinismo de o dispensar, nem a resignação de renunciar. Duas divisões britânicas, reservadas para a Noruega, foram novamente ligadas ao reforço da BEF, mas 11 batalhões ficaram disponíveis, para qualquer eventualidade. Na França, um pequeno corpo expedicionário, composto de caçadores alpinos e de legionários, continuou seus preparativos no Jura. A única coisa que parece ter desaparecido, em conseqüência da paz na Finlândia, é a urgência. A França e a Inglaterra trocam notas, reconsideram o problema, refazem seus planos.

Recompõem, também seus governos. Chamberlain e Daladier, os homens de Munique, conservam suas funções, na falência das esperanças que haviam encarnado. Lançaram na guerra países cuja paz se tinham gabado de salvar. Mas não fizeram, não puderam fazer a transformação pessoal, correspondente a essa mudança de papel. Os ministérios que presidem são compósitos e fracos. As administrações que dirigem permanecem na rotina dos tempos de paz. Nessa estranhíssima guerra, não são apenas os exércitos que não combatem: também os poderes públicos.

Na França, apesar das lições de 1914, a mobilização industrial não foi organizada. Os operários especializados partiram com os exércitos, com qualquer outros - e é confirmadamente difícil fazê-lo regressar, contra a resistência encarniçada dos comandantes de corpos. Os deputados rurais, cujos departamentos haviam fornecido a bucha de canhão de guerra anterior, protestam contra o privilégio das populações industriais e tentam fazer com que se estendam a seus eleitores. “O Ministro do Armamento é um engenheiro”, - declara, no Palácio Bourbon, um desses eleitos. “Ele não sabe que é a estação da semeadura”. “O que sei - replica o interpelado, Raoul Dautry - é que é a estação dos obuses...”. Os obstáculos que ele encontra, em sua colheita, vão do grotesco ao trágico. Na fábrica de pólvora em Angoulême, 4.000 contratados especiais, subtraídos aos riscos de combate, recusam-se a fabricar melinite, porque, dizem eles, “provoca calvície”. No arsenal de Mountluçon, uma sabotagem acarreta a baixa de 120 canhões antitanques. Proibido, posto fora da lei, refugiado na clandestinidade, o Partido Comunista combate a favor de Hitler, denunciando a guerra imperialista e apresentando como exemplo a URSS, que fizera, com o Terceiro Reich, uma paz fraternal. Arrastados pela forte corrente totalitária ou seduzidos pelo socialismo dos ditadores, frações maciças da direita e importantes frações da esquerda são pró-hitleristas. Mal orientada por uma propaganda exemplarmente má, a opinião pública vacila. Está satisfeita porque o território francês não está sendo invadido e porque o sangue não está correndo - mas menos do que nunca compreende a parada das hostilidades e, de quando em quando, é tomada por redemoinhos de inquietação. O pesado mal-estar, precursor das catástrofes, passa, então, por sobre uma nação que não está em guerra, nem em paz.

O boletim moral da Inglaterra não é sensivelmente melhor. A lei de obrigatoriedade ao serviço militar, tardiamente votada, se aplica, ainda, aos jovens solteiros - e o quadro das exceções por motivos de utilidade pública estende-se até a profissão de limpadores das sebes. Os sindicatos, tendo em frente um velho ríspido, Sir Walter Citrine, lutam para que o estado de guerra não sirva de pretexto para o aumento do horário de trabalho. Até na França, eles vão pregar o maltusanismo dos armamentos. “Os delegados das Trade Unions (Sindicatos) - conta Dautry - censuraram- me veementemente por contratar mulheres e fazer com que os homens trabalhem mais de sete horas por dia!”. Nas classes dirigentes, as infiltrações nazistas, o enfraquecimento do patriotismo, são tão graves como na França. O Cliveden Set (grupo político chefiado por Astor) de Lady Astor, é pacifista por ideologia de esquerda, mas o “Daily Mail”, de Lorde Rothermere, publicara bem recentemente: “Os sólidos jovens nazistas da Alemanha são nossa trincheira contra o comunismo”.

Na Inglaterra, que mais tarde, sob as bombas, se reunificaria, tem-se hoje a impressão de que, àquela época, o derrotismo era monopólio francês. A história imparcial deve dizer que não foi nada disso.

Daladier foi o primeiro a cair, a 19 de março, à saída de um comitê secreto sobre os acontecimentos da Finlândia. Meia queda, uma vez que ele permanece na pasta da Defesa Nacional, dando ainda cobertura ao General Gamelin. Paul Reynaud, considerado o símbolo da guerra a todo transe, como um Churchill francês, assume a presidência do Conselho, mas sua investidura é mais do que difícil: 268 votos a favor, 156 contra, 111 abstenções, um voto de maioria. Durante três horas, os ministros hesitam em aceitar a confiança tão regateada: decidem-se a aceitá-la, depois de terem convencido de que nenhuma outra combinação mais sólida poderia ser articulada. Imagem da divisão e da confusão do país.

A Noruega custa caro à Kriegsmarine

A decisão de origem franco-britânica de enviar um corpo expedicionário, de 3 ou 4 divisões, à Escandinávia, data de 5 de fevereiro. A decisão correspondente, de Hitler, vem um mês depois, mas os preparativos se desenrolam com outra rapidez. Hitler reservou ao OKW, o que vale dizer que ele se reservou, a organização da expedição. No dia 5 de março, depois de ter apaziguado Goering e tratado asperamente Brauchitsch que protesta contra sua convicção, ele susta seu plano: ocupação da Dinamarca, desembarque em Oslo, Cristiansud, Stavanger, Bergen, Trondheim e Narvik. No dia 14, recebe Raeder, que, desdizendo-se, vem sugerir-lhe colocar a conquista da Noruega em seguida à vitória sobre a França. Hitler o despede respondendo-lhe que a sua decisão está tomada e não a mudará.

No dia 17 de março, Hitler interrompe suas cogitações sobre a Noruega, para ir ao encontro de Mussolini, em Brenner. É, desde o inicio da guerra, a primeira entrevista dos dois ditadores. O alemão dificilmente aceitara a fraqueza italiana de setembro e ainda se ressente disso, deixando sem resposta uma carta de Mussolini que, datada de janeiro, o aconselha a tentar negociações, advertindo-o de que ele estava iludido se pensava pôr a França e a Inglaterra de joelhos. É para demonstrar o contrário a seu aliado vacilante que Hitler vai à Brenner.

Parte armado. Leva enorme dossiê militar, notadamente um mapa demonstrativo da localização das 207 divisões alemães, constituídas ou em constituição. A 1.400 metros de altitude, na pequena estação fronteira, coberta de neve, interrompendo durante horas o tráfego entre a Alemanha e a Itália, os dois trens especiais estacionam lado a lado, enquanto, no vagão-salão de Benito, Adolf monologa. Mussolini teve que ouvir a narrativa pormenorizada da campanha da Polônia, a análise das novas táticas alemães, a exposição de toda a superioridade material e moral, que garantem ao Reich nacional-socialista uma vitória rápida sobre as nações ocidentais enervadas. Ciano, que já ouviu essa exposição, pergunta-se que efeito irá fazer sobre seu sogro essa maneira de reduzi-lo ao papel de auditor passivo.

O efeito é imprevisto. Mussolini exalta-se. Essa força, derramada sobre ele, tornou-o belicoso. “A Itália - argumenta - não está em condições de sustentar uma longa guerra. Mas creio, como o senhor, que a sorte da França está selada e que tudo quanto possa passar-se na periferia é sem importância. Minha decisão está tomada. Compreende, Fuhrer?...” Ficou convencionado que os estados-maiores estudarão a transferência de 20 divisões italianas para o Reno, tendo em vista uma ofensiva combinada contra Dijon.

“O Fuhrer - anota Jodl - regressa radiante de Brenner”. A preparação da expedição da Noruega logo o retoma, inteiramente.

O dia 1 o de abril é o ensaio geral. Hitler reúne, em seu gabinete da Chancelaria, os quadros da expedição. Planos diretores haviam sido fixados nas paredes. Os oficiais agruparam-se diante de seus respectivos setores. Hitler os interroga, um após outro: qual a sua missão? Como a cumpririam? Incansavelmente, das 11 às 19 horas, interrompendo-os, uma ou duas vezes, apenas para mandar vir sanduíches, discute, aprova, faz retificar e, finalmente, declara-se encantado e fixa o dia 9 de abril para data do desembarque. A 3ª Divisão de Montanha e as divisões de infantaria 69, 169 e 196 formarão a primeira leva. A 2ª Divisão de Montanha e as divisões de infantaria 181 e 214 a seguirão em reforço.

No outro campo, um Conselho Supremo reuniu-se em Londres, no dia 28 de março. Decidiu ancorar minas nas águas territoriais norueguesas, na desembocadura do fiorde de Narvik, para interromper o tráfico de minério de ferro. Simultaneamente, deve entrar em ação a operação “Royal Marines”, uma das idéia queridas de Churchill. Consiste em jogar no Reno minas derivantes, que destruirão as pontes e perturbarão a navegação. A data de execução é fixada para 5 de abril.

Mas, ai dos Aliados! O Comando e o Governo franceses apavoram-se. A “Royal Marines” parece-lhes operação que provocará represálias contra as fábricas e as cidades francesas. O assentimento dado por Paul Reynauld não é ratificado por seu gabinete de guerra. Aproveitando essa ocasião de nada fazer, Chamberlain faz adiar “Wilfred”, isto é, o ancoramento das minas em águas norueguesas. Churchill acorre a Paris para tentar restaurar o assunto, resigna-se a abandonar a concomitância da “Royal Marines” e da “Wilfred” e consegue afixar para 8 de abril a data dessa segunda operação. No mesmo dia, Chamberlain fala em uma reunião de jovens conservadores. “Mr. Hitler - diz ele - é um homem que perdeu o ônibus”. Eis uma frase que não foi concluída.

No momento em que Chamberlain falava, faziam-se ao mar os primeiros navios alemães de expedição da Noruega, 3 destróieres com destino a Narvik. Nenhum dos numerosos serviços de informações aliados revelou sua partida.

Em Berlim, a semana que se segue está cheia de alarmas. Progressivamente, o mar vai-se cobrindo de navios. Levam ordens minuciosas. Devem arvorar o pavilhão britânico, só responder em inglês, ter, sobre sua viagem, uma explicação imediata e, naturalmente, os soldados ficam confinados aos porões. Os próprios navios de guerra devem identificar-se a barcos ingleses especificados: o Koln, ao HMS Cairo; o Konigsberg, ao HMS Calcutta, etc. Apesar de tudo, as oportunidades de detecção são grandes. No dia 8, ao meio dia, o transporte Rio de Janeiro é torpedeado, diante de Cristiansud, pelo submarino polonês Orzel: homens uniformizados, recolhidos por barcos de pesca, contam que iam defender Bergen contra um ataque inglês. A informação vem do Almirantado britânico, no começo da noite: foi posta na cesta dos papéis do expediente, que o oficial qualificado achará, ao assumir o serviço, no dia seguinte.

Entretanto, os ingleses estão prontos. Transportes com destino a Narvik e a Trondheim estão reunidos na Clyde. Tropas são embarcadas, a partir de 7 de abril, em Rosyth, nos cruzadores Devonshire, Berwick, York e Glasgow, que podem fazer a travessia de Stavanger em 12 horas e a de Narvik em um dia. Mas ficara decidido que se procederia progressivamente. No momento, ancoravam-se as minas. Se os alemães reagissem, a resposta viria com a rapidez de um raio...

O raio que surgiu na alvorada do dia 9 de abril foi o de uma nova Blitzkrieg. No momento em que as tropas transpõem as fronteiras, no momento em que os navios entram nos portos, as embaixadas alemães em Copenhague e em Oslo despertam os primeiros-ministros e pedem-lhes que se incline, diante do fato consumado. O dinamarquês se resigna. Talvez o norueguês se resignasse, igualmente, se o Embaixador Brauer não tivesse recebido instruções de impor Quisling à chefia do governo. Essa exigência e a resistência da defesa costeira permitirão ao rei e a seus ministros deixar a capital, refugiando-se na floresta, para, acossado pela aviação e pelos blindados, ganharem o norte do país

Ao meio dia, todos os portos da Noruega estão nas mãos dos alemães. O cruzador-couraçado Breslau foi afundado no fiorde de Oslo; o cruzador leve Konigsberg foi danificado no fiorde de Bergen e, em Trondheim, um oficial se refugiou em um velho forte. Aliás, a surpresa foi total e o desembarque não encontrou resistência.

No mar, a batalha começa. Tempo carregado, ondas agitadas, tormentas de neve, visibilidade má e fugaz. Para proteger seus 200 transportes, a frota alemã dividiu-se em 6 grupos, desde as ilhas Lofoten até os Belts. Os ancoradores de minas trabalhavam sob a proteção de um único grande navio - o Renown - e de duas divisões de destróieres. Um destes, o Glowworm, investe contra o cruzador pesado Hipper, tenta esporear seu possante adversário, mas os canhões alemães o põem a pique. No dia seguinte, ao romper da manhã, o velho Renown, durante 10 minutos, troca tiros de canhão com o Scharnhorst e o Gneisenau, que surgiram de um mar alvo de espuma. Um disparo feliz põe fora de ação a principal bateria do Gneisenau. Depois, cortinas de neve separam os combatentes.

O Almirantado foi falho em penetração, como o foi em vigilância. Quando a Home Fleet deixou Scapa Flow e Rosyth, foi com a convicção de que ia interceptar uma saída da esquadra alemã no Atlântico. Os cruzadores que levavam a bordo tropas destinadas à Noruega desembarcaram-nas precipitadamente, apressando-se para o combate. O Almirante Forbes, comandante-chefe, viaja a noite toda para o norte, depois volta ao sul, perdendo a jornada decisiva do dia 8. Os marinheiros pensam como marinheiros: estão

obcecados pelos grandes navios inimigos, cuja presença, no mar, é indicada pela destruição do Glowworm. São esses navios que eles procuram, no meio da borrasca de um dia tempestuoso.

O véu só se rasga no dia 9 de maio, pela manhã. No sentido próprio e no sentido figurado: o tempo se desanuvia e as intenções inimigas se esclarecem. Resta uma chance aos ingleses: atacar os alemães nos portos, quando o inimigo efetuar operações de desembarque. Forbes a admite, mas o Almirantado a proíbe, recusando arriscar navios insubstituíveis. A limpidez do céu reanima os aviões. Uma formação alemã enquadra os couraçados ingleses, mas só afunda o contratorpedeiro Gurkha. Algumas horas depois, a esquadrilha de bombardeiros de mergulho “Skuas”, do capitão Partridge, partida das ilhas Órcades e operando no limite de seu raio de ação, encontra o Konigsberg, que as baterias costeiras de Bergen haviam avariado - e acaba de destrui-lo. É, na história das guerras navais, o primeiro dos grandes navios afundados pela aviação.

A aparição dos alemães em Narvik, a mil milhas marítimas do Elba, foi uma tão desconcertante surpresa que, de início, se acreditou dever-se tal notícia a uma confusão de nomes com o do pequeno porto baleeiro de Larvik, perto de Oslo. Supôs-se, em seguida, que o cargueiro teria transportado clandestinamente um destacamento até essa alta latitude. O comandante Warburton-Lee recebe ordens de entrar no fiorde de Ofot com sua divisão de destróieres, Hardy, Hunter, Havoc, Hostil, Hotspur, para liquidar esse navio único e, se possível, recuperar Narvik. No dia 9 à noite, ele pára, a fim de se informar, na estação de pilotagem de Tranoy, no fiorde West. Os pilotos lhe dizem que não fora um cargueiro isolado que acabava de conquistar o porto do ferro, mas seis navios de guerra, maiores do que os seus. A informação é transmitida ao Almirantado, que recusa enviar, como ajuda, um grande navio, mas dá carta-branca a Warburton- Lee: “Decida o que julgar bom: nós lhe daremos cobertura em qualquer caso”. Resposta imediata: “Going into action”.

O mau tempo volta, no dia seguinte. Os cumes de gelo das Lofoten afogam-se nas nuvens. A neve foge, em turbilhão, à frente de um vento de tempestade. Warburton-Lee conduz sua divisão como um cego, pelos canais semeados de recifes. A surpresa completa-se quando ela surge diante do porto de Narvik. Os destróieres Wilhelm, Heidkamp e Anton Schmidt afundam, torpedeados. Três outros são avariados - mas Warburton-Lee, voltando ao ataque, vê de repente desembocarem no fiorde Herjansk três novos inimigos. Enfrenta-os, mas dois outros destróieres alemães saem do fiorde Ballangen e o metem entre dois fogos.

A Campanha da Noruega

Não foram seis, como acreditavam, os pilotos de Tranoy, mas 10 possantes pequenos navios alemães que entraram no fiorde Ofot com 2.000 soldados amontoados em suas estreitas pontes.

O novo combate é desfavorável aos ingleses. Warburton-Lee é morto no passadiço do Hardy, que afunda imediatamente. O Hunter tem o mesmo destino. O Hotspur, gravemente avariado, arrasta-se para fora do fiorde, escoltado por seus dois companheiros intactos. Em parte por causa das más condições atmosféricas, em parte por temerem atacar o Renown, os alemães deixam passar a ocasião de destruir a divisão inglesa. Deixam também a ocasião de salvar o Rauenfels, que leva as armas pesadas ao destacamento terrestre. Ao passar, o Havoc afunda-o. Sua carga faltará, cruelmente, aos aventureiros ocupantes de Narvik.

O Almirantado decide que não se permaneça lá. Três dias depois, nove outros destróieres entram no fiorde Ofot e, desta vez, não estão sós. Acompanha-os um poderoso veterano, o Warspite, que estivera na linha de frente da Jutlândia. Os destróieres alemães se disseminaram, fogem até o fiorde Rombaks, cuja cabeça tortuosa atinge a fronteira sueca. Os obuses do Warspite os seguem e destroem. Todos encalham e se incendiam ao entrar nas águas glaciais. Um submarino, o U 64, partilha dessa sorte. Mas Narvik está nas mãos de um regimento alpino, às ordens do coronel Dietl, e os marinheiros ingleses, não tentam completar sua vitória, arrancando-as dele.

Para a Marinha de Hitler, que possuía um total de 22, é pesada a perda dos 10 destróieres de Narvik. E somam-se à destruição do Blucher, do Karlsruhe e do Konigsberg, afundados a 9 de abril. O Hipper, o Scharnhorst, o Gneisenau e, sobretudo, o Lutzow cuja recuperação durará um ano, sofreram avarias sérias. A Noruega custa caro à esquadra alemã. A 15 de abril, seus navios disponíveis estão reduzidos a 2 cruzadores leves e 4 destróieres.

Em Paris, as recriminações são amargas. Como puderam os ingleses deixar-se surpreender? Para que serve sua esquadra? Estaria dormindo o seu famoso Inteligence Service? Reunidos nas primeiras horas da manhã do dia 9, os ministros militares e os comandantes-chefes discutem e agitam-se. Ficam de acordo em considerar que a melhor resposta à invasão da Noruega seria entrar na Bélgica e instalar-se no canal Albert. Decidem insistir junto aos belgas, demonstrando-lhes que jamais haverá momento mais favorável, uma vez que grande parte da força aérea alemã está voltada para a Escandinávia. Mas o governo belga considera que a extensão da guerra na Escandinávia diminui os riscos de agressão contra seu território e que, mais do que nunca, tem razão para agarrar-se à sua neutralidade.

Levantada a sessão do Eliseu, Reynauld e Daladier partem para Londres. Trata-se de restabelecer, sem demora e contra um inimigo já instalado, a operação que a paz finlandesa suspendera: a ocupação dos portos noruegueses. Churchill, por sua vez moderado, desejaria que a operação se limitasse a Narvik, mas os franceses insurgem-se contra a sua timidez. Por que não retomar, também, Trondheim? Há uma baía imensa, um grande porto, o nó das vias de comunicação entre o sul e o norte da Noruega. Tomar Trondheim é transformar em derrota o sucesso alemão. A hora da audácia chegou. A verdadeira guerra começa. Decide-se então que serão tomadas, simultaneamente, Narvik e Trondheim. A situação dos alemães no porto do ferro é estranhamente aventureira. Dietl só tem seu regimento alpino e duas pequenas baterias de montanha, quase sem obuses. Hitler é tomado de pânico ao simples pensamento de que aquela fraca tropa alemã poderia ser obrigada a depor as armas. Decide determinar a Dietl que recue para Trondheim, mas o oficial de ligação do Exército ao OKW, o tenente-coronel Von Lossberg, resolve reter o radiograma. Tem, em seguida, a audácia de procurar Keitel e Jodl para censurar-lhes terem dado ordens inexeqüíveis. Keitel sai-se bravamente, dizendo que está abaixo de sua dignidade discutir com um oficial tão jovem. Jodl, brando, explica que a ordem é, evidentemente, absurda, mas que o Fuhrer está num estado de excessivo nervosismo e não é possível dizer-lhe isso. Ao que o insolente Lossberg responde que, se os conselheiros do Fuhrer não têm autoridade, lhes resta ceder o lugar a personalidades mais fortes. Jodl lembra-se, então, de um professor de Innsbruck, especialista em montanhas norueguesas. Levam-no a Hitler, a quem ele demonstra que uma retirada de 1.000 km sobre geleiras é pura impossibilidade. Revendo sua ordem, sem suspeitar de que ela jamais fora transmitida, Hitler ordena então a Dietl que resista até a morte e que se faça internar na Suécia, como medida extrema. Todo mundo considera que é questão de horas a tomada de Narvik.

Mas falta inspiração aos ingleses. Em lugar de atirar-se sobre Narvik, a brigada que eles embarcam no dia 12 de abril vai desembarcar no pequeno porto de Harstad, na ilha Hinnoy. O objetivo está a 100 km atrás das montanhas, onde o caminho é tão difícil como o do monte Branco. Churchill envia um vigoroso marinheiro, o Almirante Lorde Cork, mas Churchill é apenas o Almirantado, e o general comandante das forças terrestres, Mackesy, depende do War Office e fica surdo aos enérgicos conselhos de seu colega da Marinha. O céu intromete-se, derrama 1,50m de neve fresca. “Esperarei - decreta Mackesy - que a neve se derreta”. No campo aliado, a ação não restabeleceu a harmonia. As relações franco- inglesas permanecem acres. Não são menos azedas as relações internas nas esferas dirigentes francesas. A falta de preparação da expedição norueguesa irrita Paul Reynaud, que, no gabinete de guerra do dia 12, arrasa Gamelin com censuras. Daladier deixa seu lugar de vice-presidente do Conselho e vai sentar-se à extremidade da mesa, ao lado do general, como um advogado perto de seu constituinte. Depois da sessão, Gamelin redige seu pedido de demissão. Daladier faz com que ele o rasgue, deixando-o entender que os dias do gabinete Paul Reynauld estão contados.

Em Londres, um plano grandioso é elaborado contra Trondheim. Toda uma armada entrará no vasto fiorde. Lá estarão o Valiant, o Renown, o Glorious, o Warspite, 4 cruzadores de DCA, 20 destróieres, muitos navios- transporte. Cem aviões patrulharão o céu. Uma brigada do exército regular e um batalhão de canadenses desembarcarão diretamente na cidade. Uma brigada francesa seguirá como reforço. Dois movimentos acessórios serão combinados com esse assalto frontal, um partindo de Namsos, a 150 km ao norte; o outro partindo de Andalsnes, a 200 km ao sul. Um homem ainda jovem, vibrante de confiança, o Almirante Sir Roger Keyes, mendiga o favor de conduzir a esquadra. Em 1918, ele entrara na história, engarrafando Zeebrugge. Garante a vitória em Trondheim. O assalto frontal, “Hammer”, foi fixado para 22 de abril. Nos dias 15 e 17, vanguardas desembarcam, sem oposição, em Namsos e em Andalsnes. Mas, no dia 18, o comitê de chefes de Estado-Maior, considerando o número e o valor dos navios que é preciso arriscar, condena a operação “Hammer”. Keyes, inconsolável, oferece-se para conduzir contra Trondheim os mais velhos navios da Marinha Real e da marinha mercante. Sua proposta é recusada. Tomar-se-á a cidade, mas unicamente por via terrestre, pela junção dos dois ramos extremos, a que se forma em Namsos e a que se forma em Andalsnes.

O duplo desembarque fez renascer a agitação de Hitler. A situação em Trondheim é a mesma que em Narvik. As tropas que dominam a cidade, 5.000 homens quando muito, são cortadas do grosso das forças alemães desembarcadas na região de Oslo. Hitler determina marchas impossíveis, para socorrê-las, considera uma ação marítima, agora que já não tem navios, e, finalmente, volta seu furor contra os noruegueses, cuja resistência e poder de destruição no Gudbrandsdal retardam a subida, para Trondheim, das divisões de infantaria 163 e 196. Tentou-se conquistar os noruegueses com bons modos; eles respondem a mão armada. Hitler decide chamar o embaixador e dar à Noruega um Gauleiter, o impiedoso Terboven.

Mas é supérflua a angustia de Hitler. Imediatamente, as coisas andam mal para os Aliados. A única maneira de tomar Trondheim seria um assalto frontal, que os chefes de Estado-Maior haviam julgado arriscada demais. Os longos movimentos terrestres, por estradas de 3 m de largura, na neve e na lama, sob a superioridade da aviação adversária, não estão ao alcance de tropas mal equipadas e mal conduzidas.

Namsos. É uma pequena cidade de madeira e um pequeno porto de pescadores. A organização da expedição é tão defeituosa, que a DCA se encontra no comboio de segundo escalão, notadamente no ex-navio de passageiros Ville d’Alger, que não pode aproximar-se do porto, por causa de seu calado. Os alemães deixam que desembarquem as tropas: duas brigadas inglesas, uma divisão ligeira francesa. Depois a Luftwaffe aparece e incendia a cidade. O General Carton, apesar de tudo, põe seus ingleses em marcha, enquanto os franceses do General Audet se retardam em Namsos. O tempo está pavoroso. As tropas, esperarão Steinkjer à cabeça do fiorde de Trondheim, depois recuarão diante do frio e do desconforto, mais do que diante da resistência inimiga.

Andalsnes. A cidade é ainda menor que Namsos e o vale que aí termina está muito encaixado. A princípio, os ingleses acreditam que a vitória será rápida. Transpõem um desfiladeiro, a 1500 m de altitude, e desembocam no Gudbrandsdal, eixo das comunicações e da riqueza norueguesas. De Dombas, uma estrada se dirige para Trondheim e para Carton. Mas, antes de acabar de sonhar com a junção, é preciso reforçar a cobertura do flanco direito, indo ajudar as unidades norueguesas do General Ruge, que barram o Gudbrandsdal, em Lillehammer. A 148ª Brigada aí se precipita, pela estrada e pela ferrovia. Segue-se a 15ª Brigada, chegada da França sob o comando do General Paget. Mas o choque com as tropas alemães interrompe o que se iniciava como reconquista triunfal de Oslo. A 148ª deixa os inimigo seu brigadeiro e seus arquivos, com todas as provas que estabelecem que Hitler fez anteceder os ingleses na Noruega.

Penosamente, Paget leva os restos da expedição para Andalsnes.

No dia 30 de abril, Hitler está radiante: suas tropas do Gudbrandsdal fizeram junção com os defensores de Trondheim. Dois dias mais tarde, não resta um único francês, nem um único inglês na Noruega central. Partiram sob bombardeio, abandonando as armas, perdendo navios, provando às suas custas que o domínio do mar nada vale, quando não se possui, ao mesmo tempo, o domínio do céu.

Em torno de Narvik, a neve ainda não derreteu. Estão em curso grandes preparativos. Churchill conseguiu fazer com que o tímido General Mackesey fique subordinado ao enérgico Almirante Cork. O contigente francês, vigorosamente comandado pelo jovem general Bethouart, vindo da França como coronel, compreende meia brigada de caçadores alpinos, 4 batalhões poloneses e 2 batalhões de infantaria da Legião Estrangeira, chegados de Sidi-Bel-Abbes. Todos os legionários são voluntários e, como alguns são alemães, deu-se a eles papéis em que constam como naturais da Bretanha, de língua bretã, na cândida esperança de que escaparão da morte se forem capturados por seus compatriotas.

O plano de ataque é organizado. O desembarque será em Bjervik, ao fundo do fiorde Herjansk. Narvik será tomada, transpondo-se o fiorde Rombaks. A data marcada para o inicio das operações é 12 de maio.

Os alemães, por sua vez, esforçam-se para reforçar o grupo Dietl. Hitler admite violar a neutralidade sueca, mas Goering, alertado por uma mensagem pessoal de Gustavo V, consegue dissuadi-lo. Os suecos pagam deixando passar munições e alguns reforços camuflados. A Luftwaffe traz outros reforços, pertencentes à 3ª Gebirgsdivision. Em terra, esforços sobre-humanos são desenvolvidos para estabelecer ligação entre Trondheim e Narvik. As tropas alpinas instalam uma cadeia de postos de reabastecimento, mas, diz o comandante-chefe Falkenhorst, trata-se mais de uma expedição em alta montanha do que de uma operação militar. “O trabalho que nossos destacamentos devem realizar é comparável à escalada no Nanga Parbat”.

 Tudo está pronto para a batalha da rota do ferro. Na França, Paul Reynauld proclama que ela está suspensa e, na Inglaterra, Churchill afirma que a campanha da Noruega se saldará por uma vitória, se os Aliados tomarem e conservarem Narvik.

Mas os acontecimentos que surgem relegarão à insignificância o teatro escandinavo. Começou o mês de maio de 1940.

 

Segunda Guerra Mundial - 1940 Janeiro A Maio - Vigília de Armas

Janeiro a Maio de 1940 Vigília de Armas Tópicos do capítulo: Quadro do Exército francês: Os efetivos O armamento Discussão sobre a ar...